”...and I dare you to forget the marks you left across my neck from those nights when we were both found at our best.”

Os fones do iPod novo estavam cobertos pelos longos fios castanhos de cabelo jogado por cima do rosto todo, por onde, em meio às frestas das falhas da franja jogada pro lado, um par de olhos amendoados traçava o caminho da janela para a estrada, vendo o mato da paisagem passando rápido conforme o caro ônibus de viagem se movia. Os fones estavam em seu ouvido, mas fazia algum tempo que o iPod não tocava nada, e na tela de luz clara, a única luz no meio da escuridão do ônibus, uma música antiga do que ele gostava de chamar de “sua banda”. Todos já estavam dormindo, e a noite parecia ser o único momento que ele tinha para ouvir suas músicas, comer seu lanche, devanear sobre sua vida, o que foi, o que será, como está...

Não era como se Adam estivesse reclamando, ou achando que aquilo tudo era ruim, não. Ele gostava de sua vida como estava, ele gostava de onde estava, de ser importante, de ter amigos importantes, de ser o centro das atenções com flash de câmeras disparando sobre ele, querendo um sorriso, um olhar, aquela foto exclusiva. Gostava das garotas gritando em frente ao palco, e gostava do saldo de sua conta bancária, era confortável a vida que levava.

Conhecia o mundo todo sem gastar um centavo.

Tinha tudo que queria, tudo que precisava, tudo o que não precisava e tudo que nunca nem pensou que pudesse querer. Havia perdido a conta de quantas caixas de coisas tinha em casa, que nunca abriu, que não se lembrava de ter comprado, que não fazia idéia de como foram parar lá.

E falando em casa, já havia perdido a conta de quanto tempo fazia que não via seus pais, nem Nathan, seu irmãozinho.

Tantas pessoas que antes eram seu mundo, agora já não faziam mais parte dele, nem do seu universo, nem de sua vida. Não os conhecia mais, e eles não o conheciam mais. Seu prato preferido já não era o mesmo de quando era criança, e sua bebida favorita agora continha álcool. Suas roupas?

Todas eram parte da mais recente coleção das mais recentes marcas. Algumas inclusive lhe enviavam assim que eram lançadas. Já era difícil manter as mesmas opiniões que tinha quando saiu de sua cidade, e seus princípios agora estavam frágeis e arriscados a despencar em meio a vãos escuros e sem volta.

E aos poucos Adam soube que havia perdido o gosto pelo que fazia, percebeu que já não sentia prazer em estar no palco, que escalar as estruturas de ferro para chamar atenção já não tinha a menor graça, e jogar o microfone para todos os lados só se tornava engraçado quando acertava Matt.

Não que tivesse acontecido mais de uma vez, de qualquer forma, e quase morreu de remorso. Se tinha alguém naquela banda que ainda o mantinha ativo, era Matt, porque depois de John...

Suspirou.

Não queria chegar a essas conclusões, e estava cansado de procurar culpados nessa história, estava cansado de culpar Jesse, de culpar Michelle, estava cansado de pensar que a culpa era sua, e que se John era incapaz de entender o seu lado, então a culpa era dele também. Estava cansado porque o fato era que não mudaria nada quem foi o culpado de que, porque nada os faria voltar atrás.

Ele só... queria poder dividir tudo aquilo com quem um dia foi seu melhor amigo.

Alguém que ele nunca conseguiu esquecer.

Se encolheu, as pernas em cima do banco também, o ombro recostado desconfortavelmente na janela, os olhos fitando ao longe – bem longe – o começo da linha de trem de Long Island, e se pegou se lembrando da Carolina do Norte. Havia saído de casa com a promessa de que conseguiria como se virar, que teria uma vida confortável. Jurou que não dependeria mais da boa vontade de seus pais, que daria a eles algo do que viver, por mais clichê que soasse.

Mas coisas clichê combinavam tanto com ele...

Acabou de Sheffield, Alabama, na Carolina do Norte, em um bar sujo, com pessoas sujas e uma banda.

Estava tão acostumado a ser desacreditado que quando John acreditou que ele pudesse ser útil, ele próprio desacreditou que conseguiria.

Ser amigo de John, ter a confiança dele era tudo que ele poderia querer. Ele podia se sentir seguro, e se sentia, e as pessoas gostavam dele, e todos estavam com eles, e ele, por alguns momentos desejava que aquilo nunca acabasse, que as noites de bebedeira nunca acabassem, que o momento pós-show, suados, deitados juntos no fundo da van velha nunca acabassem. E que os beijos seguidos e ininterruptos de John nunca deixassem de ser sentidos por ele, e que ficassem assim para sempre.

Riu.

Estava começando a soar como Jesse, e isso era ruim.

Não que desejasse mal para o rapaz, não mais. Já havia chegado perto de contratar alguém para degolar o paspalho, mas com o tempo passou. Havia cansado das provocações, havia cansado das músicas trocadas, havia cansado de gritar a todo pulmão as letras de John, porque no fundo, quando fazia isso, não era Jesse quem ele estava machucando...

...porque lembrar John, o machucava.

E talvez, tivesse perdido a única razão de fazer tudo aquilo, porque no fundo, nunca foi por si mesmo que esteve brigando. Não ter John ao seu lado era não ter motivos mais, e se achava incrivelmente fraco por isso. Nunca dependeu de ninguém, não deveria ter se tornado um dependente de John, não deveria ter sequer começado a deixar que ele guiasse seu caminho.

Isso era patético.

O iPod apagou.

Até o pequeno aparelho havia cansado dele.

Tocou os dedos no botão, fazendo com que a luz acendesse novamente, o mostrando novamente qual era a música que deveria estar ouvindo, mas que pausou para se concentrar em seu próprio pensamento. De súbito apertou o ‘menu’, indo para os vídeos, selecionando um em especial.

Os clipes de baixo orçamento do Straylight Run o faziam rir, mas ao mesmo tempo o deixavam feliz, porque John estava feliz.

Ele não, mas John estava, e isso era importante. E mesmo agora, depois de anos, depois de milhões na sua conta, depois de discussões e provocações, ele entendia.

Entendia que não é porque ele queria tudo aquilo que agora tinha, que John partilhava da sua vontade. Para ele sempre foi tudo muito simples, eles eram bons, eles poderiam ter o mundo e o que mais pedissem, poderiam ser eternos, poderiam ser especiais, mas... John nunca quis isso. Para ele, o que estava vivendo atualmente, era o que todos deveriam almejar. Afinal, qual a finalidade de uma banda boa existir se for para se esconder em garagens e bares sujos?

Na época, para ele, isso era o maior dos insultos: John tinha um dom, deveria começar a usa-lo para pagar as próprias contas!

Acontece que errar o fez amadurecer. Errar e perder John o fez perceber que John não queria se esconder, não era essa a finalidade em não assinar com a gravadora grande, o fato era que John sempre foi auto-suficiente. Ele não precisava de roupas caras e milhares de garotas aos seus pés, porque desde que ele estivesse fazendo o que gostava, a fama e o dinheiro não importavam, porque ele teria algo muito mais valioso: a liberdade para fazer o que quisesse.

Adam suspirou, vendo o horizonte começar a ficar alaranjado, anunciando mais uma noite completa sem dormir. Tirou do vídeo do iPod, passando para as músicas, e para a que estava ouvindo antes de começar a se jogar dentro dos próprios devaneios.

Uma dúvida que teria eternamente era se John se pegava pensando as mesmas coisas que ele durante as noites em que por acaso ouvia as músicas antigas do Taking Back Sunday.

Ele nunca saberia dizer, mas duvidava que John tivesse apagado de sua memória tudo que passaram juntos, as confissões depois de alguns copos de vodca, as palavras sinceras nos momentos críticos, os problemas, as brigas...

Inconscientemente seus dedos digitaram os números de um celular, enquanto removia um dos fones do iPod, se deixando ouvir o telefone chamar. Não sabia que horas eram, e na verdade não achava que isso importasse de fato, e não se surpreenderia se sua chamada não fosse atendida.

Na verdade, se surpreendeu quando a voz do outro lado soou um ‘alô’ cansado, provavelmente estivera dormindo.

- John... I said I could make this obvious and you, you could deny it all in one breath… well, come and shrug me off your shoulders… -cantou baixo, esperando alguma reação do outro lado, esperando que talvez ele desligasse o telefone antes de ouvir o resto – mesmo que ele soubesse de cor exatamente todas as palavras que ele próprio escreveu. Mas do outro lado veio somente um suspiro. Ainda o amava.

A verdade crua era essa: ele ainda amava John, mais do que jamais amou qualquer outra pessoa.

- Hey lush, have fun. It’s the weekend… hey lush, have fun. -a voz baixa veio do outro lado, e ele podia afirmar que John estava sorrindo.

Mordeu o lábio, tentando impedir que as lágrimas seguras em seus olhos despencassem pelo seu rosto.

- Eu te amo, John. – soltou, deixando a voz cortada transparecer.

- Tenta dormir. Suas olheiras estão ficando evidentes até nas fotos. E... eu preciso ir. – desligou.

Adam se encolheu, sentindo os olhos ardendo, recolocando o fone no ouvido, deixando que a voz de John ao fundo da sua o fizesse pegar no sono, para que os outros o encontrassem pela manhã com a cara grudada no vidro do ônibus. Não adiantaria pensar naquilo agora... talvez precisasse de tempo para ganhar o perdão de John.

O trem das quatro da manhã cortou os trilhos, sendo seguido pelos olhos castanhos do rapaz à janela, o celular em mãos com a chamada finalizada piscando no visor. Fazia muito tempo que não recebia uma ligação daquelas.

Havia tomado decisões em sua vida, e geralmente estava feliz com os caminhos que havia escolhido, mas aquele tipo de coisa mexia com ele. Saiu da janela, esfregando as mãos nos baços assim que jogou o celular em cima do sofá, se dirigindo para o quarto, onde uma figura embolada em cobertores e edredons dormia angelicalmente.

Se deitou novamente, se deixando enterrar debaixo da coberta quentinha, procurando se aninhar de novo nos braços do namorado.

-Quem era? –resmungou o de cachos claros, sem abrir os olhos azuis para o mais velho.

-Michelle... não lembrava a letra de uma música. São quatro da manhã, Jesse, volte a dormir. –disse baixo, selando o outro, que o abraçou ternamente, ainda meio sonolento.

-Sua irmã é louca... –resmungou antes de pegar no sono.

John ainda ficou com os olhos abertos, fitando o outro lado do quarto, sabendo perfeitamente que sua memória o impediria de esquecer Adam.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.