Óculos, cabelo estranho, estudioso, boas notas, algumas espinhas, bom e correto, são expressões que me definem, no colégio, em casa, na rua, no shopping, no supermercado, enfim, em qualquer lugar que eu vá as pessoas veem essas características em mim, me rotulam de nerd (não que eu não seja). E no final, elas me evitam, como se eu fosse um alienígena.

Meu irmão mais velho, Gerard, é “nerd” também, mas faz do tipo engraçadão, extrovertido e rabugento, certinho e chato quando não está entre amigos ou família.

Apesar de ele ter uma penca de garotas babando atrás, ele só pensa em estudar, jogar videogame ou assistir animes com nossos amigos, Bob e Ray, do ano dele (moram na nossa rua) e Frank, do meu ano, que mora uma rua abaixo.

Quando eles se reúnem para fazer uma maratona de animes (geralmente aqui em casa), prefiro ficar no meu quarto, estudando física, ou química, criando projetos, fazendo trabalhos, ou ouvindo a boa música clássica.

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Hoje, sexta-feira. Mais um dia de aula, mais um dia de prazer e aprendizado. Sento na frente, por causa da visão e de ser “o queridinho dos professores”. Frank senta um pouco atrás, por causa de sua altura. Mas ele tem jeito de garoto de fundão.

Aula de História, Império Romano, sei de tudo. Espera só o professor começar a fazer as perguntas...

- Bom dia, classe! - O Professor sr. Leto (as meninas babam muito por ele) entrou na sala. Meus materiais de História estavam belamente arrumados sobre a mesa. Depois da chamada, ele começou a introduzir a matéria. Eu já sabia de tudo aquilo...

- E algum poderia me dizer quem foi o primeiro imperador de Roma?

- Augusto, que governou de 16 de Janeiro de 27 a.C. a 19 de Agosto de 14, professor!

Apesar da resposta estar exata, correta, corretíssima, não fui eu que respondi.

- Muito bem, srtª Germanotta!

Olhei pelo rabo dos olhos a garota morena que se sentava ao meu lado. Stefanni Germanotta, a garota nerd da sala.

- E qual dinastia aconteceu de 96 a 192?

- A Dinastia dos Antoninos, professor!

Eu e a Germanotta respondemos em uníssono.

- Muito bem! Vejo que vocês estão bem afiados no Império Romano! Gostei do entusiasmo!

-Obrigado, professor – respondi.

-Obrigada pelo elogio - ela também respondeu.

Depois de mais algumas explicações, anotações no quadro, uma pequena amostra de imagens, nosso estimado professor passou um trabalho para ser feito em dupla. Eu geralmente fazia com Frank (eu fazia, ele explicava), mas o professor adotou aquela técnica do sorteio. Adivinhem quem é minha dupla?

Stefani Germanotta. A única.

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Última aula, eu saio depois de todo mundo da sala de aula, por que há uma confusão na hora da saída, que só Jesus na causa. Coloquei alguns livros na minha mochila e peguei alguns para colocar no meu armário. A escola estava quase vazia, afinal, vários estavam querendo se divertir mais tarde. Adivinha quem vai ter uma maratona de Naruto Shippuden em casa?

Fui andando calmamente até meu armário, a alguns corredores de minha sala. Eu não tinha muito que fazer em casa (Gerard ia ficar fazendo Tex Food, e ia pedir minha ajuda. De novo). Abri meu armário, inserindo minha combinação. Coloquei os livros e alguns cadernos lá, e fechei a porta, sem ânimo. E quando me viro, uma figura de cabelos longos e escuros, pouco mais baixa que eu surge, magicamente.

- Olá, Way – ela se dirigiu a mim, sorrindo.

- Oi, Germanotta.

- Então... – ela enrolou. – E o trabalho?

- Hã? – Meu cérebro parou mor meio segundo. – Ah sim, o trabalho. Que dia?

- Podemos começar na segunda. – Ela mordeu o lábio – Se você quiser.

- Segunda está ótimo pra mim. – ajeitei meus óculos. – Onde?

- Meus pais preferem que eu faça lá em casa, tudo bem?

- É melhor, meu irmão fica enchendo o saco. – virei os olhos. Quando Frank ia fazer trabalho na nossa casa, Gerard ficava conversando demais. E com qualquer outro colega meu.

- Minha irmã tem aula de balé, então não vai nos atrapalhar. Além do mais, ela é bem na dela.

- Formidável! – respondi, animado por não ficar com todo o trabalho pra cima de mim.

- Depois da escola? A gente poderia ir juntos, não moro longe.

- Eu moro na rua Morgue. – respondi

- Ah, eu moro na rua embaixo... Moro um pouco a frente do Iero...

-Sério? Legal!

- Sim... Somos quase vizinhos então – ela sorriu. Um sorriso muito bonito, devo admitir.

- Bem, eu tenho que ir agora, meu irmão deve estar preocupado. – Apertei os lábios, um pouco chateado.

- Eu também, quem busca a Natali na escola sou eu...

- Em que ano ela está? - Tranquei o armário e fui andando. Ela me acompanhou.

- No quinto. E o seu irmão?

- No terceiro do segundo grau. Sou o irmão caçula, e sempre tratado como tal.

- Eu sou a mais velha. Só tem ele de irmão? – estávamos descendo as escadas

- Só. E você?

- Também, Natali é bem legal, ela desenha roupas, e tem lá uma certa dificuldade na escola, mas sempre que posso, ajudo.

-Gerard é meu único irmão. Ele é meio bobo às vezes, mas é legal. Posso te fazer uma pergunta meio indiscreta?

- P-pode – ela gaguejou.

- Você tem sangue italiano? – ela me olhou interrogativa. – Por causa do “Germanotta”

- Ah sim, sou descendente de italianos. – ela sorriu

- Eu também! Na verdade também descendo de escoceses.

- Interessante! Temos algumas coisas em comum, não?

- Verdade... – Já estávamos quase chegando ao portão. Gerard e nossos amigos estavam fazendo brincadeiras idiotas (como sempre). Odeio sentir vergonha alheia...

- Olha lá nosso pequeno! – Raymond apontou para a minha pessoa, super discreto.

- Oi para você também, Raymond. – Revirei os olhos. – Bem, essa aqui... – procurei Stefani, que estava ao meu lado. Como ela consegue aparecer assim do nada? – É Stefani Germanotta, colega minha e do Frank.

- E por que ela está andando com o antissocial? – Meu irmão fez falsa cara de bravo.

- Nós estávamos resolvendo um trabalho. – a morena sorriu. Meu irmão deu um meio sorriso sem graça.

- Já vou indo – Ela completou – Até mais, Iero, até mais Way... Tchau para todos...

- Tchau – acenei.

- MAS O MIKEY ESTÁ COM A BOLA TODA, HEIN? – Frank disse alto demais. Suspeitei que Stefani tenha escutado.

- Cala a boca, Iero! – dei um tapa na cabeça de meu pequeno amigo. Ele deu uma risada alta e alguns alunos se viraram em nossa direção.

- Bom, não sei vocês, mas estou a fim de comer, já são três e meia... Vamos para a lanchonete da mãe do Billie? – meu irmão tentou acalmar a situação. Costumamos lanchar lá, o Billie é amigo de Gerard, e geralmente dá um desconto no lanche (e sempre acaba lanchando com a gente).

Fomos para lá e acabamos discutindo sobre a maratona de animes. Gerard e eu não demoramos muito, pois afinal, alguém tinha que fazer enchiladas.

Gerard e eu passamos no supermercado. Compramos a pimenta, carne moída, as tortillas, abacate, uns Doritos, muitos refrigerantes. Pagamos e levamos as sacolas pra casa. Nossos pais ainda estavam trabalhando. Gerard e eu trocamos de roupa e arregaçamos a mangas e fomos dar uma de mexicanos. Gerard cozinhava bem, era cada prato delicioso que inventava. Mas dessa vez abrimos um livro de receitas mexicanas e seguimos passo a passo. Gerard possuía os cabelos um pouco longos, então pegou linguinhas para prendê-los. Piquei a cebola, os tomates, e refoguei a carne. Meu irmão coordenava tudo, bateu os abacates, temperou os recheios, assamos as batatas, fritei os bacons, e por volta das cinco horas, tudo estava pronto.

Desabamos no sofá, e para nossa alegria, começara The Big Bang Theory. Assisti a meio episódio e fui tomar banho. Nossos pais já haviam chegados, mamãe elogiou o cheiro da comida. E como era sexta-feira, ele disseram que iam jantar fora.

Umas sete e meia nossos amigos chegaram, fizeram uma festa. Eu preferi ler “O Mundo de Sofia”. Frank estava imitando os ninjas, e estava levando almofadadas de Toro e Bryar. Suspirei longamente quando eles começaram a gritar feito malucos.

Não faço ideia que horas eram, sei que eu estava lendo o oitavo capítulo do livro, sobre Sócrates. Gerard entrou no meu quarto, carregando uma bandeja com algumas guloseimas mexicanas. Ele deixou na minha escrivaninha.

- E aí, meu maninho favorito! Como está a leitura?

- Muito boa, e como vai Naruto? – tirei os olhos do livro, ajeitei os óculos e o fitei.

- Fazendo babaquices... se é que me entende.

- Frank Iero. – virei os olhos

- Exato. – ele riu – Não quer assistir um pouquinho?

- Não... Estou bem aqui...

- Michael. – Meu irmão disse solene – Vamos ter uma conversa séria. Vamos falar sobre... Garotas!

- Eu não quero falar sobre isso!

- Nem eu, então tchau! E vê se come!

- Tá bom... – ele afagou meu cabelo e depois saiu.

Alguns minutos depois tirei os óculos do meu rosto e os coloquei no criado-mudo. E dormi.