“- Vou sentir sua falta. – murmurei em seu ouvido, embora ele não fosse escutar-me.”

Meus olhos estavam embaçados quando os abri. A luz foi a primeira que os atingiu: ela doía. Aos poucos, o formigamento que começava a tomar conta de meu rosto, a começar pelo nariz, foi se dissipando e meus olhos se acostumaram à luz. Logo percebi onde estava. As macas e as altas janelas faziam um lugar impossível de não ser reconhecido: a enfermaria.

Levantei apenas meu tronco. A cabeça girava, eu estava tonto. Levei a mão à nuca, mas a afastei ao tocar a gaze que fazia o curativo. Ouvi os passos rápidos se aproximando e reconheci o rosto embaçado da velha enfermeira. Ela murmurava algumas palavras, mas eu não podia ouvi-las. Então meus ouvidos pareceram se aguçar ao ouvir uma conversa logo ali ao lado.

- Pobre garoto... – dizia uma mulher qualquer. – O próprio primo...

- Dizem que ele tinha sangue ruim. – respondeu um rapaz de cerca de 17 anos. – Pelo jeito, era verdade.

- Ah! – exclamou a mulher, que deveria ser sua mãe. – Que destino terrível! Eu só espero que...

Com essas poucas palavras ela irrompeu em prantos, sendo abraçada pelo rapaz, que a levou para fora. Involuntariamente, meu olhar se dirigiu à enfermeira.

- Sinto muito, senhor. – disse. – Mas ele encarou o monstro diretamente...

Meu mundo havia acabado. Não a esperei terminar de falar. Minhas pernas rapidamente se moveram para fora da cama e eu me pus de pé, pondo-me a correr sem rumo algum antes que a enfermeira pudesse impedir.

As lágrimas pareciam não se deixar cair. Qual era o meu maldito problema?

Finalmente pude distinguir meu destino. O banheiro do segundo andar estava deserto.

“O que pensa que está fazendo, Salazar?”, perguntei a mim mesmo. Aquele lugar era maldito.

Dei meia volta, me dirigindo a outro lugar qualquer, longe da maldita câmara... E parei. Estava em frente à gárgula que guardava a sala de nossas reuniões. Mas o motivo de minha repentina parada fora ela.

Helga estava atrás de mim, aparada, apenas me observando. Virei-me.

- Por quanto tempo... – solucei, como se estivesse chorando, mas as lágrimas não saíam. – Quanto... Tempo... Eu apaguei?

- Três semanas. – respondeu ela, ríspida demais, o que não era de seu comportamento habitual. – Foi sorte sua a enfermeira conhecer a cura. – então parou, visivelmente arrependida de seu tom de voz. - Ele está na enfermaria ainda. Você deve querer vê-lo. – assenti. – Mas antes... Precisamos conversar. Nós quatro.

Senti meu coração acelerar. Não queria vê-la de novo. Porém, sem que eu ao menos percebesse, minhas pernas iam em direção à sala. E lá estavam eles. Sentados ao redor da mesa redonda, apenas aguardando, como pais que esperam filhos que demoram a chegar em casa.

- Ai está ele! – disse Godric, se levantando ao me ver. – Nosso assassino.

Franzi o cenho. “O quê?”, pensava. Repeti minhas palavras em tom alto.

- Não se faça de bobo, Salazar! – exclamou novamente, aprecia a vingança pela minha Cruciatus, logo ele estaria gritando. – Queremos ir direto ao ponto: você matou Marlon Hogwarts.

- Marlon Slytherin. – corrigi, mas ele apenas me ignorou.

- E queremos te avisar que você não será denunciado. – continuava, sem uma mínima pausa para respirar. – Mas... É apenas porque Rowena e Helga são piedosas demais... E tem mais.

Rowena se levantou, tocando delicadamente seu braço, pedindo permissão para falar.

- Porém, Salazar, - disse ela. – não poderemos manter você aqui... Conosco. – ela foi interrompida. Uma tosse. – Helga, minha querida... você está bem? – minha irmã apenas assentiu brevemente. Rowena voltou-se a k=mim mais uma vez. – Tem dois dias para recolher suas coisas e... Ir embora.

Minhas sobrancelhas se arquearam.

- Mas o prédio e os terrenos... São meus! – protestei.

- Nossos. – argumentou ela. – Você nos tornou vassalos. Agora, por favor, retire-se.

A ficha ainda não havia caído para mim. Parecia que eu ainda estava desacordado, apenas sonhando. E pretendia continuar assim.

Era fim de dia. A enfermeira deu licença do local ao me ver entrar. Afastei o pano da maca indicada.

Lá estava ele. Tão belo e jovem, meu primo parecia um anjo. Seus olhos estavam fechados e as mãos cuidadosamente posicionadas ao lado do corpo.

Tentei chorar. Tentei com todas as forças, mas minhas lágrimas não vinham. Era apenas a solidão.

E a ideia em minha mente. Eu já havia sido expulso. Perdera alguém que amava. Para mim, nada mais poderia ser tirado. A liberdade de nada me valia. E eu não o deixaria ali para ser enterrado após as palavras de um traidor. Não, isso eu não permitiria.

Peguei o corpo incrivelmente leve em meus braços e vesti a capa de invisibilidade. O tiraria dali.

O lago estava banhado pela lua prateada, tornando aquela uma das mais belas noites. Os lírios emolduravam a paisagem, criando um ambiente sutil. As damas-da-noite enchiam o ar com seu perfume e as cigarras com seu canto. Era a noite ideal.

Aproximei-me da água, tirando a capa de invisibilidade. E olhei para seu rosto uma última vez. Tão sereno. Ele descansaria em paz. Beijei-lhe a testa em um gesto de carinho.

- Vou sentir sua falta. – murmurei em seu ouvido, embora ele não fosse escutar-me.

E pus o corpo na água. Como esperava, ele boiou apenas por alguns segundos. E afundou na água que parecia feita de lantejoulas. Ao vê-lo mergulhar, minha primeira e única lágrima escapou, misturando-se ao lago.

E os lírios. Naquele momento, os lírios perderam seu brilho. As cigarras pararam de cantar. O cheiro das damas da noite não podia mais ser notado.

E as águas se tornaram negras.