Eu não sei bem como começar a redigir esse formulário de atribuição culposa que tem como objetivo a admissão de culpa de Na Jaemin perante os acontecimentos que se sucederam ao dia 22 de junho de 2022 e a aceitação de sua pena, mas tentarei ser cronológico e focar nas partes pertinentes ao enredo (independente do réu concordar ou não com o grau de importância atribuído aos eventos e caso o mesmo sinta interesse em discordar que o faça em sua casa ou redija seu próprio documento de refutação) de forma a elucidar todos os pontos e atribuir uma pena justa (já formulada e aguardando aprovação).

Primeiramente as apresentações. Meu nome é Lee Donghyuck e eu estudo na universidade de Seoul no curso de engenharia (trazendo dor e sofrimentos para seus estudantes desde mil novecentos e bolinha). O motivo pelo qual o citado curso foi escolhido é uma incógnita até mesmo para mim. Qualquer explicação que envolva o voluntário cumprimento desse curso por questões de realização pessoal e busca por felicidade genuína (e não financeira) são elucidações que se assemelham as teorias terraplanistas no quesito veracidade. Eu não gosto de física, muito menos matemática ou cálculos, o que sempre gostei foram os exercícios de raciocínio lógico. Embora seja cobrado certo domínio sobre o assunto nos cursos de exatas, descobri tarde demais que não se ergue prédio algum com tabela verdade. Porém, como nunca tive outro curso de interesse ou uma segunda opção, acabei me rendendo a pagar por cinco anos de exaustão física e emocional.

Tendo em vista então o meu curso e universidade, bem como uma breve apresentação sobre a forma com que tomo decisões na minha vida, posso agora enfim introduzir o primeiro cenário exposto para análise da nossa história. Vou iniciar trazendo um exemplo para melhor entendimento da dimensão do que será apresentado: sabe como você, querido leitor, pode odiar seu país, mas mesmo assim sempre vai vestir a camisa e torcer ao som de “sou brasileiro com muito orgulho e com muito amor” durante a copa do mundo? Esse era eu nos jogos da universidade. Não importava o quanto eu desconsiderava a significância do meu curso, ou desprezava a personalidade dos tolos humanos que se sujeitavam a ele, no campeonato universitário entre os cursos eu era engenharia pura, correndo e queimando em minhas veias. Eu era o cara que vestia a camiseta, os shorts, a bandana e se tivesse bandeira amarraria como uma capa para que a mesma voasse atrás de mim enquanto eu corria pelo campus desesperado para chegar a tempo do primeiro quarto.

Meu favorito eram os jogos de basquete e a engenharia era o melhor time nessa modalidade (Vozes, da minha cabeça. 2022). Após as últimas três vitórias havíamos nos tornado os favoritos para vencer o campeonato e pela primeira vez na vida eu estava orgulhoso do que escolhi fazer (embora não tivesse absolutamente nada haver com o curso em si). Assim como tudo que envolvia a minha vida universitária, eu também não era bom em basquete, diferente do meu amigo Chenle (que virá a ser citado futuramente – provavelmente), então eu era responsável por espernear nas arquibancadas músicas criadas por mim mesmo para desmerecer o outro time e humilhar o máximo de pessoas que eu conseguia com o meu potencial vocal. Eu havia me tornado famoso nos jogos por conta de um evento em específico que será relatado mais adiante e por conta disso agora existiam pessoas que entonavam as músicas comigo, me trazendo uma sensação de pertencimento e dever cumprido (sim, conquistas pessoais são partes pertinentes a toda e qualquer história).

Em vista dos devidos esclarecimentos supracitados, o primeiro cenário é o ginásio de basquete no dia em que conquistamos nossa terceira vitória seguida e o favoritismo da temporada. O evento em questão teve seu primeiro desenrolar no intervalo do primeiro para o segundo quarto (com “quarto” estou me referindo aos períodos de jogo, que no basquete são separados em quatro com tempo de duração de 10 minutos com seus devidos intervalos entre o término de um e início de outro), quando eu decidi sair rapidinho para comprar um dogão no espeto e quando retornei ao meu lugar ele já não mais me pertencia.

E aqui pontuarei o primeiro erro/traição de Na Jaemin suscetível a ação penal. Era uma tradição nossa assistirmos a todos os jogos juntos, mas naquele dia, por algum motivo que ainda não recebi uma explicação merecedora de atenção, ele estava atrasado e incomunicável, sendo impossível entrar em contato com o mesmo desde o início do dia. Por conta de sua imprudência e falta de comprometimento eu tive de ir ao jogo sozinho sendo assim não tive ninguém para guardar o meu lugar quando a necessidade fisiológica de comer um dogão surgiu, o que resultou em mim tendo que me enfiar em um assento vazio três fileiras atrás de onde estava e culminou no meu primeiro encontro com o até então sem nome, mas apelidado e referido no presente documento como bonitinho (uma vez que “evolução de homo sapiens sapiens” é muito comprido e inviável de repetição constante e o bonitinho será mencionado com devida frequência para a pertinente elucidação dos fatos).

Sendo um documento público eu gostaria de me poupar de certos constrangimentos e dizer que fui discreto e até mesmo demorei para notar a pessoa a qual sentei ao lado, mas isso impediria que fosse possível a compreensão da dimensão do gay panic que eu tive, e, portanto, a preservação da minha imagem foi descartada. A verdade foi que assim que me sentei eu fui incapaz de fazer outra coisa que não descaradamente encarar o sujeito de aparência transcendental que parecia ter recebido permissão divina para estar na terra naquele dia ao redor de meros mortais e acabou por cruzar o meu caminho. Ele deve ter sentido que algo estava errado – provavelmente soou um aviso interno de que a reserva de 70% de água que possuía em seu corpo estava secando por alguma razão externa (embora eu não tenha certeza se anjos possuem a mesma fisiologia que nós insignificantes humanos) e olhou em minha direção. Eu não desviei o olhar e nem ele, mas fui forçado a fazê-lo não muito depois quando os três garotos ao seu lado começaram a rir e apontar de forma inconveniente e tornaram a situação extremamente embaraçosa – o que sem dúvidas nenhuma só pode significar que eram os amigos do bonitinho (fica aqui registrado o nosso primeiro ponto em comum: tínhamos péssimos amigos que gostavam de nos submeter a situações constrangedoras.)

Com o primeiro contato estabelecido o novelo havia sido chutado e o que aconteceu a partir daí foi uma sequência de desdobramentos dignos de uma comédia romântica do Adam Sandler. Porém eu preciso fazer uma breve pausa na descrição deles porque se faz necessário uma pequena contextualização no que se refere a mim e a minha personalidade Veja bem, eu sempre fui a típica pessoa extrovertida e de fácil acesso, e segundo as palavras de Chenle (sim, aqui está ele de novo) eu era tão irrefreável que era capaz de fazer amizades até mesmo na fila do supermercado (não sei porque ele utilizou essa fila em questão para elucidar sua opinião quando havíamos nos tornado amigos na fila do banheiro e ela seria muito melhor utilizada como forma de ilustração). Sendo muito bom em me comunicar e completamente alheio a sensações como vergonha, constrangimento ou hesitação eu nunca tive dificuldades em flertar. Não que eu fosse bom, pelo contrário (Jaemin tinha um top 5 maiores gafes que eu cometi no quesito cantadas separadas por categoria. Existia as que aconteceram em festas, em eventos da faculdade, com colegas de classe, as do ensino médio e as da época em que eu não era assumido e flertava com garotas), mas isso nunca foi motivo para eu me intimidar ou recuar. Com essa informação em mãos, acredito que agora fique mais fácil de visualizar como não faz sentido o gay panic que eu sofri naquele momento.

O segundo tempo começou e eu tentei prestar atenção no jogo – Chenle estava em quadra e ele conseguia ser uma pessoa bastante cruel quando queria, o que aconteceria caso ele descobrisse que eu ignorei o jogo porque estava ocupado flertando. Então restou para eu rezar para qualquer deus que estivesse disposto a me escutar que ele nunca descobrisse que no fim não assisti absolutamente nada a partir daquele ponto em diante porque simplesmente não conseguia controlar a vontade de olhar para o lado o tempo todo com o total de zero discrição que me era característico. Eu não lembrava de um dia tê-lo visto pelos arredores do prédio embora ele estivesse do lado da torcida da engenharia, ou seja, existia a possibilidade de que ele fizesse o mesmo curso que o meu (mais tarde refutada), ou ele só gostava de torcer contra o curso de arquitetura.

Entramos agora então no parágrafo de apreciação ao bonitinho, caso deseje pulá-lo azar o seu. Usarei desse espaço para fazer uma citação a alguns fatos científicos para comprovar o meu ponto de vista. A sequencia de Fibonacci é uma sequencia de números proposta pelo italiano Leonardo de Pisa que, inicialmente, não passa de uma simples organização de numerais que seguem uma lógica matemática, porém, ela na verdade envolve uma das mais fascinantes descobertas da história que é a sua ligação com fenômenos da natureza. Essa sequência constitui uma proporção ideal, denominada de divina proporção, podendo ser observada na espiral de uma folha de bromélia, na casca de um caracol, nas obras de Michelangelo, Leonardo Da Vince e na cara do bonitinho. Sério, ele estava tão fofo com o cabelo em um topete mostrando a testa.

Minha atenção retornou momentaneamente ao jogo quando o time de arquitetura perdeu a bola e foi vaiada pela nossa torcida, de forma mais entusiasmada pelos amigos do bonitinho e quando espiei novamente ele estava sorrindo. Se fosse fisiologicamente possível, minha explicação é que meu coração parou de bater por um momento e quando retornou ele havia esquecido a forma saudável de fazer isso, que definitivamente não envolvia se arremessar tão rápido contra a minha caixa torácica a ponto de me causar dor física. Na necessidade de uma explicação mais plausível e correta eu diria que meu cérebro foi afogado em dopamina (lembrando que estudo engenharia e minha verdadeira área de conhecimento é a tabela verdade). O resumo era: pane no sistema alguém me desconfigurou (Pitty, 2003). E com um só sorriso eu me vi preso em uma armadilha divina (anjos possuíam poderes hipnotizadores? Nunca tinha ouvido falar sobre) e não importava mais o quanto seus amigos gritavam ou a torcida comemorava a cada cesta que acontecia no jogo, eu não conseguia mais desviar o olhar. E talvez por caridade ele decidiu retribuir (ou talvez para me pedir encarecidamente que eu parasse de o encarar como um louco) e meu corpo decidiu agir sozinho novamente – lembrando que meu cérebro ainda estava afogando em dopamina e não respondia mais aos meus comandos – e assim que nossos olhos se encontraram pela segunda vez naquele dia eu dei um giro de 180° no meu assento, virando o pescoço tão rápido que o estralo foi audível pela distância de umas três fileira e eu consegui sentir a sensação de queimação. Fazia tanto tempo que eu não sentia aquilo, a vergonha física que tatuava desde a base do meu pescoço até o topo da testa, que por um segundo eu considerei seriamente me arremessar debaixo dos bancos. Os amigos do bonitinho riram mais uma vez de mim.

Com o total de dois contatos diretos até então e uma taxa de aproveitamento de 0%, com 100% de humilhação garantida da minha parte eu me esforcei a prestar atenção na quadra durante o resto do segundo tempo. Sentado na maior inclinação que eu consegui na direção contrária ao meu objeto de afeição eu vim a cometer o que seria mais um erro naquele dia que contribuiria para o desenrolar da catástrofe que se seguiu adiante: num momento de desespero eu mandei mensagem para Jaemin. Várias. E eu talvez tenha utilizado palavras como “socorro” “por favor me ajuda” “eu invoco você satanás” “se você não vier me resgatar agora eu vou ser obrigado a me arrastar por que minhas pernas se transformaram em gelatina e eu não acho que consigo me manter em pé” e mais algumas ligações que no momento em questão foram todas ignoradas. Ressalto novamente um ponto importante: foi o meu primeiro gay panic e eu honestamente não sabia como reagir e precisei recorrer aos universitários – no caso singular “universitáriO” porque meu único outro amigo próximo estava em quadra jogando um jogo que eu não podia estar ligando menos naquele momento.

Sem respostas o fim do segundo tempo chegou e o último intervalo foi anunciado. Pude ver bem brevemente que estávamos vencendo com quase o dobro da pontuação (chupa arquitetura), mas logo o placar foi substituído por um dos eventos mais emocionantes de todas as partidas, a KissCam. A última grande conquista da KissCam (cujos alunos do último ano de audiovisual eram os responsáveis por coordenar) havia sido um beijo entre a professora de calculo II e o professor de analítica. E aqui eu utilizo desse espaço para dizer o quão orgulhoso eu sou de ser o responsável pelo vídeo que viralizou na internet mostrando o belo momento (e eu não poderia ligar menos para o fato da consequência disso ter sido uma questão extra exclusiva para mim na minha última prova que valia 30% da nota).

Com o anúncio da KissCam pela primeira vez desde o nosso primeiro contato eu pude esquecer sobre a obra bíblica que sentava ao meu lado e comecei a filmar o telão com o celular para o caso de captar mais um momento extraordinário como o supracitado. O primeiro casal foi da torcida de arquitetura, e embora não tenha dado para ver nada já que eles cobriram as laterais do rosto com a mão, o beijo rolou sem demora. O câmera ainda tentou pressionar por mais um beijinho e manteve o casal em foco, mas a moça já estava escondida atrás do namorado extremamente envergonhada enquanto este acenava (se me consta a palavra os achei muito fofos, porém o beijo foi desumilde). Sem resultado eles mudaram a tela e focaram em dois garotos. Gostaria desde já de pedir perdão pela estupidez, que assim como a culpa de Jaemin, ela não tem uma desculpa plausível. Recordo-me de pensar inclusive “uau, esse celular parece o meu” quando me vi no telão com o rosto tampado pelo aparelho. E foi nesse momento que um fenômeno chamado reinicialização aconteceu com o meu cérebro. Meu sistema nervoso inteiro entrou em colapso e a única forma de restaurar a ordem era realizar as atualizações de emergência. O problema é que eu não tinha uma placa SSD e quando eu olhei para ele existia somente uns 12% concluído. Quando ele retribuiu o olhar pela terceira vez no dia as chances de travarem e ser necessário reiniciar novamente eram de 50% e portanto, com metade de chance de dar errado, eu não fiz nada e a câmera mudou de foco.

Tudo a partir daqui vai soar clichê e irracional, mas de fato aconteceu. O mundo parou de girar. Não importa o que os estudiosos dizem sobre as consequências dessa ação (era glacial ou o inferno na terra) naquele momento o bonitinho usou seus poderes celestiais e parou o mundo para nós dois. Enquanto nos encarávamos eu genuinamente não conseguia ouvir mais nada à minha volta (talvez meu cérebro tenha deixado para reiniciar as funções mais periféricas no final e ainda não tinha se conectado a minha orelha interna, ou talvez Jaemin tenha razão e eu tenho uma ervilha no lugar do cérebro e por conta disso várias funções básicas me eram comprometidas). Ele desviou o olhar primeiro e eu pude ver que revirou os olhos quando se voltou para o telão. O mundo me deu o pão e a faca e eu havia jogado o pão fora e enfiado a faca no cu. Eu olhei a KissCam de novo e nesse ponto já não estava mais empolgado com ela. Eles passaram por dois casais e um par de amigos que foram vaiados por se beijarem na bochecha (desumilde demais) e então a faca foi retirada do meu cu e entregue em minha mão novamente. Nós estávamos mais uma vez no telão e os gritos da plateia ainda estão bem vívidos na minha memória (nesse ponto eu acho que estava em 25% e a função auditiva foi reestabelecida). Eu tentei raciocinar de forma mais rápida, mas dessa vez quem não colaborou foi o bonitinho. Eu lembro de suas orelhas incandescentes, mas ele não olhou em minha direção – ele tinha roubado a minha faca. Quando ele finalmente virou a câmera mudou novamente e todos vaiaram, inclusive eu (parte de mim nesse momento desejava que ele me empalasse com a faca roubada e acabasse com meu sofrimento e humilhação). Foi espontâneo a reação, eu juro, e na hora eu quase pedi desculpas, mas ele riu para mim e piscou antes de virar para a frente novamente. Assumirei mais uma vez o quão boiola isso me deixou para fins de comprovação do quanto ele é capaz de me afetar com tão pouco.

O carregamento nesse ponto estava em uns 80% e eu torcia pelo espírito da zueira que habitava na pessoa que coordenava a câmera que ela voltasse uma última vez e que por todos os santos existentes nesse mundo (eu precisava de toda a força dos irmãos do bonitinho) quando acontecesse eu já estivesse em 100% e conseguisse fazer algo, mas eles passaram por somente um casal e voltaram para nós e o máximo que consegui foi fazer menção de tomar uma atitude, um estender de braço parado na metade do caminho. E os 20% terminaram de carregar na força do ódio, quando o bonitinho me puxou pela nuca e me fez falar amém contra seus lábios. E naquele momento eu não liguei muito sobre as normas de conduta referentes a enfiar a língua na boca de outra pessoa durante uma transmissão em 4K para o ginásio todo. E se antes o mundo havia parado dessa vez ele girava tão rápido que eu fiquei tonto. Os poderes do bonitinho estavam sendo utilizados com zero responsabilidade. E se eu não pensei nas normas de conduta da terra, no céu elas não devem existir porque ele agarrou os meus cabelos na nuca de uma forma que caso eu tentasse me afastar perderia uns bons fios.

Eu não reuni informação sobre a duração da transmissão do beijo no telão porque agora que eu havia desbloqueado a função de sentir vergonha, só de pensar na possibilidade de ter passado todo o beijo ali eu sinto vontade de me jogar de uma ponte. O grande problema que levou a elaboração desse documento tem o seu epicentro nesse momento: quando o bonitinho morde o meu lábio na hora de finalizar o beijo e acaba por me fazer soltar um som constrangedor que ocasionou na sua gargalhada que por fim impediu que eu imediatamente perguntasse seu nome após o fim do beijo, ou tomasse qualquer ação referente a ele por que estava mortificado de vergonha e então o réu em questão deu o ar de sua graça bem nessa pequena abertura. Na Jaemin utilizando seu par único de neurônios apareceu para o que ele achava que era um resgate e me sequestrou. Com seus bracinhos desnutridos ele me colocou nos ombros e me arrastou para fora do ginásio sob calorosos protestos meus (se fosse possível eu frisaria duplamente esse detalhe) que acabaram por ser abafados pelo barulho no ginásio já que a torcida gritava alucinadamente. Naquele momento eu não sabia o porquê de os gritos terem tomado uma proporção tão grande, e parte de mim desejou nunca ter descoberto. Mas as notícias corriam e vídeos se tornavam virais em uma terra sem lei chamada internet onde narrativas duvidosas não tinham seus fatos verificados, e dessa forma me tornei a fofoca mais quente do campus.

Lee Donghyuck, o cara que traiu o namorado na KissCam e foi retirado por ele do ginásio aos gritos. As montagens circularam em todas as redes sociais, desde as minhas boiolagens pelo bonitinho durante as tentativas falhas da KissCam, o beijo e então Jaemin aparecendo e me arrastando de lá, deixando o bonitinho e seus amigos confusos.

O negócio é que quando uma fofoca desse nível se espalha, se a verdade não é tão interessante quanto, então ela não importa. Minhas alegações e explicações verbais sobre o que realmente aconteceu foram ignoradas e passado uma semana do acontecimento, a euforia diminuiu, mas a verdade continuou a ser desconsiderada. Eu me tornei o infiel número 1 do campus com o endossamento do meu grandissíssimo melhor amigo (uma porra que infelizmente fecundou). O crime mais hediondo de sua longa lista de acusações foi cometido quando ele achou engraçado toda a situação e decidiu que seria divertido alimentar o rumor, perdendo a completa noção do poder de uma fofoca, do perigo e o posto de melhor amigo. Desmentir tudo depois disso ficou ainda mais impossível uma vez que ele alimentou as chamas do discurso de pobre namorado traído. E para somar nos acontecimentos eu não encontrei mais com o bonitinho embora tenha me esforçado a procurar pelo campus e invadido todas as salas de engenharia em diferentes horários e dias para que as chances de desencontro fossem menores.

Com todas as informações apresentadas aqui, acredito que seja o suficiente para concluir que o réu é culpado por todas as acusações e para recuperar seu posto de melhor amigo deve se submeter a pena já discutida previamente e permitir a divulgação desse texto que elucida todos os acontecimentos de forma a esclarecer todos os maus entendidos causados pela estupidez do supracitado mais o upload de um vídeo endossando a veracidade do conteúdo tratado no presente documento, pedindo desculpas ao bonitinho e implorando para que ele dê uma chance a mim caso, obvio, tenha algum interesse de forma que essa humilhação em papel passado não tenha sido um ato vão.

— E aí, o que acha? – Perguntei a Jaemin, ansioso depois de assistir ele durante os últimos 50 minutos lendo o que eu considerava ser a resposta para todos os meus problemas.

— Eu acho que nunca li uma coisa tão ridícula na minha vida.

— Isso significa que vai fazer ou não? – Pouco me importava se ele achava ridículo. Jaemin achava que guardiões da galáxia era a melhor saga da Marvel então seus padrões não eram algo que eu queria alcançar de qualquer jeito.

Ele sorriu e me entregou o celular – A câmera do seu é uma bosta.

E assim filmamos diversos takes até que um me satisfizesse o suficiente para que fosse postado em todas as redes sociais do meu readmitido melhor amigo que devido aos recentes acontecimentos estavam bombando. O vídeo pedia para que acessassem a pasta no drive que foi disponibilizada em anexo na postagem e assim enfim a verdadeira história estava sendo espalhada. Eu permiti que fosse adicionados comentários no arquivo e em uma hora existia mais de mil. As pessoas opinavam sobre todos os parágrafos e começaram a se empenhar na busca pelo bonitinho, embora alguns ainda me xingassem e discordassem da veracidade do texto dizendo que Jaemin havia sido coagido a fazer o vídeo. Como se alguém conseguisse coagir o satanás em pessoa.

Nesse ritmo eu aguardei por qualquer informação que me desse o pouquinho que fosse de esperança, mas quanto mais as horas passavam, mais eu me via contestando a grandiosidade da minha ideia. Do momento em que a tive, até a postagem eu não havia deixado de considera-la brilhante por um segundo sequer, muito ansioso com a pequena probabilidade de dar certo e eu deixar de ser considerado um adúltero e de brinde ganhar um namorado de beleza questionável (era divina ou um humano abençoado pelas mãos gloriosas?). Agora parando para questionar as probabilidades eu finalmente percebi que a porcentagem dessa opção ser a resposta para o meu plano mirabolante eram muito baixas (eu sempre fui ruim calculando porcentagem, era o meu calcanhar de Aquiles – bem como função, derivadas e qualquer conta que envolvesse mais letras do alfabeto que não somente o meu velho e querido amigo x). Não precisava ser nenhum gênio com grande poder de dominação da matemática para saber que as chances dele me considerar uma pessoa lelé da cuca e se esforçar ainda mais para desaparecer do meu mapa eram muito maiores. Eu voluntariamente expus meus pensamentos em rede pública em um arquivo com mais de três mil palavras e no processo o expus também.

Quando uma semana se passou e as respostas ao post começaram a esfriar eu já tinha perdido as esperanças. Depois de chegar à conclusão de que talvez eu tenha ultrapassado um pouquinho os limites da privacidade de uma pessoa que eu não conhecia (embora se me pedisse em casamento hoje eu aceitaria sem titubear) comecei a torcer para que ninguém o encontrasse e assim suas informações permanecessem privadas. As teorias pipocaram aqui e ali e com as imagens em vídeo que existiam graças ao episódio da KissCam mais a curiosidade e ânsia de fofoca que eu tinha instigado em todos que acessaram aquele documento ele foi encontrado. Sim, encontrado, mas em momento algum ele veio ao meu encontro. Não existia mais a chance de ele não saber que eu estava o procurando, então a minha resposta foi um doloroso não. Ele não queria me conhecer e não tinha interesse algum de saber quem era a pessoa que ele havia beijado naquela KissCam, independente de agora os fatos terem sido esclarecidos e ele saber que eu não tinha um namorado.

— O que eu faço? Acho que eu delirei demais dessa vez! – Reclamei choramingando para Chenle que havia vindo comer comigo no meu dormitório uma vez que eu me recusava a estar presente em ambientes com alta densidade populacional (de pessoas com acesso a internet com potencial de julgamento superior a 50%) como o refeitório.

— Eu não tenho dúvida nenhuma disso, mas já se passaram duas semanas, você precisa superar. – Ele falava de boca cheia, enfiando garfada atrás de garfada na boca, otimizando o máximo do curto tempo que tínhamos já que o dormitório ficava consideravelmente longe e tínhamos que retornar para as aulas de tarde. – Eu não aguento mais ter que vir até aqui te fazer companhia no almoço porque você está com vergonha. O vídeo da KissCam foi você literalmente enfiando a língua na boca de um desconhecido e sendo acusado publicamente de traição e tu não faltou nem em aula optativa.

— Aquilo foi diferente.

Ele finalmente parou de comer e engoliu tudo para me encarar com o olhar mais debochado que seu rosto era capaz de produzir.

— Sim, aquilo foi muito mais humilhante. Sério, você é um poço de humilhação desde seu nascimento, você as coleta como moeda na shopee e no fim da sua vida você vai poder usar elas para barganhar por uma entrada no céu, então relaxa. Isso não foi nem de longe o seu pior momento.

Era nesses momentos que eu não conseguia decidir quem era um amigo mais filha da puta, ele ou Jaemin. Se me sobrasse moedas para levar mais um deles comigo para o céu eu as jogaria no lixo e enviara os dois diretamente para o inferno. E o evento que se seguiu só me confirmou isso. Jaemin surgiu diretamente do seu covil do mal e escancarou a minha porta com uma força tão exagerada que o barulho rompeu todas as barreiras de som (e do bom senso), me dando um susto tão grande que eu derrubei a minha comida no tapete do quarto enquanto xingava ele e a divindade que decidiu colocar aquele filho da puta na minha vida de todos os palavrões existentes no meu precário dicionário.

— Engole o choro, você precisa vir comigo agora! – Ele não deu tempo para eu negar com o entusiasmo que eu queria (ou de recolher os restos do meu almoço do chão) e me arrastou pelo braço porta a fora enquanto eu esperneava como o bom adulto que eu era pelo caminho todo com a certeza de que existia molho espalhado pelo meu rosto.

Jaemin me levou para praça em frente ao nosso prédio em tempo recorde e eu me larguei no gramado sem entender nada enquanto tentava recuperar o meu folego. Eu suava que nem uma porca no cio e expirava como um asmático quando na minha linha de visão o ser mais iluminado que já caminhou por essas terras apareceu e eu me vi extremamente tentado a abrir um buraco sob seus pés e me enterrar de vergonha.

— Eu achei o bonitinho! Ele estava andando pelo refeitório e quando fui interrogar o por que dele estar aqui quando ele te rejeitou de forma tão humilhante e pública que você estava se mantendo em cativeiro no próprio dormitório ele disse que tinha vindo te procurar, então como o bom melhor amigo que eu sou – Nessa parte ele olhou para o ser de luz, frisando seu antigo posto de melhor amigo (porque nesse ponto ele seria considerado no máximo um cadáver quando eu terminasse de assassiná-lo) – eu me voluntariei para ir busca-lo imediatamente. O nome dele é Renjun.

Jaemin parecia realmente acreditar que tinha feito um ato de bondade o que aumentava ainda mais minha vontade de utilizar meu réu primário. Eu encarei Renjun que tinha um sorriso lindo de quem claramente achava muita graça da situação, mas tentava ser discreto, ao contrário dos seus amigos que riam ao fundo junto de Chenle que nos seguiu. As pessoas em volta começaram a parar para olhar e eu podia ouvir os sussurros de empolgação de forma mais clara do que meus próprios pensamentos que tinham travado. Error 404 not found.

— Meu rosto está sujo de molho? – Foi a única coisa que eu consegui cuspir quando Renjun se agachou na minha frente para me ajudar a levantar, o sorriso ainda decorando seu rosto. Eu me apoiei em sua mão e me ergui do chão lamentando internamente o fato de que nenhum buraco havia sido aberto para me engolir.

— Só um pouquinho. – Ele sussurrou para então erguer o pulso e limpar o canto da minha boca com a sua blusa. – Sua mente reiniciou de novo? – Ele questionou divertido.

— Sim. E eu estou utilizando os meus 14% de atualização concluída para me manter em pé nesse momento. – Murmurei de volta. Eu me sentia patético, mas o fato de tê-lo feito rir com a minha completa falta de dignidade me deixou um pouquinho feliz.

— Será que um beijo aceleraria o processo mais uma vez ou só repõe 20% por vez? – Ele questionou se aproximando um pouco mais, seu nariz encostando no meu e enviando um choque elétrico para todas as minhas extremidades.

— Qualquer que seja a resposta com quatro beijos eu estarei novinho em folha. – Respondi apoiando meus braços em sua cintura de forma a me impedir de ficar balançando-os ao lado do meu corpo como a boa pessoa ansiosa que eu era.

— Se for de 20 em 20% com quatro beijos ainda sobre 6% sabe?

— Eu sou péssimo em cálculo. – Sussurrei uma vez mais.

— Eu sei.

E dito isso ele repetiu o ato do nosso primeiro beijo, e sob os aplausos de uma plateia enxerida, juntou nossas bocas com seus dedos firmes entrelaçados em meus fios com uma força um tanto desnecessária já que não existia nenhuma possibilidade de que eu iria me afastar de sua boca que não somente sob ameaça ou uso de força física.

Quando nos sentamos mais tarde para jantar e finalmente conversar a sós eu descobri uma quantidade grande de fatos interessantíssimos sobre Renjun. O primeiro era que ele me seguia no TikTok antes mesmo do meu primeiro vídeo viralizar e acompanhava os vídeos de dança que eu costumava postar por lá como um passatempo e sendo assim, quando nos vimos pela primeira vez, ele já sabia exatamente quem eu era. Eu era o crush dele da universidade (e eu posso ter dado ou não um gritinho quando recebi essa informação). O problema era que por conta disso ele já tinha me visto na companhia de Jaemin várias vezes e achava que namorávamos antes mesmo do boato se espalhar. Porém veio o jogo e a forma que eu agi deixou muitas coisas óbvias (como o fato de que eu estava de quatro por ele e se ele decidisse apagar um cigarro na minha coxa eu até mesmo agradeceria) e seus amigos o estimularam dizendo que eu definitivamente não tinha um namorado, porque pessoas com namorados não tinham reações como as minhas e isso resultou nele tomando a atitude em nosso beijo e o desenrolar disso todos sabemos. Renjun contou que ficou tão puto comigo que me bloqueou nas redes sociais bem como silenciou a menção do meu nome em seu feed e de seus amigos e por conta disso demorou tanto para ver as atualizações sobre meu esclarecimento público.

Ele só soube sobre tudo quando suas informações já haviam sido vazadas por uma menina de sua sala e chegou na mão de seus amigos que imediatamente usaram a oportunidade para se gabarem do quanto estavam certos sobre o fato de que eu não namorava e estava completamente na dele – um discurso completamente diferente do que utilizaram nos dias que se seguiram ao beijo e eles pediram diversas desculpas por terem se enganado e colocado o Renjun naquela posição (o que só mostra mais uma vez que nossos amigos eram realmente farinha do mesmo saco). Ele ainda demorou um dia para vir atrás de mim porque estava com vergonha (embora eu não tenho experimentado nenhum vestígio dela durante nosso segundo encontro/beijo público) e acabou que encontrou bem Na Jaemin para lhe ajudar quando sua busca por mim foi infrutífera e as pessoas estavam mais interessadas em repassar a fofoca do que realmente buscar informações sobre o meu paradeiro.

No fim do dia chegamos a um consenso (Renjun disse e eu fui obrigado a concordar para não o assustar) de que talvez casamento fosse uma decisão um pouco precipitada naquele momento e decidimos nos conhecer melhor. Renjun cursava Artes que era o prédio mais longe do meu que foi o que acabou contribuindo para a demora em chegarem até ele como a pessoa do vídeo. Por conta disso não conseguíamos nos encontrar com tanta frequência durante a semana e quando ele percebeu que isso me deixava triste decidiu compartilhar um outro segredinho comigo: o único motivo dele estar presente em um jogo tão longe do seu prédio e que não tinha absolutamente nada haver com seu curso e do qual ele não tinha interesse nenhum (Renjun não era muito chegado a esportes) foi porque ele queria me ver pessoalmente. Com isso eu nunca mais reclamei da distância posta entre nós e passei a apreciar cada esforço que fazíamos para nos ver (e eu nem fui atrás de checar tais fatos. Ele podia muito bem estar mentindo descaradamente para mim apenas para me fazer calar que eu somente agradeceria de ser enganado por ele). Foi muito fácil me apaixonar e isso não tinha ligação alguma com o efeito caótico que ele tinha em mim, mas sim porque sua personalidade era a mais encantadora do mundo e não amá-lo seria uma tarefa árdua demais. Aos poucos fui conhecendo mais sobre seus gostos, manias, amigos e então enfim sua família e nesse ponto ele já estava tão atrelado a minha vida que eu não sabia mais como ela era antes dele.

And this kids is how I met your father.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.