O velho galpão onde eles costumavam ensaiar na adolescência parecia mais abandonado do que nunca. Totalmente mergulhado nas trevas, ele agora servia de ninho para as aranhas tecerem suas teias e o chão se encontrava coberto por uma grossa camada de sujeira que foi se acumulando durante anos. Nos cantos ainda havia alguns instrumentos quebrados e, apesar da escuridão, aquele lugar ainda trazia muitas recordações de um passado alegre e barulhento. Tão barulhento que os vizinhos quase sempre reclamavam.


Chuck ligou uma lanterna que havia trazido no caso de precisarem e eles ficaram um tempo examinando o lugar para terem certeza de que poderiam fazer a festa ali.


–Se a gente quiser mesmo fazer aqui vamos ter muito trabalho pela frente. - disse Jeff.


–Então eu acho melhor começarmos logo. - disse Seb.


Eles começaram uma longa e cansativa faxina. Tiraram todas as teias de aranha, jogaram fora coisas que não serviam mais e limparam o chão como puderam. Depois disso, o lugar já estava com uma aparência melhor, mas ainda faltava muita coisa. Pierre ficou de passar no shopping mais tarde para comprar as coisas e eles foram descansar.

***

–Olha só pra minha menina! Uma advogada!


–Mãe, eu não sou mais menina!


–Nós estamos muito orgulhosos de você, filha! - disse o pai de Peggy.


–E eu estava morrendo de saudades de vocês! - ela respondeu e os três se abraçaram, carinhosamente.


–Seu irmão ficaria feliz por você...


–Eu sei... mas... agora quero que conheçam Belinda, minha amiga que eu disse que vinha morar aqui para terminar os estudos.


–Ah, sim... seja bem-vinda Belinda! Espero que goste da casa e de nós.


–Ah, claro, eu vou gostar sim! - disse ela gentilmente - e podem me chamar de Bel.


Os quatro ficaram um tempão conversando sobre Nova York, sobre o Canadá, os planos das moças, o escritório de advocacia de Peggy, e mais um monte de coisas. A conversa estava tão animada que eles perderam a noção do tempo. Quando deram por si, já estava de noite e Margareth, mãe de Peggy, tinha se esquecido completamente do jantar.



–Não precisa se preocupar, mãe... eu posso sair de carro e comprar alguma coisa para a gente comer.

–Oh, como eu pude me esquecer? Não sei o que acontece comigo!


–Você só estava querendo matar as saudades da sua filha! Agora você e meu pai podem ir mostrar a casa para a Bel e onde ela vai dormir. Enquanto isso, eu cuido do jantar, ok?


–Ok! Que bom que você esta aqui, filha! Nem sei o que faria sem você!


Peggy saiu da casa sorrindo para a mãe. Pegou o carro e saiu para comprar alguma coisa para eles comerem. O trânsito estava horrível, pois aquela era a hora que as pessoas costumavam sair do trabalho para voltarem para casa. Logo ela percebeu que se ficasse ali naquele trânsito, no mínimo o jantar sairia à meia-noite e como estavam todos famintos, não daria para esperar isso tudo.


Por sorte, Peggy se lembrou que havia um shopping ali por perto e resolveu ir comprar lá mesmo. Quando chegou, procurou uma vaga para estacionar o carro e entrou. Mas ela estava com tanta pressa que quase chegava a correr para que pudesse chegar logo à praça de alimentação.


Com toda essa pressa, ela nem se deu conta de que alguém andava pelo seu lado oposto cheio de sacolas que obstruíam uma parte da sua visão. Não podia ter sido diferente: Os dois deram um belo encontrão e caíram ao chão. As sacolas voaram no ar e quando caíram, os seus conteúdos se espalharam pelo chão lustroso do shopping.


–Me desculpe... me desculpe! Como eu sou desastrada! - disse Peggy, atrapalhada.

–Não, não tem problema! Eu também fui muito idiota de não olhar por onde andava. - falou o das sacolas.


–Mas mesmo assim, me desculpe... eu... eu... - Peggy ficou sem saber o que falar quando se deu conta de quem se tratava o sujeito.


–Peggy?


–Pierre!?


–Nossa, é você mesma!


–Quanto tempo, hein?


–É... faz tempo mesmo! Você está diferente!

–E você não mudou nada...


Eles sorriram um para o outro e ficaram um tempo sem saber o que falar. Então, Peggy finalmente disse:


–Eu... estou com um pouco de pressa agora...


–Hum... então... tá...


–Eu preciso ir... foi bom reencontrar você!


–Eu também... gostei muito de te ver...


–Tchau então!


–Tchau!


Pierre ficou vendo Peggy se afastar. Estava com as idéias confusas. Não esperava encontra-la ali. Mas sabia que não podia deixa-la ir assim.


–Hã... Peggy, espera! - ele gritou.


Ela se virou para ele e esperou.


–É que... vai ter uma festa para reuniro pessoal lá do colégio e você pode se considerar convidada.

–Ah... Pierre, eu... não acho uma boa idéia eu ir nessa festa. Você sabe...


–Mas a festa é para a gente reunir de novo os ex-colegas de classe e se você não for... bem, vai ficar faltando alguém.


–Pierre, é sério, ninguém vai nem reparar na minha ausência...

Ele queria convencê-la a ir de qualquer forma. Não sabia bem o porquê, mas sentia que precisava de Peggy naquela festa.

–Olha, as outras pessoas podem não reparar na sua ausência, mas eu vou... por favor, você tem que ir!


–Eu até iria, mas você sabe... eu não quero ter que passar por tudo isso de novo. Eu sei que se for, todos vão fazer de tudo para me humilhar e eu também não quero ir há um lugar onde eu não seja bem-vinda.


–Sabe, você tem razão... é, eu pensei que você tivesse mudado, mas eu me enganei. Você continua a mesma garotinha insegura que prefere fugir e se esconder a ter que enfrentar as pessoas. Desculpe, convidar você foi mesmo um erro.

Agora foi a vez de Pierre se virar e começar a se afastar. Mas Peggy o chamou de volta.


–Espera, Pierre!


Ele voltou, sério.


–Você tem razão, eu não posso mais fugir das pessoas...


–Isso quer dizer que você vai?


–Posso levar uma amiga?


–É claro!


–Está bem, eu irei! - ela disse por fim, com um suspiro.


–Ótimo! Nos vemos lá, então. - ele sorriu para ela e começou a se afastar novamente.


–Pierre?


Ele se virou novamente.


–Obrigada! - ela lhe devolveu um sorriso encantador.


Eles ficaram se olhando por um tempo, até que deram as costas um para o outro e foram se afastando, gradualmente.

***

–O que foi Pierre? Você voltou estranho do shopping! - Quis saber Jeff, preocupado com o amigo.


–Hã, é que eu... convidei a Peggy para a festa.


–VOCÊ O QUE? - gritou Chuck, do outro lado da sala.


Ele largou a bateria e foi correndo até Pierre, encarando-o.


–Não acredito que você fez isso!!!


–Encontrei ela no shopping... você sabe que eu não concordava com isso!


–Você é um idiota! Ela vai estragar tudo!


–Você não pode falar assim comigo, Chuck!


David, que tinha escutado toda a discussão, interveio:


–Vocês dois querem parar com isso? Não vamos começar uma briga aqui por um motivo estúpido desses, ok?


Pierre e Chuck continuaram a se encarar, com raiva. Pierre tinha as sobrancelhas franzidas e a cara fechada. Os lábios de Chuck tremiam. Ele parecia estar prestes a explodir. Mas então sua expressão suavizou e ele disse, por fim:


–Está bem!... não tem mais como voltar atrás mesmo...