–Onde está Peggy?

Bel, que estava distraída com a festa e com David, notou a ausência da amiga em dado momento, indo perguntar para Pierre.

–Disse que precisava de ar e foi lá pra fora – respondeu Pierre, com voz cansada.

–Mas ela está passando mal? - desesperou-se ela. - Por que você não foi com ela?

–Não! É que… nós meio que discutimos e ela me proibiu de ir atrás dela…

–Sempre tão teimosa – suspirou Bel. - Mas acho que você devia ir atrás assim mesmo, afinal ela está esperando um filho seu!

–Tenho medo de as coisas ficarem piores do que já estão.

–Bobagem. Peggy não admite, mas ainda gosta de você. Continue insistindo, uma hora ou outra aquele coraçãozinho de gelo acaba derretendo – finalizou com uma piscadela, indo novamente se juntar à massa animada de convidados.

Pierre riu para a garota, divertindo-se por um instante. Então voltou a ficar sério, pensando no que Bel havia lhe dito. Peggy tinha um temperamento difícil e não iria lhe perdoar tão facilmente. Mas, por outro lado, o filho lhe dava algumas brechas. Além do mais, ela realmente poderia estar passando mal, quem iria saber? Peggy era durona, não gostava de demonstrar fraqueza, e aquele ambiente todo agitado poderia ter afetado seu organismo de alguma forma.

Preocupado, ele resolveu seguir o conselho de Bel e caminhou até a porta, alcançando o lado de fora da casa. Ele olhou para os dois lados, sentindo a brisa fria da madrugada lhe acariciar a face. Ao voltar os olhos em direção à praça, viu o balanço vazio, oscilando suavemente. Achou que talvez ela estivesse lá. Mas não viu nada. Devia ser só a brisa…

Antes que pudesse voltar o olhar, porém, sua visão periférica captou um estranho movimento em um veículo do outro lado da rua.

–O que…? - chocou-se ele, ao se dar conta que Chuck acabava de fechar a porta do passageiro, com Peggy desacordada em seu interior.

Tremendo de raiva e desespero, saiu correndo em direção do seu próprio carro, levando uma das mãos ao bolso e sacando o molho de chaves. Chuck já ligava o motor e não daria tempo de chegar até ele a pé.

–Mas o que esse desgraçado está fazendo? - bufou ele ao atirar-se pra dentro do carro.

Pisou fundo no acelerador ao ligar a ignição, fazendo o motor roncar, e saiu cantando pneus ao encalço de Chuck. Não sabia como, mas tinha que resgatar Peggy.

***

Chuck corria em alta velocidade pela autopista, tentando se afastar de Pierre, que vinha logo atrás. A rua estava deserta e ele fazia manobras perigosas, zigue-zagueando com o carro e fazendo curvas fechadas. Mas Pierre continuava sempre lá.

–Merda! - xingou ele, após uma nova curva. Pierre não dava mostras de que iria desistir.

Tombada no banco ao seu lado, Peggy começou a se mexer lentamente. O efeito do clorofórmio estava ficando fraco e logo ela despertaria. Chuck se certificou de que as travas estavam acionadas e os vidros fechados. Só precisava de mais alguns quilômetros para deixar a cidade para trás.

Ela ergueu a cabeça devagar, ainda tonta. O penteado que fizera para o casamento havia se desfeito e os cabelos lhe cobriam a face. Levou algum tempo até que recobrasse os sentidos e os tirasse do rosto, levando-os atrás da orelha. Ofegante, olhou da estrada à sua frente para Chuck, que dirigia como louco.

–Pra onde está me levando? Pra que tudo isso, Chuck? - disse, o desespero tomando conta do seu corpo.

–Pra longe de tudo e todos. Vou fazê-la me amar como eu te amo!

–Mas isso é loucura, você não vê? Ninguém pode obrigar ninguém a amar… - tentou argumentar.

–Não importa o que pense, seu destino está atado ao meu. Se você não for minha, não vai ser de mais ninguém!

–Chuck, por favor! Eu estou esperando um filho, se você realmente me ama como diz amar…

–Um filho dele! - gritou Chuck. - O idiota está nos seguindo, mas pode acreditar, eu vou nos livrar dele! E você não vai ficar nem com esse filho, e nem com Pierre!

Peggy olhou para trás, comprovando que Pierre realmente os estava seguindo. Involuntariamente, as lágrimas começaram a descer pelo seu rosto. Em seu interior, rezou para que ele conseguisse abordar Chuck de alguma forma.

–Eu e Pierre nem estamos mais juntos, isso não faz sentido! Por favor… Me deixe descer… Ninguém precisa se machucar…

–Não tente me enrolar. Acha que não vi como se olhavam no shopping?

Peggy o olhou, chocada.

–Então você estava mesmo lá! Eu achei que tinha te visto, mas forcei meu cérebro a pensar que estava imaginando coisas. Você esteve me seguindo esse tempo todo… - era uma constatação, não uma pergunta.

–Eu te amo, Peggy! Você não podia ter feito isso comigo! Era comigo que tinha que ficar, não com ele!

–Você é louco! Louco e psicopata.

–Eu já tinha tudo planejado. Depois de afastar Pierre de você, iria fazê-la me amar. Com o tempo, você ia entender que tudo o que fiz foi por amor. Então iria perceber que deveria ter ficado comigo desde o início, mas agora tudo mudou… Tudo por culpa dessa coisa que está crescendo na sua barriga! - disse, olhando para sua barriga com ódio.

–Ele não tem culpa de nada, é só um bebê! - desesperou-se ela, não conseguindo mais segurar as lágrimas. - Por favor, deixe-o viver! Eu faço tudo que você quiser, apenas deixe-o vivo!

O carro fez uma curva íngreme à esquerda, os jogando em seu interior. Peggy protegeu a barriga com as mãos. Ninguém usava cinto.

–Não! - afirmou Chuck. - Já está decidido, vou tirá-lo de você.

–Então terá que me matar também! - gritou. - Que espécie de amor é esse que mata a pessoa amada?

–Da espécie mais pura que existe. E se tiver que morrer, eu morrerei junto. Então nosso destino estará selado.

–Que romântico! - ironizou ela em seu desespero.

Pierre avançava por trás, e em uma nova curva, encostou seu carro no de Chuck.

–Desgraçado – praguejou Chuck entre dentes.

Ele pisou fundo no acelerador, afastando-se novamente de Pierre. Aproveitando-se da situação, Peggy forçou a porta, tentando abri-la de qualquer jeito.

–Pare o carro, Chuck! Eu não quero morrer! - gritou ela.

–Você não vai escapar!

Pierre conseguiu emparelhar seu carro ao dele, quase fechando-o na estrada.

–Encoste! - gritava ele, com os vidros abaixados. - Eu chamei a polícia!

–Está blefando! - gritou Chuck de volta.

Em uma medida extrema, Peggy agarrou o volante do carro, virando-o com força. Para não capotar, Chuck foi obrigado a frear. Enquanto o veículo girava e Chuck tentava estabilizá-lo, ela passou a mão por baixo, destravando as trancas.

–Não! - gritou ele, enquanto via Peggy abrir a porta e projetar-se para fora.

Esticou o braço, tentando alcançá-la, mas por milímetros seus dedos não chegaram até ela. Então pisou no freio com tudo, saltando do carro imediatamente.

–O que você fez?

Peggy havia rolado da pista para a grama no acostamento e estava agachada, tentando se levantar. Ela voltou o rosto para ele, o pânico estampado na face.

–Fique longe dela! - disse a voz inquisidora de Pierre.

–Não! É você quem vai ficar longe! - retrucou ele, tirando uma faca do bolso da jaqueta e ameaçando Pierre com ela.

Peggy gemeu, arrastando seu corpo a uma distância segura. Com o impacto, começara a sentir dores na região do ventre. Pierre lançou um olhar de preocupação a ela, em seguida voltando seu olhar para Chuck.

–Pra que tudo isso, Chuck? Seu problema é comigo, deixe-a em paz – tentou barganhar.

Chuck lançou sua gargalhada sinistra.

–Você realmente nunca percebeu, não é? Sua burrice é tanta, Pierre, que eu teria pena se não o desprezasse tanto! - foi dizendo ele, enquanto se aproximava com a faca em riste.

–Que loucura é essa? Do que está falando? - Pierre olhava de Chuck para Peggy, tentando absorver toda aquela situação.

Com as mãos na barriga, Peggy gemia sentada à grama molhada pelo orvalho. As dores estavam se intensificando e ela não sabia até quando mais poderia aguentar.

–Você nunca mereceu o amor dela! - discursava Chuck em seu ódio doentio. - Tão prepotente e egoísta que nunca enxergou os sentimentos dela! Dava pra ver no rosto, e você sequer notava! Mesmo assim ela te quis e você, mergulhado em sua vaidade e se deixando manipular, sempre desconfiou do amor que ela lhe depositava. Eu a teria feito feliz! Se você não tivesse aparecido, era comigo que ela ia ficar!

Pierre o escutava, em choque.

–Esteve apaixonado por Peggy por todo esse tempo?

–Sempre! - disse ele, de olhos vidrados. O músculo de sua pálpebra inferior tremia, o que lhe denotava um ar sinistro de insanidade.

Sem tirar os olhos dele, Pierre deu um passo à frente, agarrando com força o braço que segurava a faca. Chuck forçou-a contra ele, tentando desferir-lhe um golpe, porém Pierre era mais forte. Com uma chave de braço, obrigou-o a largar a faca. Chuck então projetou o braço para trás, conseguindo se desvencilhar de Pierre e os dois iniciaram uma luta corporal.

–Pierre! - gritava Peggy do chão, sem poder fazer nada.

Pierre passou uma rasteira em Chuck e conseguiu derrubá-lo, debruçando-se sobre ele.

–Nunca mais chegue perto dela! - ordenou, fechando o punho e acertando-o em cheio com um soco que lhe partiu os lábios, fazendo-o sangrar.

Sem poder se levantar, Chuck passou a mão pela grama, roçando no cabo da faca durante o processo. Sem perder tempo, agarrou-a, investindo contra Pierre. Ele, por sua vez, dobrou-se de dor ao ser atingido no braço, soltando um urro gutural.

Chuck aproveitou-se pra empurrá-lo longe e se levantar novamente. Porém, antes que pudesse feri-lo novamente, as sirenes de viaturas policiais fizeram-se ouvir. Ele tinha chamado a polícia, afinal.

–Você não vai escapar! - disse Pierre, ignorando o ferimento do braço e indo atrás dele.

–Pierre… Deixe-o ir… - Peggy chorava desconsolada, esticando o braço para ele. - Acho que estou perdendo o bebê…

Pierre viu-o abrir a porta do carro. A vontade de pegá-lo era enorme, mas Peggy e o filho eram mais importantes. Então virou-se, correndo até ela.

–Peggy? - chamou ele, segurando-a em seus braços e sujando-a de sangue no processo.

–Eu não quero morrer, Pierre… - dizia ela em um fio de voz torturado. - Por favor…

Uma última lágrima desceu pelo seu rosto, e ela perdeu a consciência…

–Não. NÃO! - gritou Pierre para os céus, o eco do desespero de sua voz perdendo-se na escuridão vazia.

Na estrada, as viaturas corriam ao encalço de Chuck, que já quase se perdia pela noite afora…