Homem de Palavra

Capitulo Único


Kyoko desviou o olhar do chão para o seu manager temporário. Yashiro lhe sorria de modo tão calmo e confiante que cerrou o punho fortemente, as unhas grandes machucando sua palma. Ele confiava nela, tinha que fazer algo, não importava o que.

Virou o rosto e encarou o produtor novamente. Ele fitava as outras duas garotas cujos ombros tocara momentos antes, elas continuavam a reclamar sobre sua decisão de expulsá-las da audição. Seu olhar era de mais puro escárnio.

Eu não sou de voltar atrás — Enfiou a mão no bolso da calça social preta e pegou um celular — Se não quiserem que eu chame os seguranças, é melhor se retirarem — Sua voz era grossa e cheia de desdém.

As garotas abriram suas bocas e se entreolharam assustadas — pareciam se conhecer. Mas logo o medo deu lugar à raiva, humilhação. Então bateram os pés no chão e saíram da sala de espera sem ao menos olhar para o produtor. Kyoko, ao contrário, não moveu um músculo sequer.

Sabendo que continuava ali o homem pressionou alguma tecla e levou o celular à orelha, encarando-a em seguida. Assim que o fez, Kyoko sentiu suas pernas bambearem. Solidão. Tudo o que via nele era solidão. Seus olhos tão frios quanto o gelo pareciam atravessar seu corpo e plantar dúvidas sobre si mesma em sua mente.

Mas não era fraca, estava longe de ser. Não se permitia desistir ou sair sem mostrar do que era capaz, iria conseguir esse papel a qualquer custo. Respirou fundo e retribuiu o olhar, mas dessa vez não era mais Mogami Kyoko.

Apesar de não demonstrar, o produtor se desconcertou. Tanto que até não ouviu o "Alô" de algum segurança do outro lado da linha. Não tinha dúvida alguma que a garota a sua frente era a própria Momiji. Mesmo com a enorme diferença de altura, e provavelmente força, a pequena lhe desafiava com um olhar feroz, como se o chamasse para uma luta.

Nesse momento o mais velho esqueceu-se dos cabelos inadequadamente dourados e só conseguia imaginá-la segurando duas *katanas, uma névoa de mistério rodeando seu corpo delgado.

Saiu do pequeno transe quando ela, de repente, ajoelhou-se elegantemente à sua frente com as pequenas palmas sobre o chão, do mesmo modo que as pessoas faziam antigamente. O produtor imaginou que ela estaria se desculpando pelo erro cometido com o cabelo. Era admirável a velocidade com que ela incorporava as características da personagem à realidade.

Kyoko demorou uns segundos antes de sair da posição de *dogeza e, ao voltar a pôr os olhos sobre o homem, não acreditou no que viu. Suas sobrancelhas ainda estavam caídas em desdenho, mas seus finos lábios estavam levemente curvados em um sorriso sombrio. Sinceramente, não sabia se isso era algo bom ou ruim.

Foi então que ele pôs o celular de volta no bolso e avançou até ela, o ressoar do sapato social sobre o piso quebrou o completo silêncio do cômodo. O coração de Kyoko se apertou em desespero. O que ele vai fazer?

O produtor parou à sua frente — estavam tão perto que conseguia sentir o cheiro de perfume caro e masculino — e a diferença de altura se tornou ainda mais evidente. Kyoko sabia que queria intimidá-la para que errasse na atuação. Mas ele não iria conseguir, não dessa vez, já havia enfrentado coisas piores.

Então de repente ele estendeu uma grande mão para tocar-lhe o rosto, mas o parou elegantemente ao esticar a própria em sua direção. Estava chocado, ela o respondeu exatamente da forma como imaginara que Momiji o faria: Contornou a situação demonstrando lealdade total ao Shizuma ao evitar a aproximação de qualquer outro homem, tudo com a elegância e calma de uma dama de época e a selvageria de um animal refletida nos olhos.

Tomou a mão estendida e, entrando em sua atuação, se abaixou a sua altura e beijou sua mão, gesto muito usual eras atrás. Sua pele era macia e quente. Notou que o manager da garota se movimentou ao lado deles e riu sarcástico por dentro. Isso vai ser divertido. Largou a pequena mão e virou-se — Quero todas no set B9 — anunciou e, como se nada tivesse acontecido, atravessou o cômodo e foi embora.

Mas, antes de cruzar a soleira da porta, não pôde evitar de pensar no brilho dos olhos cor de ouro derretido — o completo oposto dos seus, opaco. Em toda sua carreira nunca tinha visto essa cor de olhos ou tamanho talento, não em alguém tão jovem. E algo lhe dizia que ainda havia muito mais para ver sobre essa garota de aparência comum e rosto ingênuo.

Sim, ele nunca voltava atrás, mas deixaria essa passar.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.