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(It's not just where you make your bed)


O importante não é a casa onde moramos.

Mas onde, em nós, a casa mora.

(Mia Couto)

Finíssimas gotas de suor escorriam feito corrente de rio pelas linhas da vida nas palmas das mãos de Asami. A tradução era só uma: preocupação. Atenta ao detalhe, pousou as mãos no tecido do pijama, afim de secá-las. Korra não precisava de mais um motivo para se sentir mal. Sato gostaria de poder explicar melhor para a namorada que o sentimento era espontâneo e genuíno e que não necessariamente lhe abalava o humor, apenas sinalizava o óbvio: que a amava. E o amor era, entre tantas coisas, pensar-muito-no-outro e querer-bem de um jeito que era difícil de verbalizar.

Sentado há meio braço de distância, o silêncio de Mako gritava o mesmo. Eles trocaram olhares solidários por um longo segundo. Ele chegou a ensaiar um meio sorriso, algo para dizer que tudo ia ficar bem. Ela devolveu, não por educação, mas porque acreditava mesmo nele. E em uma cumplicidade muda, os dois desviaram o olhar quase ao mesmo tempo para a porta fechada, logo após o corredor. Como um cão de guarda, Naga tinha rondado o local por muito tempo na expectativa de que a porta se abrisse. Por fim, havia desistido e agora tirava um cochilo encostada no batente.

Era reconfortante olhar para aquele bicho imenso de pelagem clara e respiração ruidosa. Também era reconfortante olhar para a sala e notar padrões de personalidade dos três. Desde os detalhes em azul sugeridos por Korra e a bandeira da Tribo da Água pendendo no portal, passando pela coleção de quadrinhos do super-herói detetive que Mako gostava até as miniaturas decorativas que eram réplicas dos automóveis vendidos pela empresa do pai de Asami ao longo dos anos. Mais do que isso, era reconfortante pensar no poder do tempo e na história que cada objeto decorativo tinha. Isso se estendia por todos os cômodos, inclusive aquele por trás da porta por ora trancada que se tratava do quarto que dividiam.

Naquele momento, Korra provavelmente estaria deitada olhando para o teto, a cabeça em profusão de sentimentos conflitantes como culpa, responsabilidade, raiva, cansaço, a difícil e quase invisível linha entre ser uma pessoa e ser o avatar a impedindo de respirar direito, meditar ou simplesmente dormir. Naquele momento, Asami tinha certeza, sua namorada não tinha como lembrar de que o tempo acertava tudo. E o mais difícil era recordar a si mesma de que levava tempo para que o tempo operasse o milagre dessa lembrança em cada um.

— Acho que nós deveríamos começar. – Asami decidiu, por fim, após reafirmar mentalmente a importância de dar espaço. Mako não precisava ser o detetive que de fato era para seguir o pensamento dela: Korra não sairia do quarto por enquanto e não ia gostar que eles tivessem perdido o “dia do cinema” por causa dela, ainda que nenhum dos dois estivesse tão interessado assim em assistir coisas sem a sua presença. O dia do cinema era um dia sagrado, porque era o dia que os três geralmente estavam de folga (excluídos os momentos que Korra precisava salvar o mundo e tudo mais). Naquele em especial eles iriam reassistir o primeiro filme de Bolin e gargalhar muito da cara do irmão mais novo de Mako que estava em viagem de lua de mel com Opal.

— Ok. – Mako cedeu sem apresentar resistência. Ligou o televisor e voltou para segurar a mão dela. Asami gostava como a presença dele tinha um efeito calmante. Havia algo de poderoso no modo firme e soturno de quem estava disposto a permanecer. Ela agradeceu internamente por isso e eles assistiram ao filme. Não riram como teriam feito em outra ocasião, mas se distraíram, como era previsto, apesar do coração em Korra. A avatar estava passando por um momento difícil. Não difícil como aquele pós-Zaheer, mas o suficiente para que ela precisasse de tempos sozinha e reclusa. Asami e Mako entendiam e se esforçavam para que o anseio de vê-la melhor nunca extrapolasse o respeito pelo espaço que ela precisava.

Era curioso como era sempre uma dança com cada um deles. Humores, amores. Tempo. Nem sempre dava para acertar todos os compassos, mas a sinfonia, mesmo quando caótica, era linda. A certeza de estar compondo-a a seis mãos, mais ainda. Era o sossego no meio do furacão que de vez em quando se tornava a rotina deles. Asami cochilou em algum momento que não soube dizer. Já alguns dias não conseguia descansar direito sabendo que Korra também não descansava. Acordou quando a namorada já estava na sala, aninhada em silêncio com Mako, mas trilhando um carinho no braço de Sato com o braço livre.

- Ei. – ela murmurou meio grogue, o coração contente como sempre ficava quando eles três estavam juntos. Uma sensação muito real de que estava vivendo a vida que queria viver.

— Ei. – Korra respondeu e experimentou um sorriso parcialmente sincero. – Você perdeu a melhor parte.

— Ela quer dizer os créditos finais. – Mako complementou e eles riram.

— Tudo bem. – Asami esfregou os olhos, aconchegando-se mais perto do corpo quente de Korra. Ela sabia, pela postura corporal da outra, que as coisas ainda não estavam bem. Talvez demorasse um tempo até que ficassem. Asami suspendeu a respiração por um segundo, lembrando de todas as vezes que isso havia acontecido. Com eles mesmos: toda aquela bagunça de triângulo amoroso, Mako sendo horrível em diálogos e expressão de sentimentos, depois ela e Korra e então o plot twist de trisal, uma coisa que havia chocado dez em cada dez familiares/amigos. Eles tinham passado por tanta coisa para chegar naquele abraço. Em conjunto e individualmente. E a verdade é que sempre haveria alguma coisa no caminho, mas enquanto ficar junto significasse de algum modo ninho, Asami sabia que a vida se ajeitava.

E também sabia que eles sabiam.

No fim, era tudo o que importava: era isso que significava ter uma casa.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.