Hogwarts: uma outra história

Capítulo 123. O lado sombrio da beleza


Capítulo 123. O lado sombrio da beleza

Tive uma ótima noite de sono ninado por músicas saídas diretamente de uma rádio indiana que eu conectei com a internet maravilhosa e rápida de Beauxbatons. Eu não entendo uma palavra de hindi, mas o jeito como eles falam como se tudo fosse um gemido só me acalma, então...

Anotei no meu bloquinho de notas:
Coisas que quero na Hogwarts do amanhã: internet rápida e gratuita.

Vesti meu uniforme número dois, porque gosto de coisas cinzas, fiquei muito gato de colete - melhor do que aqueles de lã que tem em Hogwarts e só os nerds gostam - coloquei o sobretudo sem a capa curta e joguei o chapéu coco ou quase isso no fundo do malão.

Dei uma última olhada no visual completo antes de ir para o restaurante estudantil. Sim, os franceses tem um restaurante de verdade, com duas opções de refeições: as básicas, servidas nos buffets para os apressadinhos e as sob pedido, para os mais refinados.

Dei uma olhada nos balcões quentes e frios na lateral do espaço cheio de mesinhas redondas de ferro fundido e optei por pegar uma daquelas cartas de opções e selecionar o que eu ia comer no menu do dia mesmo. Sentei na mesa de café parisiense de Louise, Juliet e Heidi, que haviam caído no mesmo quarto e eram as caras mais conhecidas por ali.

Juliet olhou por cima do seu periódico com pouco interesse, molhando um pedaço de crepe no recheio que poderia ser de chocolate ou creme de avelã, antes do garfo sumir por trás da grande revista Bruxandade moderna. Heidi aceitou meu cumprimento e Louise apenas me olhou desconfiada.

— Onde está o seu chapéu? - Ela apontou para a própria cabeça. Olha, as três pareciam bonitinhas com seu novo acessório azul, mas acontece que o que fica legal em garotas, parece ridículo nos caras, tipo àquelas fotos deitadas como se estivessem mortas no meio da floresta, que é muito popular nas redes sociais.

Na verdade, qualquer uma dessas fotos de garotas parecem ridículas quando feitas por caras.

— Não posso usá-lo, tenho um caso de seborreia crônica que pode evoluir para uma perda total de cabelos caso eu use qualquer coisa na cabeça. - Falei lendo concentrado o cardápio do café da manhã: crepe com recheios diversos, croque madame... Hum, as coisas estão boas por aqui.

— Zabini, 2019: desculpas constrangedoras para evitar as regras. Um clássico. - Bertrand falou ainda lendo sua revista política engomadinha e antes que eu pudesse dizer que não, eu não estava forjando uma desculpa, minha doença é real, ela continuou. – Ei, falando em evitar coisas, qual de vocês aceita lavar minhas roupas?

— A mesa da Lufa-lufa está ali perto da saída, só lá para você encontrar gente estúpida. - Heidi falou isso debochada, depois deu uma sugada forte no canudo de seu smothie de frutas vermelhas. – Ai, socorro, congelei o cérebro!

Enquanto Louise instruía minha artilheira a colocar a língua no céu da boca para parar a dor causada pela bebida gelada, puxei de leve a revista de Juliet para baixo.

— De quanto nós estamos falando? - Ela me olhou cínica, piscando os olhinhos, o que me fez deixar o meu em fendas. – Você vai fazer uma proposta decente, não vai?

— Eu acho que a proposta já está implícita: você terá a honra de ajudar uma amiga! - Ela falou com sentimento e eu voltei a olhar para o cardápio, porque isso não me interessa não. – Ora, Cesc, você é bom em feitiços, não vai te doer nada!

— Eu vou esperar você estar com bastante coisa suja acumulada para voltarmos a discutir isso, ok? Acho que você terá calçado então o chinelo da humildade. - Encerrei o assunto, ela cruzou os braços emburrada e quando eu estava pronto para pedir meu café, seis pratos cobertos por tampas prateadas surgiram na minha frente. – O quê? Eu não pedi isso! Ou será que pedi? Eu não faço ideia de como se pede aqui...

— Os pedidos são feitos tocando a varinha no prato escolhido, então não, você não pediu. - Heidi respondeu solícita, já recuperada de sua crise de congelamento cerebral. Louise me olhou desconfiada.

— A menos que você esteja usando a luvarinha e tenha passado os dedos pelas opções! - Louise acusou e puxou a minha mão com violência só para sentir o relevo do artefato mágico na minha pele. – Cesc! Você não pode usar a luvarinha aqui, o registro do ministério foi feito na outra varinha!

— Mas acontece que a outra varinha é uma porcaria, você quer que eu reprove nas matérias? - Tirei todas as tampas, olhando para toda aquela comida na mesa, ignorando o olhar intrigado das outras meninas. – Vamos, escolham alguma coisa, precisam me ajudar a comer isso!

— Então eu vou querer esse brioche de chocolate, parece uma delícia! - Heidi já ia puxando o prato para ela, mas eu puxei ele de volta para perto de mim.

— Não, esse não, eu quero. - Ela me olhou chateada e eu tive que puxar outro prato, porque Louise estava tentando levar aqueles pães maravilhosos com presunto, queijo emmental, molho bechamel bem branquinho e um ovo lembrando um chapeuzinho de madame no topo.

— Você vai deixar a gente comer alguma coisa? - Juliet perguntou indignada e eu olhei avaliador para as opções na mesa.

— Podem pegar o mingau de aveia com canela salpicada, aquele treco ali que eu não sei o que é e... Ei, aonde vocês três vão? - As meninas haviam levantado como um exército de smurfs furiosos. Não entendi nada!

— Bom apetite, capitão. - Heidi falou irônica e eu dei de ombros, se elas não querem ajudar, azar o delas que vão para o inferno por serem tão malvadas!

Comecei a minha difícil missão de acabar com aqueles pratos antes que alguém notasse meu erro causado pelo mau uso da luvarinha, mas no fim das contas eu já estava no último pedido antes de Fred II se sentar a minha frente. Ele tinha um prato transbordando de ovos mexidos, bacon, croissants e fatias de queijos de vários tipos.

— Eu estava certo em pensar que essas porções individuais não dariam nem para a entrada, o nosso lance é o bandejão mesmo. - Ele falou sonso, observando minha pilha de pratos vazios, como se eu já tivesse esquecido o que ele aprontou comigo ontem.

— Ainda estou chateado com o lance da caixinha de músicas, não venha se fazendo de sonso não. - Dei uma colherada no mingau de aveia e não é que era gostosinho também? Fred deu uma garfada generosa no seu prato e engoliu rápido, com dificuldade, antes de me responder.

— Sobre a caixa, você não sabe o que...

— Olha aqui, se o seu discurso não envolver um pedido de desculpas em alguma parte, pode parar de falar nesse exato segundo! - Gesticulei com a colher nas fuças enferrujadas dele e acabei derrubando aveia no prato dele. – Err... Desculpa por isso.

Com comida não se brinca.

— Sem problemas! - Ele pegou a fatia de bacon melada de mingau com a mão e comeu fazendo uma careta avaliativa. – Não é que ficou bom?

Dei risada, mas antes que retomássemos ao assunto anterior, a versão crescida do garotinho de Up - Altas Aventuras surgiu do nada na nossa mesa. O quê? Eu adoro os filmes retrôs da Pixar, me processem!

— Monsieur Fábregas, Monsieur Weasley, segundo de seu nome, sou o monitor da matéria de Etiqueta, que começará em cinco minutos, sugiro que se apressem. - Ele disse meio afetado, olhando de mim - com uma colher cheia de mingau a caminho da boca - para Fred, ainda segurando a metade mordida de uma fatia de bacon. – E se limpem antes de ir para a classe.

Ele saiu todo empertigado e eu e Fred nos entreolhamos, porque era só o que nos faltava, um francesinho vir aqui na nossa mesa de gente educada avisar sobre uma estúpida aula de etiquetas que eu nem queria fazer, para início de conversa.

— É o irmão de Beaumont, para você vê que o raio da beleza não cai na mesma árvore duas vezes. - Fred disse maldoso, porque o garoto nem era feio, só era francês, coitado. Segundo continuou comendo sua montanha de comida como se não tivesse nem aí para o recado dado.

— Onde foi parar o seu chapéu? - Perguntei curioso, porque também não estava nem aí para a aula e o meu ficou no quarto por causa da minha predisposição a calvície, já sabem, então Segundo só me olhou de boca cheia e cara de poucos amigos.

— Toquei fogo. - Cruzes, esse garoto é um ogro mesmo, precisa urgentemente dessas aulas de Etiqueta!

Já eu não, eu sou educadinho.

Bem, se querem saber, com exceção do chapéu, eu estava com o uniforme completo, gravata azul, sapatos de caras dos anos 40... Já Fred estava sem gravata no traje de colete e camisa azuis, usando o sobretudo no lugar do terninho de menina e para completar a afronta, estava de sneakers no lugar do sapato oficial. Levantamos quando já não restava quase ninguém no salão.

— Sabe que a professora não vai gostar de te ver assim, não é? - Ele colocou as mãos no bolso do sobretudo e me olhou com aquela marra fredistica de quem é bom demais para essa ou qualquer outra escola.

— Eu vou arriscar uma reclamação, estive olhando por aí e tem alguns alunos que não usam o uniforme oficial, então não serei o primeiro a descumprir as regras de vestimenta. - Ele falou enigmático, olhei curioso.

— Tipo quem? - Ele não precisou responder, porque assim que passamos pelo portal cheio de arabescos da sala de Etiqueta - a sala mais próxima do restaurante - entendi o que ele quis dizer.

A maioria dos alunos da classe eram de Hogwarts, praticamente todos, mas haviam alguns poucos que com certeza nunca pisaram na nossa querida escola, dentre eles, os que mais chamavam atenção estavam encostados e conversando na parede do fundo da sala:

Uma garota gordinha de cabelos curtos cercada por gêmeos idênticos, com exceção do cabelo - o de um era loiro e comprido, o do outro preto e curto - os três ostentando uniformes Frankenstein como o de Fred, uma mistura louca de moletom esportivo, terno, sobretudo...

A menina usava as calças do moletom, o terninho feminino, o chapéu suspiro e coturnos militares para arrebatar o visual. O gêmeo moreno estava certo da cintura para baixo, mas usava a parte de cima do traje de gala militar desabotoado e seu irmão loiro nem se deu ao trabalho de fingir que estava tentando, estava com o sobretudo por cima de uma camisa de banda de rock bruxa.

— Amanhã será um novo dia, nem... Que alguém importante insista muito eu vou me sujeitar às regras do sistema.— Fiz uma careta e Fred me olhou estranho, porque eu só iria dizer um clássico “nem fodendo vou usar essa merda de uniforme completo ”. – Não era isso que eu ia dizer...

— Quem se importa? Vamos sentar ali do lado daquela garota atraente e do bastante intimidante, mas que no fundo deve ser uma pessoa boa, Leiris. - Fred falou isso e também fez uma cara estranha. – Não era isso que eu ia dizer também.

— Isso está muito estranho... - Sentamos atrás do tal de Leiris, um garoto mal encarado junto de sua amiga que era o resumo da elegância, assim como ele. O que os dois estão fazendo aqui?

— Ele é o ex-namorado de Beaumont e eu tenho uma forte suspeita que ele é meio vampiro. - Fred sussurrou isso para mim e eu claro, dei risada, porque o cara parecia mesmo um vampiro com seus cabelos brancos e olhos pretos de corvo, mas ele olhou para nós dois, bravo, como se tivesse ouvido tudo.

Não era improvável, já que estávamos na fileira atrás dele. Eu fingi que estava entretido com os outros alunos se ajeitando em seus lugares - nada das meninas conhecidas por aqui, com exceção de Roxanne Weasley - mas Fred acenou falsamente para ele, só para ser sumariamente ignorado!

— Mas que grande rapaz que poderia ser mais socialmente acolhedor!— Olhei para ele com o meu melhor olhar de “mas que merda você quis dizer?” e ele apontou com certeza na voz. – Tem algum feitiço nessa... Sala de aula intrigante.

— Qual a letra do adjetivo que você ia usar para a sala? - Perguntei conformado com essa palhaçada de não poder xinga ou falar a verdade nua e crua.

— A letra m. - Fred resmungou chateado. O que era? Devia ser a boa e velha merda mesmo.

— Essa aula vai ser a palavra com T. - T de tortura. Fred concordou com a cabeça, uns segundos antes da professora se posicionar na frente da classe, junto de... Espera, deixa eu googlar o nome do garoto do filme Up... Russel! Sorri enquanto guardava meu Caveira de volta no bolso.

Deuses, a internet vai fazer de mim um vencedor!

***

A aula de etiqueta foi tão ruim quanto achávamos que seria, minha mãe culparia o meu pessimismo e o de Fred, mas eu prefiro pensar que foi tanto porque obviamente era uma classe formada por alunos que não se encaixavam no padrão de Beauxbatons, quanto pelo fato de ter alunos que claramente se encaixavam.

Eu não faço ideia do que Leiris e sua amiga portuguesa, Beatriz Gomes, estavam fazendo ali, além de responder perfeitamente as perguntas da professora e olhar para o resto de nós como se fôssemos sujeira em seus sapatos bem polidos.

A vontade que eu tinha era de conjurar um pântano bem fedorento e atirar os dois de cara na lama!

Basicamente a professora Bonaly nos informou que vivemos do jeito errado toda a nossa existência: comíamos, bebíamos, vestíamos, falávamos, andávamos e até mesmo pensávamos da maneira incorreta! Não mais, segunda ela, a partir de hoje não seríamos mais essas versões inacabadas de nós mesmos.

Fred tinha tanta sorte de não estar entendendo bem o que ela estava falando, mas eu infelizmente descobri que conseguia entender muito bem o francês, apesar de todos os meus esforços para ignorar a língua sempre que minha mãe tentava me forçar a aprendê-la.

Traduzi umas poucas coisas para o grifinório e depois dela dizer que o jeito rude com o qual conduzíamos as nossas vidas era o responsável pela feiura do mundo, pude ler nos olhos de Segundo apenas uma coisa:

Foda-se.

O sinal tocou e nos vimos fora daquela classe antes mesmo que ele parasse a sua melodia harmoniosa. Fred II estava pronto para xingar a tudo e a todos, mas antes disso, o cutuquei ao ver os três que havia observado mais cedo, saindo parecendo entediados.

— Não sei o que você acha, mas para mim aqueles ali são o tipo de gente que queremos no Ocaso mundi. - Falei baixo, relembrando a Fred o nosso plano original de fazer do Ocaso uma rede internacional de estudantes pensando as merdas educacionais de todo o mundo como sendo uma coisa só. Ele me olhou incerto.

— Não queremos rebeldes sem causa, Cesc, precisamos de gente que se comprometa e realmente queira melhorar as coisas na sua escola. - Ele me respondeu falando igualmente baixo, mas ainda sim me seguiu quando tomei o mesmo caminho do trio.

— Vamos apenas sondar, eu tenho um bom pressentimento sobre esses caras. - Falei com confiança e Fred apenas ajeitou melhor a mochila nos ombros, pouco convencido. – Eu sou o maior recrutador do Ocaso, acho que sei o que estou fazendo!

— Ah é, senhor recrutador? E qual vai ser o seu método de abordagem? - Olhei para o sarcasmo de Weasley com todo o meu desprezo.

— Veja e aprenda, o lance é ser natural. - Acelerei o passo para alcançar a menina e os gêmeos a minha frente. Eles notaram minha aproximação, então olharam desconfiados. – Vocês provavelmente são a maior mostra de diversidade aqui dessa escola, são literalmente um colírio para os olhos!

Fred me olhou surpreso e a garota sorriu para o cumprimento. Ela parecia ser a líder dos três.

— Não é tão difícil ser diferente, como você já deve ter notado, é só sair um milímetro da curva. - Ela respondeu simpática a meio caminho de sair do palácio.

— E olha que nós temos a mesma cara. - O gêmeo loiro falou divertido, olhando para o irmão idêntico, a não ser pelo cabelo.

— Bem, meu nome é Cesc Fábregas e esse é Fred Weasley II e nós somos...

— Sabemos quem são! - Dessa vez quem falou foi o gêmeo moreno, olhando para os outros dois levemente animado. – Vocês são os campeões do intercolegial! Estávamos lá em Ikley Moor, cara! Vimos o jogo todo...

— Sou Antonella Lo Presti, esses são Matteo e Pietro Sartori e é uma grande honra conhecê-los, aquilo que vocês jogaram sim é Quadribol de verdade! - A garota falou respeitosa. Os gêmeos concordaram com acenos idênticos de cabeça.

— O que eles estão dizendo? - Olhei para um Fred confuso. Ele não estava entendendo o que eles estavam dizendo?

— Esses são Antonella, Matteo e Pietro, eles nos assistiram na final, estavam lá no estádio e gostaram muito do que viram. - Resumi o papo para ele, depois voltei a encarar os nossos novos colegas simpáticos. – Já que vocês curtem quadribol, sabe com quem a gente pode falar para treinar um pouco ou só conhecer o estádio?

— Está falando com as pessoas certas, somos da equipe de quadribol de Beauxbatons. - Antonella falou orgulhosa e eu traduzi suas exatas palavras para Segundo.

— Não os vi no desfile dos times lá em Ikley Moor e você? - Fred me perguntou desconfiado e eu tentei puxar pela memória... Eram tantos times e jogadores que eu não saberia dizer se os vi ou não.

— Vocês estavam no desfile das equipes? Não lembro de tê-los vistos. - Perguntei tranquilamente, porque não queria que eles achassem que estávamos chamando eles de mentirosos.

— Aquela não era a equipe oficial de Beauxbatons, aquilo que vocês viram era um circo armado. - O garoto moreno de vestes militar falou bravo e o irmão o olhou pedindo calma, antes de completar a informação.

— Fomos suspensos alguns meses antes do campeonato, não jogamos nem um jogo sequer. - Pietro disse parecendo realmente sentido e eu fiquei na dúvida se devia ou não perguntar o porquê disso. Optei apenas por traduzir tudo para Fred.

— Por que foram suspensos? - Claro que Segundo não teria problema algum em tocar na ferida, né? O trio olhou para ele e depois para mim. Antonella falou com o cenho levemente franzido.

— Não falamos inglês, desculpe. - Quê? E que língua eles estão falando agora? Claro que não fiz essa pergunta em voz alta, se não me taxariam de louco!

Para falar a verdade, estava meio óbvio que não era inglês, já que Segundo não entendia, mas para ser sincero, essa habilidade toda no francês não é algo comum para mim, quero dizer, nem usando o Marduk em Uagadou eu podia falar outras línguas com facilidade, o que dirás agora, sem ele!

Será que eu finalmente consegui absorver o poder do Google na minha mente?

Repeti a pergunta de Fred para eles, deixando essa grande questão filosófica para mais tarde e a garota de cabelos curtos e sardas ao redor do nariz largo sorriu de um jeito pouco alegre.

— Venham conhecer o nosso estádio e então vão entender o porquê.

Ela não falou mais nada, apenas nos deu as costas e finalmente saiu do palácio. Os nossos quinze minutos entre uma aula e outra estavam prestes a acabar, mas estava muito curioso para simplesmente largar essa conversa para ver plantas ridículas em Herbologia e Fred parecia não ligar para qualquer que fosse a aula seguinte dele também.

O grande estádio espelhado ainda brilhava prateado no horizonte e parecia estar encarapitado nas montanhas o suficiente para nos dar uma vista das cordilheiras quando estivéssemos nas vassouras. Fiquei animado com a perspectiva, mais ainda quando vi os - agora que estou fazendo a associação pelo nome - italianos pegando um atalho por um labirinto de sebes altas.

Adorava conhecer os estádios ao redor do mundo, era um mais fascinante que o outro! Em um dado momento eles fizeram uma curva e os perdemos de vista, só para encontrá-los no meio das folhagens alguns segundos depois.

— Por aqui, garotos! - Antonella voltou a sumir, mas dessa vez eu e Fred a seguimos de perto e quando finalmente nos livramos das folhas, já estávamos nas portas principais do estádio.

Era um lugar imponente e visivelmente recém-reformado. Olhei para Fred, que encarava tudo com um pouquinho de inveja no olhar.

— Com essa infraestrutura, não sei como a liga francesa importa tanto jogador de fora! - Ele me disse divertido e eu preferi me abster de qualquer comentário, já que não acompanho a liga da França de Quadribol.

Passamos por cima das catracas do estádio e pulamos a grade que dividia o acesso do público às arquibancadas, do acesso ao campo de quadribol propriamente dito. Assim como o restaurante, o estádio de Beauxbatons era profissional e atendia a jogos externos das ligas juvenis de todo o mediterrâneo e até mesmo alguns da Liga principal.

Segundo assobiou impressionado assim que chegamos no belíssimo jardim que era o miolo central de toda a estrutura: havia rosas, tulipas e outras milhões de flores que eu não saberia nomear, todas fechadas em botões, provavelmente sob algum encantamento de congelamento entre os dois trios de aros.

— Esse é o nosso estádio, os turistas adoram, acham lindo, tiram fotos para noivados e debutes, é até uma tradição de Lyon trazer as garotas aqui para fazer o seu álbum de 16 anos. - Antonella falou debochada, dando um peteleco em uma flor adormecida. Fred não entendeu nada do que ela disse, mas de alguma forma soube que ela ainda não havia respondido a sua pergunta.

— Pergunta a ela por que eles foram suspensos, o que tudo isso tem a ver com o campeonato? - Ele falou com seriedade e eu repeti tudo no mesmo tom. Matteo me respondeu.

— Onde acha que treinámos os exercícios fora da vassoura? - Olhei para o campo com um outro olhar, porque, ele estava querendo dizer que eles costumavam usar aquele espaço para treinar? Ia perguntar pelo ginásio de esgrima, mas Pietro falou antes de mim.

— Outras escolas colocam lagos e até mesmo rios no meio de seus estádios, vocês usaram a lógica e mantiveram um gramado, mas acontece que Beauxbatons nunca teve essa opção de usar o centro como enfeite! - Ele abriu os braços, abarcando todo o estádio em sua exposição. – Nós não temos muito para onde ir: temos jardins, fontes, labirintos e muitas, muitas montanhas! Depois da reforma para a Liga principal, acabamos tendo que aprender a improvisar lugares para treinar...

— E não podem treinar, sei lá, no ginásio de esgrima do outro lado da escola? - Eles riram sarcasticamente da minha pergunta e Fred perguntou o que estava acontecendo. – Eles estão dizendo que treinavam fora das vassouras aqui e não tem mais onde treinar depois que a Liga passou a usar o estádio, porque Beauxbatons não tem muito campo aberto. Perguntei sobre o ginásio de esgrima.

Voltei a olhar para o trio de italianos, que estavam aguardando eu terminar de passar o relatório para Segundo.

— A esgrima é um câncer nessa escola, arrebata tudo: estrutura, apoio estudantil, patrocinadores... Tudo que você possa imaginar! - Antonella contou nos dedos e depois fez um gesto expansivo, mostrando que era italiana de verdade. – Sabe a equipe que você viu jogar no intercolegial? Metade era composta por esgrimistas!

— O que ela disse? - Fred me perguntou inquieto, porque o tom de Antonella foi venenoso.

— Ao que parece eles não podem treinar no ginásio, os esgrimistas tem direito a tudo, inclusive compuseram metade da seleção que jogou o intercolegial. - Falei meio incerto se aquilo era ou não verdade, porque isso não fazia o menor sentido.

— Sabe Leiris que eu te mostrei em Etiqueta? Ele é o capitão do time de esgrima e ele realmente jogou pela Seleção de Quadribol. Acho que esses caras estão falando a verdade... - Franzi o cenho para Fred, então voltei a encarar os três, que cochichavam algo entre si.

— Como isso foi acontecer? Por que não deixaram vocês jogar? Poderiam ter ido além da primeira fase, que tipo de treinador burro tira os titulares da equipe? - Perguntei dando corda para a indignação deles, tentando dar sentido a essa história toda.

— O que ouviram falar do time de Beauxbatons, hum? Sejam sinceros, o que ouviram falar da gente? - Antonella falou com uma raiva mal contida e mesmo sabendo que não era para gente, quase dei um passo para trás.

— Uniformes bonitos, um para cada jogo, estádio bonito e...

— Bonito... Bonito? Essa merda é bonita? É bonito a gente não ter onde treinar? A gente não ter verba para equipamentos novos o ano todo e quando todo mundo olha pra gente, de repente a gente ganha roupas boas e está tudo bem?

A garota cuspiu as palavras e até mesmo Fred pareceu entender do que se tratava. Pietro assumiu a explicação, porque Antonella parecia possessa, pronta para matar um. Ele prendeu o cabelo comprido de qualquer jeito enquanto organizava os pensamentos.

— Pensamos que durante os preparativos para o campeonato seria o melhor momento para fazer a direção entender as nossas necessidades, entender que não queríamos roupas bonitas, nós queríamos apenas um lugar para treinar, uma fonte de energético de qualidade, equipamentos de malhação, tudo o que eles oferecem para a esgrima e fingem que não tem dinheiro para dar a gente!

— Falámos com eles, nos recusamos a ser bonequinhas para suas roupas preciosas e eles nos chutaram do campeonato, como se não precisassem de jogadores para jogar um jogo de quadribol. - Antonella falou mais calma, triste, dando de ombros como se aquilo fosse algo normal. – Acho que eles estavam certos, no fim das contas... Nunca precisaram de nós.

— Sabe o que foi mais frustrante? - Matteo jogou seu cabelo escuro e curto para trás, com o mesmo trejeito do irmão gêmeo. – Ouvir da boca do nosso próprio treinador que nós havíamos escolhido dar de bandeja as viagens, a fama e a glória para os esgrimistas, como se ter dignidade não valesse nada esses dias!

Olhei chocado para os italianos, porque na minha mente, eles acabaram de puxar a cortina que cobria a verdadeira Beauxbatons esse tempo todo!

— O que eles estão falando, Cesc? O que estão contando? - Fred perguntou impaciente e eu olhei para as expressões revoltadas dos três jogadores a minha frente antes de respondê-lo.

— Eu acho que eles acabaram de nos contar a primeira história do Ocaso mundi.