Hocus Pocus

A magia não é boa nem ruim. É como você usa ela.


Com a respiração ofegante, Drake fechou a porta atrás de si. Escorregando suas costas nela, ele se sentou no chão. Estava sozinho, preso dentro da biblioteca, na escuridão, rodeado por milhares de livros, que repousavam docilmente nas prateleiras.

Ele ouviu passos do lado de fora da biblioteca e rapidamente levou a mão ao rosto, tampando boca e nariz. Se ele fizesse um pio sequer, a turma de Biff Tyndall descobriria sua localização, arrastaria ele para fora de lá pelos cabelos e levaria ele até o pátio, onde espancariam ele na frente de toda a escola.

Já era difícil para ele fazer amizades com os garotos de sua idade. E Drake sabia disso.Ele nunca gostara das mesmas coisas que os outros e sempre preferiu atividades que usassem mais o cérebro do que os músculos.

Tudo começou com uma paixão por estrelas na infância (e que ainda mantinha), mas com o passar do tempo sua paixão foi evoluindo para várias áreas de estudos; até o dia em que ele percebeu que era o único garoto, ou criança, que gostava de fazer lição de casa e passar mais 4 horas assistindo canais de documentários. Foi nesse dia que a turma de Biff Tyndall começou a encher o saco de Drake, na escola. E cada ano que passava, a coisa só parecia piorar.

Mas nem tudo era ruim. Por ter essa curiosidade insaciável pelo desconhecido, desde criança, e sua facilidade para aprender e estudar as coisas, ele sempre ia muito bem na escola e era sempre o melhor da turma. Assim, por sua mãe ser diretora de sua escola, ela nunca criou uma pressão sobre ele em relação aos estudos e sua posição como filho da diretora. Ela chegava até a ser liberal demais, em alguns momentos.

A única coisa que ela sempre pegava no pé dele fora a sua falta de disposição para atividades esportivas. Não é que ele não entendia a preocupação dela, mas ela já mexera tanto nesse ponto fraco dele que, de certa maneira, ele ficara muito incomodado.

Divagando por suas memórias, de todas as vezes que a mãe havia colocando-o em algum tipo de clube esportivo, ele nem notou que os passos e as vozes da turma de Biff Tyndall seguiam para longe dali. Sua mente se distanciava cada vez mais e ele começou a listar todas as atividades e clubes que já tinha participado: futebol, corrida e natação eram alguns de que ele mais se lembrava.

Mas algo vinha martelando aos poucos em sua mente. Uma dúvida, uma constatação, uma imagem. De uma lâmina prateada enorme e bem polida, brilhante. Drake tentava esquecer da espada havia semanas, mas ela sempre dava um jeito de voltar a aparecer em sua mente, clara como um cristal.

Ele se levantou e começou a caminhar pela biblioteca, roçando nas lombadas dos livros com seus dedos, já que estava escuro, e ele precisava de um lugar par se apoiar.

Achava que andar faria seus pensamentos fluírem como nuvens até o esquecimento. Mas o efeito era o contrário. A imagem da espada em suas mãos criava raízes e se prendia com forças à sua mente. E quanto mais profundo as raízes iam, mais crescia a vontade de tocar, de usar a espada.

Então ele percebeu: sua mãe nunca o colocou para fazer aula de esgrima!

É verdade que a mãe não se oporia, caso ele sugerisse a atividade. Mas havia algo estranho naquilo tudo. Mesmo que ele aprendesse a manejar uma espada, ele não teria por quê usar suas habilidades depois. Ele n˜ao odiava a turma de Biff Tyndall a ponto de querer matá-los.

Perdido em seus pensamentos, Drake trombou com uma escadinha e, ao tentar se equilibrar, empurrou vários livros de uma estante. Atordoado, ele começou a palpear o chão, tentando descobrir o estado do estrago que ele fez, no escuro.

Logo, um faixe de luz apareceu, vindo da sala do bibliotecário. Drake suou frio. Ele sabia que sua mãe havia contratado um bibliotecário novo, mas faziam dias, desde que o novo bibliotecário foi apresentado, que a biblioteca andava com as luzes apagadas, como se estivesse abandonada. Nenhum aluno se atrevia à entrar lá.

Mas, talvez não fosse o bibliotecário? Talvez fosse outra pessoa como o zelador ou… ou… um ladrão!

Um calafrio desceu pela espinha de Drake. Ele não sabia o que fazer, só conseguia se encolher no monte de livros que tinha derrubado, desejando desaparecer.

A luz chegou até ele, fazendo-o enxergar sua sombra comprida correndo pelo chão. Inesperadamente uma voz rouca como um trovão soou atrás dele:

— Ei, moleque! Você viu um duende por aí?

Drake hesitou de surpresa. Ele se perguntou se ouvira bem o que a voz atrás dele disse. Um duende? Drake tremia de frio e de medo. Duendes n˜ao existiam, então o homem atrás dele só podia ser um louco. Ele tinha medo de se virar e encarar o homem, que poderia fazer alguma coisa com ele, como nocauteá-lo e vender seus rins. Mas ele sabia que precisava se virar.

Lentamente, Drake se colocou em pé, na frente do homem. Ele não tirava os olhos dos sapatos dele, botas marrons de couro surrado e gasto.

— E então? - a voz voltou a trovoar - Você viu ele?

Drake respondeu balançando a cabeça negativamente, o que fez o homem bufar.

— Não acredito que perdi aquele serzinho de vista! - a voz reclamava consigo mesma, ignorando o fato de que Drake estava ali presente - Você não viu ele mesmo? É deste tamanho, todo verde e usa um chapéu e sapatos pontudos!

Drake não estava acreditando naquilo tudo. À voz ter falado do tamanho do duende, o homem fez um gesto com as mãos, para mostrar o quanto o duende media, e foi aí que Drake pousou o olhar sobre o rosto do homem pela primeira vez. Era um senhor alto, magro e de barba bem branca. Quase não tinha sombrancelhas. Seus olhos eram grandes e brilhavam como fogos de artifício. Drake sentia que sua alma era julgada para dentro daqueles olhos.

Ele queria responder a pergunta sem tentar contrariar a loucura do velho, mas seus lábios pareciam estar colados com a cola mais forte.

Vendo o silêncio do rapaz, Merlin mudou de postura e limpou bem a garganta, antes de dizer:

— Bem, então acho que você vai ter que me ajudar a encontrar ele!