[N/A: Escute Surreal – Scalene]

Levantei da cama e vi que a expressão de Irriel havia mudado, ele estava sério e até um pouco triste. Merl e Lukiel não estavam diferentes.

— Isso foi sua culpa — Lukiel gritou para Irriel — Nós te avisamos!

—O que aconteceu? — falei em alerta.

Merl me puxou e me colocou sentada na cama. Sua expressão era serena.

— Neur contou aos demônios sobre sua possível relação amorosa com Irriel — ela falou — Havia um trato. E este acabou de ser quebrado.

—Um trato? — perguntei assustada.

—Você nunca poderia se apaixonar — ela disse como um lamento — Mas você está apaixonada e Sheol cumpriu com o tratado.

Como eles poderiam saber que eu estava apaixonada? Eu não me sentia assim. Eu apenas gosto de Irriel, não estou apaixonada...

— O que eles fizeram? — eu me desesperei com as possibilidades.

— Eu sinto muito, Saraí — Merl segurou minha mão.

— O que eles fizeram? — repeti a pergunta.

— Seus pais... Eles estão mortos — ela disse pausadamente.

Estremeci. Levantei da cama tão rápido que minha cabeça girou. Olhei para Lukiel e ele ostentava uma expressão de tristeza. Meus pais? Jorge e Diana? Eles não estão mortos. É mentira.

— Não — gritei — Vocês estão mentindo.

Mas a pequena televisão de Irriel fora ligada e eu via a notícia mais assustadora da minha vida.

Uma casa acabou de explodir — a repórter gritava de um helicóptero, eu via os escombros da minha velha casa — Os bombeiros constataram vazamento de gás. Duas pessoas morreram. Não temos mais informações...

Desligaram a TV e eu acreditei. Meu mundo caiu. Não existia mais sentido em minha vida.

— Por quê? — eu perguntei.

— Sheol se sentiu ameaçada. Essa foi à forma de te mostrar qual é o seu destino. Sinto muito... — Lukiel falou.

Procurei Irriel na sala e o encontrei parado.

— Você sabia disso? — perguntei a ele. Irriel continuou em silêncio, mas eu já sabia a resposta. Ele sabia de tudo — Por que não me disse? Eu confiei em você — gritei entre soluços.

— Eu... Eu não pensei que fariam isso — ele falou em voz baixa.

— Você nunca pensa — Lukiel entrou na conversar — Eu te falei para se afastar dela. Eu tentei te avisar, Saraí... Mas você não me obedecia!

Desliguei-me do que eles estavam falando. Trocar acusações não traria meus pais de volta. Nada traria. Eu voltei a ser órfã. Procurei meu salto e o calcei. Estava totalmente desengonçada e patética com as roupas de Irriel e um salto, mas isso não era importante. Fui até a porta e a destranquei.

— Aonde você vai? — Lukiel perguntou.

Não respondi. Eu só queria ficar longe deles. Desci as escadas e fui andando aos tropeços pela rua. Fiquei tentando entender o que havia acontecido. Irriel sabia do acordo, mas ele não ficou longe de mim. Ele prometeu aos Caídos que me mataria e foi isso que aconteceu, ele matou a única parte boa da minha vida. Como fui estúpida em querê-lo por perto... E eu nem sequer estou apaixonada.

— Neur — eu gritei para o nada, mas o cheiro de queimado estava no ar — Eu não estou apaixonada. Você me ouviu? —gritei liberando toda minha raiva — Devolva a minha família.

E eu desmaiei no meio da madrugada e em uma rua deserta.

Há quatro anos...

—Eles estão ali — minha colega de quarto apontou para um casal estranho que estava visitando o orfanato. A mulher usava uma roupa hippie e o homem uma roupa social, cuja camisa estava muito apertada — Eles querem adotar uma menina da nossa idade.

Eu saí indiferente. O que um casal veria em mim? E assim que a diretora contasse a minha bagagem, eu seria excluída. Voltei para meu quarto e decidi que leria meu livro de poesias, desta forma eu não iria me preocupar com o casal de estranhos.

Alguém bateu em minha porta.

— Sara, você tem visitas — era a freira que cuidava das crianças que seriam adotadas, meu coração disparou.

O casal de estranhos entrou em meu quarto. A mulher estava sorrindo, ela puxou o marido e os dois me encaravam. Fiquei envergonhada.

— Olá, meu nome é Diana e esse é meu marido Jorge — a mulher falou — Podemos sentar?

Eu confirmei.

— Está lendo o quê? — Jorge perguntou.

Lira dos Vinte anos de Álvares de Azevedo — falei mostrando a capa do livro.

— Oh, você gosta de ler clássicos — Diana falou —Isso é fantástico!

Eu sorri com a colocação dela.

— Peguei na biblioteca — falei orgulhosa.

—Ah é? —Diana disse — E você quer nos mostrar essa biblioteca?

Eu assenti e os levei até nosso pequeno acervo. Aquele fora o dia mais feliz de minha vida. O dia em que eu descobrira o que era o amor.

A luz invadiu meu quarto na casa de Lavínia. Abri os olhos e sai da cama o mais rápido possível, eu precisava vê-la. Abri a porta e a encontrei deitada no sofá, ao seu lado estavam Merl e Lukiel. O que faziam aqui?

— Como você está? — Merl me perguntou.

— Como ela está? — mudei o foco das atenções, eu não queria pensar em minha dor.

— Abalada, mas vai ficar bem — Lukiel respondeu.

— Ela sabe sobre vocês? — perguntei me dando conta de que eles não são seres humanos.

— Não — Lukiel disse — Merl se parece mais com uma humana, ela disse que é sua amiga.

— E você? —perguntei.

—Eu cheguei agora. Estava resolvendo um problema — ele respondeu.

Olhei para Lavínia descansando no sofá, toda encolhida. Senti vontade de chorar. Pensei no que ela disse sobre seus pais, agora ela havia perdido seu irmão. E eu perdi meus pais, as únicas pessoas que me amavam. Tudo por causa de uma profecia idiota e de um anjo caído egoísta. Eu o odiava.

— Ele quer falar com você — Merl disse.

— Eu não quero — respondi ríspida. Não queria vê-lo. Irriel era um traidor.

— Você não precisa — Lukiel interferiu.

— Não tome uma decisão errada — Merl começou a dizer — Sinto muito, querida. Sei como é perder a família, mas você tem a nós, inclusive Irriel. Lembra-se do que eu te disse? Você tem a lealdade dele.

Bufei. Não quero saber dele. Eu nunca mais queria vê-lo.

—Nós temos que ir — Lukiel falou para interromper a conversa.

—Merl — eu ignorei Lukiel — Eu não estou apaixonada. Tenho certeza.

— Você não quer admitir, Sara — ela falou e eu me odiei. Então a culpa também era minha? — Mas você não precisa aceitar isso. O amor te deixa mais fraca e você vai precisar ser forte! Temos que ir... Cuide-se!

Então sumiram em sua luz. Lavínia ainda dormia. Voltei para o quarto e procurei minha caixinha de joias, a pedra vermelha estava lá. Peguei-a e apertei em minha mão. Eu estava decidida. Eu não queria mais ver inocentes morrerem. Fui interrompida quando alguém bateu a porta.

Olhei pelo olho mágico e vi Irriel.

— Sara, abra. Eu só quero conversar — ele pediu.

Abri e ele entrou. Por que eu não o mandei embora? Droga. Sou uma fraca, mas eu precisava ouvir suas desculpas... Eu ainda me importava como ele. Talvez Merl estivesse certa, eu poderia estar me apaixonando, contudo isso não me faria perdoá-lo. Escondi a pedra e o levei para meu quarto, não queria que Lavínia acordasse.

— O que você quer? — perguntei.

— Sheol fez aquilo. Desculpe-me, eu não sabia. Não esperava que eles fossem cumprir a promessa. Eu ia te contar, ia te dar o direito de escolher, mas não houve tempo — ele começou a dizer e novamente eu estava chorando. Chorando como uma inútil — Não chore.

— Eu vou chorar — gritei esquecendo completamente de Lavínia no cômodo ao lado — Eu só posso chorar... Meus pais se foram. Eles nunca vão voltar!

— Eu me odeio por isso — ele continuou — Nunca me arrependi tanto em minha existência. Ver você sofrendo me destrói. Por favor, acredite em mim!

— Mentiroso — continuei — Você me matou Irriel, como você havia prometido. E a única coisa que posso fazer por meus pais é me vingar.

Peguei a pedra vermelha que Neur me deu há alguns dias e apertei na mão. Irriel viu aquilo e ficou paralisado.

— Sara? — Lavínia entrou no quarto com o rosto inchado de tanto chorar e ficou nos olhando zonza — O que está acontecendo? Marco?

Eu não conseguia ver mais nada. Só a raiva que eu sentia dos demônios, de Irriel e de todos. Eu iria me vingar... Por Diana e Jorge. Pela minha família!

— Saraí — Irriel falou olhando nos meus olhos — Eu te amo. Nunca se esqueça disso!

E isso despertou a minha coragem. Olhei para a pedra que brilhava em minha mão e gritei:

— Eu escolho Shamayim!

E um trovão invadiu os céus, eu já não era a mesma pessoa.

CONTINUA...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.