O fim de semana chegou e eu corria por toda cidade a procura de um presente decente para Scarlet. Aline estava comigo, mas sua busca era por um vestido espalhafatoso o bastante para chamar a atenção de todos os indivíduos do sexo masculino.

— Eu devia ter comprado meu vestido antes. Com certeza as garotas dessa cidade já compraram todos os bonitos e deixaram essas porcarias — ela segurava um vestido verde musgo horroroso. Dei um sorriso solidário — O que você vai usar?

— Tenho um vestido em casa... —eu nem havia pensado na roupa que usaria para a festa, mas sabia que Lavínia iria me ajudar.

Aline correu para outra parte da loja e pegou um vestido vermelho. Seus olhos brilharam de felicidade, ela foi para o vestuário e quando saiu de lá estava sorrindo. O vestido tampava só metade da coxa dela e o decote mostrava mais do que deveria, mas ela estava satisfeita.

— Vou ficar com esse — ela falou. Nem perguntou minha opinião porque sabia que eu iria falar que não gostei.

Após pagar o vestido ficamos circulando pelo centro da cidade. Eu não encontrava algo para dar de presente a Scarlet e eu não iria chegar à festa dela de mãos vazias. Andamos até uma loja de maquiagem, onde comprei um batom rosa para ser o presente. Aline disse que rosa era a cor preferida de Scarlet e eu concordei, fiquei curiosa para saber como que ela sabia disso, mas ignorei.

Lavínia ficou animada quando falei da festa de Scarlet, na verdade ela sempre se animava quando o assunto era eu sair com pessoas da minha idade. Fui para o meu guarda-roupa e vi que nada ali dentro correspondia ao mundo que eu estava prestes a participar, peguei um vestido florido que minha mãe havia me dado no aniversário de quinze anos, ele era o melhor que eu tinha. Engoli em seco quando imaginei os vestidos das outras garotas, eu não queria me destacar, principalmente, por ter usado o vestido mais brega da festa. Arrependi-me de não ter comprado mais cedo, agora eu teria que usar aquele mesmo. Pensei em Lavínia e em seus vestidos e corri até ela, fiz cara de desespero e ela entendeu. Fomos para o quarto dela, duas sacolas de lojas famosas estavam em cima da cama. Ela as pegou e me entregou.

— Sabia que você não teria nada — ela sorriu — Fiquei sabendo da festa de Scarlet antes de você me falar e presumi que você não teria o que vestir... Então tomei a liberdade de comprar isso para você!

Abri as sacolas. Havia um vestido preto longo, com mangas que alcançariam minhas mãos, um decote um pouco exagerado para mim — mas que o deixava elegante —, e uma fenda que mostraria metade da minha perna direita. Olhei para o vestido e tentei disfarçar a careta, aquilo era muito para mim... Lavínia caiu na gargalhada como se um palhaço estivesse a sua frente.

— O que foi? — ela falou entre os risos — Você está parecendo seu pai. Analisando o vestido e tentando formular uma desculpa para não usá-lo, mas fique sabendo que não aceito desculpas. Esse vestido foi feito para você!

Ouvi o que ela disse e abri a outra sacola. Nessa havia uma caixa de sapatos, peguei a caixa e vi um salto dourado. Não era muito alto, o que significava que eu conseguiria andar com facilidade. Encarei a cara de riso de Lavínia e me senti agradecida por ela ter me ajudado, mesmo que o vestido não tenha sido o que eu queria.

— Obrigada — finalmente falei — Você me salvou!

— Então você usará o vestido femme fatale? — perguntou.

— Bem... Desde que você não fale para meu pai — eu ri junto com ela enquanto nos abraçávamos.

Tomei um banho e fui me arrumar. Eu estava com medo de receber a visita de Merl ou Lukiel, eles sempre me impediam de fazer as coisas. E ainda pensava se Irriel estava chateado com o que aconteceu no cinema, não que eu devesse, mas ainda me lembrava do beijo dele. Coloquei o vestido e Lavínia entrou no quarto com a sua maquiagem em mãos. Sentei-me na cama e ela fez seu trabalho, máscara de cílios, pó, delineador, corretivo, blush, batom... Fiquei parada enquanto ela parecia pintar uma obra de arte. Parei em frente o espelho e admirei o que ela fez, meus olhos pretos pareciam maiores e mais chamativos. Depois ela pegou meu cabelo e começou a penteá-lo, separou uma mecha e a prendeu na lateral da minha cabeça com uma presilha de brilhantes. Eu estava quase pronta, só faltava o perfume, que Lavínia fez questão de borrifar em mim.

— Você está maravilhosa. João vai ficar babando! — ela falou. Mas eu não queria ver João, mesmo que isso fosse inevitável — Me diga o que aconteceu entre você e o João. Ele te magoou? Porque se foi isso eu vou lá tirar satisfação com ele agora!

Eu ri. Ela estava mesmo disposta a brigar com João por minha causa. Mas por mais clichê que isso pareça, o problema não era ele, era eu. Eu sou o problema, nunca conseguiria ter uma relação com alguém sem ter medo de me machucar. Egoísmo? Acho que sim, mas essa também é a minha forma de autopreservação.

— Não — falei com sinceridade — João é legal, é que... Não estou pronta para um relacionamento. E ele quer algo a mais, algo que não posso dar. Pelo menos não agora.

— Ele está te pressionando para fazer alguma coisa?

— Ele só quer que eu seja normal, mas acho que nunca serei! — falei e comecei a tremer, o choro estava próximo, mas não podia chorar... Não por isso.

— Você tem quer ser você mesma. Se João gostar de você vai entender. Não fique chateada com isso, apenas aproveite a noite e quem sabe vocês se acertem... — eu queria falar com ela toda verdade, dos anjos, dos demônios, dos Caídos, de Irriel, mas ela não acreditaria e eu também não a colocaria em perigo por causa dos meus medos.

— Lavínia — falei — Você já teve que tomar uma decisão tão importante a ponto de magoar quem você ama? — pensei em meus pais e nela própria, a minha decisão me afastaria deles e talvez eu nunca voltasse.

— Já — ela suspirou e pegou minha mão — Quando saí de casa aos quinze anos. Eu era a mais nova, Jorge e Michael já estavam velhos e meus pais queriam que eu fosse mais responsável. Mas eu só queria curtir minha adolescência e bom... Eles não facilitavam as coisas.

“Fugi e fui morar com Michael. No começo foi difícil, mas seu tio me acolheu e me deixou livre, mesmo eu sendo menor de idade. Quando fiz 18, me mudei, aluguei um apartamento e fiquei trabalhando como garçonete naquela lanchonete. Depois vim para cá para administrar a nova lanchonete dele... Desde então eu faço o que acho melhor para mim. Meus pais não me perdoaram, não fui ao enterro de minha mãe e papai me ignorou até no leito de morte... Eles eram tradicionais e uma garota arruaceira e rebelde não poderia ser considerada da família.”

— Sinto muito — falei e a abracei. Lavínia estava chorando. Nunca soube dessa história, embora sempre escutasse meu pai brigando com ela pelo telefone. Ele a considerava irresponsável, mas isso não o impediu de me mandar para cá. Ele a ama e se preocupa com ela, assim como meus avos, que nunca conheci. O problema é que muitas vezes não aguentamos os defeitos dos outros e acabamos usando isso como motivo para nos afastarmos.

— O importante é que você deve responder por si só. Não escute os outros, decida o que você achar melhor, porque a vida é sua e de mais ninguém! — ela secou as lágrimas. A campanha tocou e ela foi atender.

Fiquei no quarto olhando-me no espelho. Eu estava bonita, não parecia a garçonete insegura, parecia uma mulher determinada. Calcei o salto e fui para a sala. Estava me acostumando com o sapato, mas quase cai quando vi uma figura sentada no sofá, usando um smoking e me encarando com os olhos pretos.