Herdeira da Lua

Capítulo Doze – La vie de tous les jours pás si


As semanas passavam rápido demais para o gosto de Itália.

O mês estava acabando. Em três dias, Adrien voltaria pra França e ela moraria sozinha novamente.

—Itália? – Alguém chamou nos fundos do Café. Era Henri.

O Café da Lili só estava funcionando em meio período. Desde a ideia dos shows ao vivo, tudo estava uma bagunça.

Itália e Henri pintaram, e Adrien também, quando estava entediado.

Itália pedira a Amanda que trouxesse para o Café todos aqueles quadros de artistas que estavam na sala dela do Pedro II. As paredes agora estavam enfeitadas com Elvis, Amy Whinehouse, Legião Urbana e B.B. King. Entre outros. Eles também fizeram com papelão alguns discos de vinil e emolduraram. A parede, antes azul, agora era marrom – do mesmo tom que o piso – e vermelha. As mesas ficavam mais juntas agora, mas não de forma que pareceria superlotado, era só para abrir espaço.

No fim, eles gastaram apenas com tinta e com a construção do pequeno palco.

A Lua estava ensaiando muito – sem poder evitar algumas brigas de vez em quando - . Julia criara uma página no Facebook para eles e uma conta no Instagram, que eram administrados por ela e Flávia. Essas duas também discutiam ás vezes. Digamos que haviam... Diferenças criativas.

Eles tinham mais seguidores fora de São Paulo do que na própria cidade, mas todo o colégio Dom Pedro II já conhecia a banda, – o que estava sendo um pouco traumatizante para a coitada da Lucy, que estava ficando com Itália nos intervalos – afinal, quem não conhecia Matteo Niara?

Aliás, Itália estava recebendo menos atenção dele desde que tudo isso começou. Não que ela sentisse falta dele, de forma alguma. Mas... Era bom tê-lo por perto, sabe? Era um porto seguro. Reconfortante.

Enfim, ela estava limpando algumas mesas quando ouviu Henri chamá-la.

Por que ele não entra?

Ela seguiu para os fundos do lugar. Era um beco e tinha uma caçamba de lixo mais à frente, perto da rua.

Henri estampava um sorriso de orelha a orelha, e escondia uma das mãos nas costas.

—O que você tem aí? – Ela sorriu. Quem não adora presentes?

Ah, Deus, eu vou ficar tão triste se forem flores.

—Eu estava pensando, sabe... O seu irmão vai embora daqui alguns dias. E eu sei que a solidão pode fazer a gente pirar ás vezes, então te trouxe um presente.

Ele tirou o braço de trás de seu corpo, e na sua mão havia um filhote. De gato. Um gatinho.

Era a coisa mais fofa do mundo todo. Parecia ser um viralata, e tinha o pelo quase completamente negro, com algumas manchinhas brancas. Tão pequenininho.

Itália estava simplesmente encantada.

—A minha gata deu cria esses dias. E o meu apartamento é pequeno demais, então eu doei todos eles. Sei lá, esse aí me lembrou você.

Ela sorriu e, recebendo o pequeno animal em mãos, o analisou para ver se tinha olhos de duas cores ou algo assim. Mas não encontrou nada.

Henri deu um passo a frente e apontou para uma manchinha branca exatamente entre os olhos do gato. A manchinha tinha formato de bota.

O formato da Itália.

Como o colar, como o seu nome, como o lugar onde seus pais haviam se conhecido.

—Obrigada, Henri, é um presente incrível.

Aí estava, uma presença nova em sua vida que ela não sabia que tinha tanta consideração, tanta proximidade. É claro que, assim que o viu, teve uma paixonite do tipo que seja eterno enquanto platônico, afinal, o cara parece um anjo! Mas era muito mais que um menino bonito que vemos no ônibus e, quando pensamos em falar com ele, chegamos ao nosso ponto. Itália via Henri como um amigo e só havia percebido agora.

Quando deu por si, estava encarando os cachinhos dele de novo.

—Para com isso! – Ele passou as mãos pelo cabelo.

Vous non entende! Seu cabelo pede pra ser tocado!

(...)

Uma marca. Um símbolo. Um... Logotipo?

Itália teve uma ideia.

Uma Lua minguante. Lucy e sua bateria na parte sem luz. Matteo pendurado, Téo na parte iluminada, Alice em cima... Ou talvez os quadro sob uma lua cheia, apenas as silhuetas...

Ah, sim, seria marcante. Mais marcante que Violet Markey.

Ela buscou seu maior caderno, cheio de folhas brancas e um único lápis. Faria um esboço.

Jogou-se no sofá e pôs-se a desenhar.

Logo, Adrien veio da cozinha com duas canecas de café, e sentou-se no chão, colocando-as sobre a mesinha minúscula de centro. Ele a encarou por longos segundos e sorriu.

Eram assim. Sempre foram e sempre seriam assim. Talvez todos os irmãos fossem assim. Haviam as provocações e as brigas, mas quando precisavam um do outro, o simples fato de estar na presença deste era suficiente. Itália não precisava falar com ele naquele momento. Ela sabia o que ele estava dizendo. Vou sentir sua falta. E sentia o mesmo.

Quoi?D’accord? — Ela questionou.

Adrien diminuiu um pouco seu sorriso.

Oui.

(...)

—Cadê... Bem, todo mundo?

Itália fora convocada para um ensaio da Lua. Por quê? Não se sabe, aparentemente ela não fazia parte da organização desde o primeiro ensaio.

—Eles me obrigaram a cancelar o ensaio. A Lucy tinha um trabalho, Alice disse que “ta morrendo de cólica” – ele ri e faz aspas com os dedos. – e o Téo deve estar vadiando por aí.

Ótimo... Eu vim aqui por nada?

—E tem algum motivo pra eu ser a única aqui? – passou um dedo pela estante cheia de pó.

—Se não queria vir, era só dizer. – Ele deu um dos seus sorrisos e cruzou os braços.

—É só que... Sabe, nos últimos ensaios você não solicitou a minha presença e nunca mais me informou nada sobre a banda. Todo mundo faz alguma coisa dentro disso e je me sens como se estivesse de fora. Você praticamente não falou comigo nas últimas duas semanas, então eu não sei o que te faz pensar que eu deveria estar aqui.

Ela sentira falta dele. E odiava sentir falta. Já sentia falta de tanta coisa!

Sem que Itália percebesse, Matteo havia se aproximado.

—Existem formas mais simples de dizer que ficou com saudades.

Mas nada com ela era tão simples, e Matteo sabia disso.

—Você não precisa de mim, Itália. – Continuou. – Você é independente e isso ás vezes me irrita, porque comigo estando ou não na sua vida, você não se abala. É como se não fizesse diferença. Não entende?

Ele pegou a mão dela, e toda vez que fazia isso, Itália podia senti-lo bem na boca do estômago, por mais estranho que pudesse parecer. Itália não o sentia no coração, Matteo mexia com as famosas borboletas no estômago. Ficavam ali, causando aquela sensação ao mesmo tempo agonizante e boa, e os olhos dela desviavam automaticamente dos dele.

—Na verdade, se puder ser mais específico... – Matteo ri. E coloca uma das mãos na enorme estante, ao lado do rosto dela. Estava pertinho. De novo.

—Eu preciso mais de você do que você de mim. E isso é insuportável! Desde que te conheci, não consigo ficar longe. – Suas respirações pareciam sincronizar, e embora Itália não soubesse, o coração de Matteo batia acelerado. Ele tentou quebrar a pequena distância que os separava.

Itália não podia dizer que não queria beijá-lo. Haviam poucas coisas naquele momento que ela queria mais que isso. Mas ela tinha auto-controle, e não era tão boba assim.

Ela virou o rosto.

—Não pode me ignorar por duas semanas e depois dizer essas coisas.

Não. Ele não conseguiria assim. Ela não era de idas e vindas.

Itália tirou o braço dele do caminho e se afastou, em direção à porta.

—Não acredito que está brava por isso. – Ele segurou pôs a mão em seu ombro delicadamente, a impedindo de ir embora. – O que você quer? Que eu explique por que não tive tempo de te ver?

—Não, claro que não. Você não tem que me explicar nada. Só... Pode por favor não se afastar?

Matteo sorriu fraquinho e a puxou para si, envolvendo-a num abraço.

—Eu sei que você já perdeu bastante gente. Não vai me perder também, eu prometo. – Vou sim. Quando eu for embora. Ela ainda o apertava forte e escondia o rosto em seu peito. – Pode ficar dengosa assim pra sempre.

Ela levantou o rosto, e, em questão de segundos, aquilo estava prestes a acontecer de novo.

—Matteo, para. – Ela disse, o soltando.

—Por quê? – Questionou, tentando se aproximar novamente. – Ainda não percebeu? Eu gosto de você, Itália. Muito. Inexplicavelmente. Qualquer coisinha que eu tenha feito por ti, não fiz nem metade por qualquer outra garota.

Aquilo a fez sorrir. Ou quase. Por dentro.

—Não quero fazer isso, sabendo que em questão de meses, não vou mais estar aqui. Não tô pronta pra isso.

Ele suspirou.

—Você tinha namorado. Na França. – Não era uma pergunta.

—Itália balançou a cabeça em negativa, descrente do que acabara de ouvir.

—Já passou pela sua cabeça que eu só tenho dezesseis anos? Além disso, esse seria o único motivo para eu não querer ficar com o grand Matteo Niara? – Ela revirou os olhos. – Você precisa trabalhar um pouco essa humildade.

Ela lia os comentários nos vídeos postados da Lua. “Esse Matteo é um gostoso”, “Meu preferido é esse de cabelo escuro. Mano, que deus grego”, “quem resiste a esse piercing na boca e essas piscadinhas?”, “eu pegaria”. Isso sem falar nos comentários direcionados a Téo. Uau. Apenas uau.

Enfim, Matteo fazia sucesso.

Mas a questão não era querer. Itália o queria. Ela sabia que gostava dele também. Mas ela também sabia que, no final, alguém sairia machucado, se não ambos.

—Eu não disse isso, você que está dizendo.

—Você é convencido demais.

—E você adora.

Quem poderia negar?

—Tchau, Matteo. – Ela sorriu, abrindo a porta, ainda de frente para ele.

—Espera aí. – Deu passos apressados até ela e lhe encarou nos olhos. Aqueles olhos confusos, perdidos e coloridos. – E quando você estiver pronta? Pra... Isso? – Aponta para si mesmo, depois para Itália. – Pra nós?

Ela beijou-lhe na bochecha, demoradamente.

—Você vai saber.

Matteo fechou os olhos, e quando os abriu, ela não estava mais ali.

Calma aí.

O que acabaram de ter foi uma DR?

(...)

—Então, ele vai embora amanhã? – Leo perguntou.

Estavam numa mesa qualquer do refeitório, Itália, ele e Lucy, enquanto Thiago, Julia e o próprio Matteo espalhavam cartazes pelo colégio, entusiasmados. O primeiro show da Lua seria na semana seguinte.

—Bom... Que dia é hoje?

—Doze de abril. – Lucy respondeu, encarando com desgosto o prato de Leo. A gororoba diária.

—É. É, ele Adrien volta pra França amanhã. – Itália baixou o olhar. Não queria pensar nisso.

—Tem certeza que não quer que eu vá contigo pro aero porto? – Leo tocou o ombro dela. Itália fez que não com a cabeça.

—Eu preciso encarar isso sozinha.

E aprender a andar por essa cidade sozinha.

—Não vai se perder, heim? – Lucy falou, com um sorrisinho.

Ela lia pensamentos?

—Mudando de assunto... Olha o que eu tenho feito. - Itália sorriu largamente enquanto revirava a mochila. – É bom você me ceder a sua bateria, porque eu vou pintar ela.

Lucy fez uma careta confusa.

—Se alguém tentar pintar o meu baixo vai perder os dedos. – Téo apareceu, sentando-se no lugar vazio. Lucy se encolheu com o susto.

No começo, Itália pensara que Téo tinha alguns amigos delinquentes ou algo assim. Mas quando a banda começou, ele se aproximou um pouco dos envolvidos, coisa que a fez perceber que na verdade ele era muito solitário. Assim como aconteceu com a Lucy, a união deles foi boa, no fim das contas.

Itália finalmente achou a folha – o caderno não cabia na mochila – e a colocou sobre a mesa, um pouco amassada.

Sobre uma lua cheia, havia a silhueta dos quatro membros da manda. Deviam todos serem pintados de preto, como sombras. Mas Itália destacou em colorido uma única característica de cada um deles. O cabelo de Lucy se mantinha cor-de-rosa no desenho. Em Alice, o sobretudo de franjinhas amarelo queimado se destacava, enquanto a corrente branca com um pingente de caveira no pescoço de Téo reluzia. Por fim, a guitarra de Matteo estava vermelha, enquanto as baquetas, o baixo e o teclado se mantinham no preto.

—Itália... – Téo estava boquiaberto, e Lucy só conseguia sorrir.

—Ficou incrível. – Disse Leo.

—Eu não sei ainda se vai ficar assim, posso acabar mudando... Mas, são vocês que precisam gostar.

—Gostar? – Lucy alterou um pouco a voz. – Eu amei!

—Olha todos esses cartazes. Imagina eles com esse símbolo estampado, cara, o nosso símbolo!

Itália não pode evitar o impacto daquela frase. Porque Téo não disse nosso para Lucy, como se falasse sobre ele, Alice, Lucy e Matteo. Téo disse olhando para Itália. Reforçando a participação dela nisso, mesmo que Itália desconfiasse que ninguém da banda, além de Matteo, soubesse que a ideia inicial fora dela.

—Então... – Itália pigarreou, dobrando novamente o papel. – Me avisem quando for o próximo ensaio de vocês, eu levo um desenho com qualidade melhor e mostro pra todos.

—Itália! – Julia gritou do corredor, indo em direção a mesa deles e carregando um punhado de cartazes, em tamanho menor.

—Que foi, doida? – Fechou a mochila mais uma vez.

—O Matteo acabou de me contar que o Adrien vai embora amanhã!

—Uau, ele está sabendo muito da minha vida. Também contou que eu ganhei um gato?

—Você tem um gato!? – Leo parecia surpreso. – Pelo amor de Deus Itália, vai esquecer de alimentar o coitado!

—Em que te afeta o Adrien ir embora? – Ela ignorou o comentário maldoso do amigo.

—É, Julia, em que te afeta o francês ir embora? – Téo repetiu, com um sorrisinho provocativo.

Ocorreu a Itália que ele e Matteo eram muito parecidos.

—Ah, em nada, infelizmente. Mas quem sabe se ele ficasse mais um pouquinho... – Julia espelhou o sorriso dele. Téo fechou a cara.

Faites-moi la faveur, Julia, ele tem vinte e dois anos. – Itália revirou os olhos.

—São só seis anos de diferença!

—Deve estar realmente muito interessada para fazer essa conta tão rápido. – Téo roubou a maçã de Lucy e deu uma mordida.

—Ei! – Ela reclamou.

—Desculpe, não devia ser eu aquele com ciúmes aqui? – Leo interviu.

—Não! – Itália, Julia e Téo falaram em uníssono.

Leo levantou as mãos como quem diz não ta mais aqui quem falou.

—Enfim, Adrien vai embora e eu adoraria se vocês parassem de me lembrar isso!

(...)

Após quase quatro meses desde que Itália chegou ao Brasil, ela chegou a conclusão de que odiava aero portos. Eles eram sinônimos de despedidas.

Ela estava em um agora, e dessa vez, era ela quem veria Adrien partir. Sentia na pele o que ele sentira quando a situação fora ao contrário.

E odiava isso.