Herança

Capítulo 57


Ainda não estava acostumada. Nem um pouco. Era verdade que passou as últimas semanas treinando com suas amigas, demonstrando uma enorme habilidade para se esquivar e uma destreza incomparável em relação as jovens sailors.
Mas, mesmo assim, ela se sentia um tanto deslocada ali.
Diana olhou ao redor novamente, observando as bordas da cratera que era a \"arena\" selecionada para o torneio. O evento que iria avaliar se as novas senshis estavam preparadas ou não.
Na verdade, era só para ver se podiam sobreviver, mas dava no mesmo. O que ela não entendia era: O que fazia ali? Porque sua mãe de uma hora para outra a escalou para participar ativamente do grupo? Só porque era uma malviana? Era isso?
Bom, de qualquer forma ela resolveu se sentar ali no chão mesmo, enquanto esperava começar – o que quer que fosse começar, pois ninguém deu nenhuma dica de como seria. Deu uma olhada nas suas amigas e percebeu que todas estavam como ela. Ansiosas, preocupadas e tentando saber o que iria ocorrer. Um pouco mais afastadas, estavam as duas líderes das Lunar Senshi e a líder das Asteroid, conversando sobre alguma coisa. Provavelmente sobre o que iria ocorrer ali, como iria ocorrer, quando começaria...
Ela por sua vez estava inquieta. Não estava muito disposta a falar ou conversar com ninguém. Sentia sua nuca se arrepiar de medo.
- Isso é loucura! Porque ela veio junto?
- Eu sei lá, princesa – disse Anne dando de ombros – mamãe não me contou nada, nada mesmo.
Serena olhou novamente para a sua irmã mais nova. Tudo bem que ela, como sailor Moon tinha que estar ali e já sabia, desde dois anos antes que também seria avaliada. Mas trazer sua irmã também foi algo que ela não esperava. Ela só iria atrapalhar.
- Mas até que é uma gracinha ver ela praticando – comentou Joynah observando a pequena princesa fazendo poses de luta e alguns movimentos de artes marciais.
Até o momento, fora a única que tinha se transformado, provavelmente empolgada por ter sido colocada, lado a lado com as mais velhas. Mas era realmente estranho. Porque ela estava ali? Nunca tinha participado de seus treinos, nunca foi realmente preparada para lutar. E nas poucas vezes em que bancou a chibi-sailor, atrapalhou muito mais do que ajudou.
- Acho que ela vai ser a \"vítima\" para ser salva – arriscou a princesa.
- Se for – disse Anne suprimindo um sorriso – nós é que vamos precisar ser salvos. Lembra daquela vez em que os fantasmas apareceram ao lado do cinema?
- Acha que me esqueço daquilo? – Serena olhou para cima e sorriu meio encabulada – ainda bem que ninguém viu.
- O Yokuto viu – alfinetou Joynah.
- Ele não conta! – respondeu a princesa rapidamente – além disso, não viu nada que já não tenha visto. Mas aquela baixinha ainda me paga pelo que me fez. Ora bolas!
- Está botando a culpa nela? Você é que estava tomando banho quando a chamamos. Devia ter vestido algo antes de se transformar. E foi você quem reverteu a transformação no meio da rua.
- Não comecem! – ela ficou muito envergonhada, coisa facilmente traduzida pelo seu rosto avermelhado – eu apenas me distraí, está bem? E foi a baixinha quem se meteu a lutar contra aqueles fantasmas – ela cruzou os braços e bufou um pouco – que doida! Ficou logo na minha frente e não pude fazer nada. Apenas ver ela fazendo besteira.
- Pelo menos o ataque dela não fica no meio do caminho...
As duas começaram a rir, lembrando-se do que viram quando voltaram ao passado e presenciaram como a então chibi-moon – a princesa diante delas – tinha um poder que no máximo deixava o inimigo nervoso. Isso, lógico, quando o ataque chegava até o inimigo.
- De novo não... – Serena estava mais envergonhada ainda – porque você não vai se agarrar no seu noivo enquanto esperamos começar a festa aqui?
Joynah sorriu levemente, e esfregou os dedos no anel de prata que tinha ganho de presente dele. Ainda não eram noivos, mas logo seriam. No fim do próximo ano ele e ela seriam noivos e então...
Ela nem chegou propriamente a pensar nisso, apenas fechou os olhos e se imaginou em uma roupa de noiva linda! Toda branca e com detalhes esverdeados. Queria ser a mais bela noiva de sua família. E seria, apostava nisto. Ela, seguindo para o altar por sobre um tapete grosso vermelho. Bem felpudo! Toda a igreja decorada com laços e flores. Hum... estranho, mas pensar nisso a lembrou que talvez houvesse briga para saberem quem seriam as damas de honra. Bom, a daminha até que era fácil escolher. Ela abre os olhos e torna a observar a pequena princesa, ainda ocupada com seu \"treinamento\" especial. Na verdade, ela estava mais era fazendo pose e fingindo dar alguns golpes.
Anne e Serena observaram a amiga e logo perceberam que ela estava no mundo dos sonhos de novo. Bom, não iam perturba-la. Mas ficar ali no meio de uma cratera esperando alguma coisa acontecer já estava dando nos nervos!

-x-

A adolescente espalmou as duas mãos no vidro da grande janela do aeroporto e observava a cidade com olhos arregalados. Fazia tanto tempo que estivera ali da última vez... suas primas eram ainda crianças...
Incrível como tinha se acostumado com a vida tranqüila e as vezes árdua da fazenda. Certo, era puxado acordar as três da manhã, treinar por uma hora, cuidar dos animais da fazenda e depois ajudar seu pai na colheita dos pomares subterrâneos. Dormia as oito da noite, bem cansada pelo trabalho duro.
Mas era uma vida as vezes monótona. De vez em quanto ia passear em uma das cidades próximas, onde podia curtir um pouco. Mas nada das vezes em que estivera em uma cidade realmente grande.
E agora, ali estava ela. Sozinha em Tóquio de Cristal. Bom, não exatamente sozinha, mas sem os pais a acompanhando. E nem estava indo visitar uma de suas tias, estava acompanhando seu irmão e a namorada dele para uma reunião com a rainha Serena.
Ou melhor dizendo: Ela e seu irmão estavam acompanhando a namorada dele, a emissária do reino dos Youmas para uma audiência com a soberana da cidade.
Isso! Agora estava tudo certo. Só que ela queria dar umas voltas pela cidade. Conhecer o parque da canção que sua tia tanto lhe falou, e que suas primas quase sempre estavam ali. Quase toda noite alias. Passear no parque do lago... quem sabe até arrumar uma paquera passageira? Afinal, ela era nativa daquele país, e mesmo tendo se ausentado por séculos, ainda se sentia como uma japonesa.
Claro que andou adquirindo alguns hábitos novos, mas, mesmo assim, não iria perder sua cultura tão facilmente.
- Maya! – chamou seu irmão, a tirando de seus pensamentos – nós temos um horário a cumprir. Depois você pode se encantar com a cidade, está bem?
- Chato! – exclamou ela fazendo uma careta enquanto se afastava da vidraça – Nem posso olhar para a cidade direito. Sabe quando foi a última vez em que me diverti por aqui?
- Trezentos anos – respondeu o rapaz sorrindo – sei disso porque eu estava junto, lembra-se? Foi quando você se despediu da \"turminha da Lua\".
- É.. – uma pontada de saudade apertou seu coração naquele instante – é mesmo... bem. Vamos indo. A rainha não pode ficar esperando, e nossa embaixatriz aqui tem que voltar cedo para casa, senão o pai dela vai soltar fogo pelas orelhas...
- Você é tão sarcástica quanto seu pai, sabia? – disse a Moça que era, no momento, a única representante do outrora conhecido Reino Negro.
- Sabe como é... a convivência...
- Porque disse isso olhando para mim? – o moça de cabelos rosas pos as mãos na cintura e a encarou com seriedade.
- Como um antigo e quase mítico sábio disse uma vez... \"se a carapuça servir...\"
- Certo... já chega vocês duas. Vamos indo. Se me lembro bem, tem um metrô que sai daqui diretamente para o portão leste do palácio.
- Metrô não, transporte subterrâneo – corrigiu a moça de cabelos rosas se agarrando no seu braço – metrô é como ele é chamado lá na sua terra.
- Grato pela \"aula\", minha linda.
Eles seguiram pelos corredores até acharem as placas indicativas de para onde deviam seguir. Maya contou pelo menos três pavimentos antes de chegarem ao nível em que o metrô, ou melhor, o transporte subterrâneo estava. Não precisaram esperar muito, dois minutos depois um trem parava na plataforma e abriu suas portas, esperando seus passageiros. O trio entrou em um dos vagões e seguiram ao seu destino.
O palácio de cristal.

-x-

- Que tédio! – exclamou Rita olhando para cima. Já esperavam ali fazia duas horas, e nada de ninguém sequer dar as caras. Será que foram enganadas? Ou então talvez tenham ido para o local errado. Podiam ter se perdido no caminho, afinal, estavam longe da cidade, bem longe por sinal, a pelo menos três quilômetros da rodovia mais próxima. Era um local bem isolado e despovoado.
Ela olhou para a esquerda e reparou que Suzette e Allete conversavam alegremente, e a sua direta estava a princesinha brincando de ser lutadora. Diana estava mais adiante, literalmente dormindo sob a luz do Sol. Afinal de contas... o que iriam fazer ali?
Será que já estavam em um teste? Um teste de paciência? Ou seria um teste de raciocínio? Bem que podia ser. Eles deviam descobrir o que tinham de fazer ali, naquele fim de mundo. E o que seria isso? Medir o tamanho daquela cratera? Descobrir como ela surgiu? Talvez tivesse sido o impacto de um meteoro. Ou uma bomba, talvez. Ela sorriu com a idéia. Talvez ali fosse um local de testes de armas, e estavam ali para serem os alvos desta.
Ou talvez não.
Seja como for, estava entediada de ficar esperando. A princesa e Joynah estavam em um canto afastado, ambas cuidando de serem abraçadas pelos namorados. Anne apenas permanecia com as mãos na cintura, olhando ao redor com o seu visor, analisando tudo. E ela estava sentada ali no chão. Um chão duro, áspero e, salvo por uma vegetação rasteira e umas flores silvestres, totalmente estéril.
Era pura rocha, coberta por uma camada fina de terra meio seca, quase feita de areia. Só devia ficar por ali mesmo porque o vento tinha dificuldades em soprar com força ali, e, logicamente as raízes das gramíneas as mantinham no solo, impedindo a erosão do vento.
Gramíneas... nome técnico para vegetação rasteira... até ali estava pensando na escola. Pior! Estava pensando em matéria de escola. Estava entediada mesmo! Bom – ela se levanta e bate na sua saia para tirar a poeira desta. Olha ao redor e tudo estava como antes. Bom, lá não tinha cubic music, holovisão, e nenhuma cadeira para se sentar e bater papo. Nem tinha árvores ou outra coisa interessante para por os olhos. Claro, tinham aqueles gêmeos lindos, mas se ficasse olhando muito para eles, duas amigas suas iriam se tornar inimigas rapidinho. E se olhasse para as moças, poderiam pensar besteiras a seu respeito.
Especialmente Anne...
- Chega! Pelo poder da lua Miranda, TRANSFORMAÇÃO!
Todos os presentes olharam ela se transformar, imaginando que ela talvez tivesse visto algo por ali que indicasse que fosse começar o torneio. Mas não. Cinco minutos se passaram e nada ocorreu. A não ser a sailor Miranda começar a \"treinar\" com a sailor chibi Moon. Pelo menos, aquilo ocupava eles por uns instantes.
Ninguém reparou na fina camada de terra do local começar a se mover como se fosse soprada por um vento inexistente.
- Vai baixinha! – incentiva Serena, se divertindo com sua amiga se esquivando facilmente da pequena e aproveitando cada brecha para fazer cócegas nela.
- Eu não sou baixi... ai! Para, para, para! – implorava ela quando sua oponente se aproveitou e novamente lhe fez cócegas – por favor... ai! Tá bom, eu desisto.
- Ótimo – disse a sailor a liberando – então agora nunca mais vai reclamar de a chamarmos de baixinha, sua baixinha.
- O QUE! – ela cerrou os punhos e se pos na ponta dos pés – eu não concordei com isso.
- Agora é tarde, baixinha...
- Argh!
Furiosa, chibi Moon começou a correr atrás da sailor, que divertia-se esquivando-se dela com facilidade. A nova seqüência de treinos que todos foram submetidos por suas famílias estava tendo algum resultado. Miranda estava bem mais rápida do que se lembravam, muito mais!
- Bem princesa – disse Anne se aproximando do casal apaixonado – parece que já temos o primeiro resultado deste \"torneio\".
- Parece... – ela estava meio distante com os pensamentos – mas onde está sua mãe, heim?
- Não sei. Não a estou sentindo. Acho que talvez tenha acontecido alguma coisa... estou começando a ficar preocupada. Só estamos nós por aqui. Nenhum de nossos pais está próximo. Acho que vou ligar para ela. Só falta um dos generais ter dado as caras de novo na cidade.
- Espero que não... – Serena sentiu um calafrio o se lembrar de como foi da última vez em que um deles apareceu – Eles são muito superiores aos fantasmas.
- São muito superiores a gente, isso sim – confirmou ela o que a amiga não tinha coragem de dizer – aquela mulher simplesmente nos ignorou. E tinha meios e capacidade para isso.
- Acha que... – Yokuto entrou na conversa, percebendo como sua namorada estava preocupada – vão nos deixar de fora de tudo isso?
- Eu deixaria. Não podemos fazer muita coisa, e na verdade somos até alvos, como a Hotaru me disse. Somos os calcanhares de Aquiles das sailors e guardiões. Nesse ponto, eles estariam certos de nos deixarem longe.
- SOCORRO!
Todos se voltaram na direção da voz, e viram, estarrecidos, Diana saltando para escapar de uma mão monstruosa que quase a atingiu. Uma mão que pertencia a um gigante de quase cinco metros, coberto de um tipo de areia fina suja e que se movia com uma velocidade que não fazia sentido, dado o seu tamanho, como Anne e Suzette avaliaram imediatamente.
Só que, fazendo ou não sentido, a criatura estava se movendo assim, e agora ia na direção da princesinha e da única sailor que tinha se Transformado, que, por sinal, já atacava a criatura.
- Caleidoscópio de Miranda!
A bola de luz foi certeira contra a criatura, mas para aumentar a surpresa de todos, quando a atingiu abriu um buraco no seu peito – ou algo que se parecia com isso – revelando que a mesma era...
Oca por dentro?
Em poucos segundos, todas se transformaram. Os cavaleiros de Marte atacaram a criatura para dar as suas colegas tempo suficiente para isso, Herochi com bolas de fogo e Youkuto com bumerangues de fogo. Só conseguiram o mesmo que Miranda: Abrir buracos no corpo da criatura.
Buracos que estavam sendo novamente fechados com mais terra fina que era sugada do solo.
- Um elemental? – murmurou Titã começando a acionar o seu visor, tentando descobrir que tipo de ser era aquele.
Enquanto seus companheiros começavam a atacar a criatura, ela fazia suas análises, avaliando os sensores de seu equipamento e o que estes podiam captar. E para a sua surpresa, estes apenas captavam o movimento de partículas finas de terra que formavam o \"corpo\" da criatura.
Era só o que podia captar. Apenas poeira animada. Nada além disso. Pelo seu visor, aquela coisa não podia estar viva, muito menos se movendo.
Ela salta para escapar de um soco da coisa que não devia estar viva. Seja como for, viva ou não, era um oponente e parecia decido a fazer panqueca deles. Era hora de entrar em ação.
- Ariel – comandou ela – lance um tornado contra a criatura, Fobos, assim que o tornado a atingir, lance o máximo de chamas que puder para calcinar esta coisa. Terra, organize seu grupo e o resto protejam a princesinha!
Miranda e Diana pularam ao lado de chibi Moon e correram – cada qual segurando uma mão dela – para longe do perigo. Nesse momento Ariel lançava o seu ataque, ao passo que Fobos gerava uma grande quantidade de chamas ao seu redor, aguardando o momento certo.
Titã observava a criatura e a reação desta ao ataque coordenado. Aquilo não podia estar vivo, mas estava – será que era alguma magia antiga que foi despertada? – não podia se mover, mas se movia. E apesar de ser oco por dentro, as crateras que abriu no solo com seus socos demonstrava que era bem sólido. Mas o quanto seria sólido? Quando o tornado da sailor atingiu a criatura, grandes partes desta foram arrancadas, deixando a mesma com um braço decepado e com uma perna sem a parte correspondente ao joelho. Logo em seguida as chamas do cavaleiro a atingiram com fúria total!
Mesma a distância de uns vinte metros em que se encontrava, ela sentiu o calor das chamas. Eram fortes o suficiente para derreter a mica() o que se encontrava na poeira que rodeava a criatura e fundi-lo, o que deveria imobilizar a criatura. Isso, lógico, se houvesse material suficiente ali para tanto.
() componente para se fazer vidro. Geralmente encontrado em areia. (os egípcios já faziam vidro)
No entanto, por mais que as chamas fossem arremessadas contra ela, a criatura continuava a se mover – e a se recompor – se aproximando mais e mais de Fobos. E não parecia sentir os ataques das bolas de energia de sailor Terra ou o jato de lava da sailor Calisto.
- Diana – rugiu Titã pelo seu comunicador – tire Fobos de lá!
Pouca coisa antes do solo abaixo dos pés do marciano ser atingido pelo bate estacas que era aquele punho descomunal, Diana agarrou-o e o tirou de lá, para o alívio da princesa, que já se preparava para atacar a criatura também.
No entanto, Titã começou a ficar mais e mais preocupada. A coisa até o momento não sentiu nada do que tinham feito. Nada! E isso só lhe dava uma escolha lógica e sensata: Precisava pedir ajuda. E imediatamente!