Herança

Capítulo 40


Com um certo cuidado exagerado, as duas caminharam mais um pouco, seus corações traindo o semblante calmo que mantinham em seus rostos. Diante delas, as folhas das últimas árvores se afastavam e ambas divisaram uma construção magnífica.
- Nossa! – murmurou a princesa impressionada.
E não era para menos... aquela construção estava totalmente intacta, como se tivesse sido acabada de ser feita. As colunas de mármore chegavam a refletir levemente o brilho avermelhado do céu. A parte que estavam olhando possuía três colunas, uma de cada lado de uma espécie de porta ou entrada. Esta entrada possuía um arco logo acima, e neste arca havia um símbolo. Joynah estava boquiaberta demais para observar o símbolo ou algum outro detalhe. De uma forma um pouco alucinada, ela ficava impactada com aquela visão. Tanto que só depois de muitos segundos foi que percebeu que haviam duas estátuas ali, uma de cada lado da entrada. Considerando que cada estátua tinha cerca de dois metros de altura, ela tinha ficado realmente muito impressionada.
Levou um certo tempo para ambas processarem aquilo tudo. Ficavam olhando de um lado para o outro observando detalhes e tentando responder a estranha pergunta que lhes martelava a mente: O que significava aquilo?
- Joynah – chamou a princesa quando finalmente percebeu que já era a terceira vez que olhava para uma daquelas estátuas e tinha a mesma descoberta – nós não vimos uma estátua igual a essas ai na Lua?
Joynah apenas balançou a cabeça concordando. Ela tinha sua própria descoberta que a deixava um pouco \"travada\" em seus pensamentos. Finalmente tinha percebido o símbolo inscrito no arco acima da entrada daquele... bem, daquele templo.
- Joynah?
Ela apenas apontou para o símbolo em resposta. Serena seguiu a ponta de seu dedo e olhou o arco e a forma piramidal deste. Não era algo assim muito inédito, exceto por ter o mármore em um tom azulado com detalhes avermelhados.
Até que ela acabou percebendo, e ficou de boca aberta. Ela viu o circulo com uma cruz no seu centro e murmurou com lentidão:
- Terra...
- O meu símbolo – disse Joynah.
- Seu símbolo nada! – a princesa subitamente tinha saído do torpor que toda aquela construção lhe causou - Você não é a sailor Terra, apenas tem esse título em caráter honorário. Nunca mais poderá haver uma sailor Terra. Ao menos, não uma verdadeira.
- Muito obrigada, princesa – disse Joynah um pouco desgostosa. Apesar dela nunca ter se incomodado com o fato de que não era realmente uma sailor, sempre ficou satisfeita de poder ser considerada em pé de igualdade com estas.
Mas hoje foi a primeira fez que ficou triste por isso. Por um motivo que ela não conseguia entender, ela se sentiu agoniada de não poder ter se tornado o que o broche da primeira sailor Terra \"desejava\". Ele a selecionou com sucessora, mas não podia lhe dar a capacidade necessária para tanto.
- Joynah... desculpe. Eu...
- Tudo bem Serena... palavras amenas não mudam o fato de que sou uma sailor de imitação.
Princesas...
As duas deram um pulo para trás ao ouvirem aquilo. Era como um murmúrio, algo muito baixo. Tão baixo que logo depois ficaram em dúvida se realmente tinham ouvido algo ou se tinha sido apenas o vento.
- Ouviu isso?
- Não sei Joynah... parecia como que um sopro de vento... só que articulado em palavras.
As duas se entreolharam, indecisas quanto ao que fazer a seguir.
- Vamos entrar?
- Porque? – perguntou Joynah com os olhos quase fora do rosto – não estou mais curiosa não.
- Hum... está com medo, não é?
- Sou corajosa o bastante para dizer isso – ela empinou o nariz – e você?
- Claro que eu tenho coragem o bastante para dizer que tenho medo – respondeu ela – Só que... ainda sinto que devo entrar lá dentro.
- Eu também...
As duas suspiraram e se aproximaram da entrada. Olharam ao redor e não viram nada. Nem mesmo ouviram. Era como se todos os pássaros tivessem ficado subitamente quietos. Mesmo o vento não se fazia notar.
Elas olharam uma para a outra e se deram as mãos. Ficaram alguns segundos enchendo-se de coragem e entraram assim, juntas e com as mãos dadas. Se algo acontecesse, uma puxaria a outra para fora rapidinho.
Porém elas logo esqueceram o medo e ficaram mais deslumbradas ainda. O interior da construção era incrível! Lá dentro havia um conjunto de colunas que formavam um quadrado ao redor de uma fonte. As paredes de mármore avermelhado possuíam jardineiras cheias de flores, que iam de parede a parede. Próximo a fonte haviam vasos de barro enormes com mais flores. A iluminação provinha de aberturas no teto estrategicamente colocadas, dando uma coloração um pouco amarelada ao ambiente interno.
Embevecidas pela imagem, as duas se aproximaram da fonte e notaram que no centro desta havia uma estátua. Ela tinha a mesma figura que tinham visto na Lua dois anos antes, e também era a mesma figura que ambas tinham visto desenhada no jardim quando chegaram com os flutuadores.
A figura da sailor Terra.
Elas ficaram observando a estátua por um bom tempo antes de se lembrarem que estavam ali por um motivo ainda obscuro.
- Bom... e agora?
- Você quem é a sailor Terra por aqui, você é quem tem de decidir.
- Decidir o que? Eu ainda sinto algo me chamando. Algo daquela direção – apontou para uma parede que estava ao fundo daquela fonte – vamos.
Sem esperar resposta, ela contornou a grande fonte quadrada e seguiu para onde tinha indicado. Pelo som dos passos Serena estava logo atrás dela. Quando chegou a metade do caminho ela viu o que tinha na parede. Portas. Quatro portas fechadas. Continuou andando até ficar diante de uma e ficou pensativa.
Havia um desenho naquela porta. Desenhos de linhas ondulantes... meio parecidas com aqueles desenhos de mapas históricos de navegação antigos do século XV para indicar vento. Intrigada ela deu alguns passos para a sua direita até ficar diante de outra porta. Nesta as linhas tinham uma forma diferente, mas era mais facilmente reconhecida. Era fogo. Andou depressa para a terceira porta e novamente haviam linhas nesta, mas desta vez eram linhas ondulantes.
- Água – murmurou com um sorriso.
Fazia sentido. Havia o símbolo da Terra na entrada dali, havia uma estátua da sailor Terra ali dentro, e encontrara desenhos de ar, fogo e agora água. Andou para a última porta e sorriu ao facilmente reconhecer o desenho de rochas. Os quatro elementos.
- Este lugar tem alguma coisa a ver com a sailor Terra – disse para a princesa – mas não consigo imaginar muito bem o motivo. Será que é um templo de adoração?
- Será mesmo? – ela não parecia muito excitada com as informações – eu não sei não.
- Serena... – agora ela ficou sem paciência – tem uma estátua igual a da sailor Terra que vimos na Lua ali na fonte, e estas portas tem o desenho dos quatro elementos. O que mais você precisa para somar dois e dois?
- Uma calculadora – respondeu brincando – que tal abrirmos estas portas para sabermos o que está nos chamando heim?
- Tudo bem – disse ela – vamos ver.
Joynah tentou abrir primeiro, mas a porta nem se mexeu. Deu um soco forte na porta para confirmar o som oco, e viu que ele estava lá. Não era algo maciço mas era mais resistente do que ela. Mais resistente do que a força das duas juntas. Mas com certeza não devia ser mais resistente que a força da sailor Terra.
Sem comentar nada a Serena ela pegou seu broche na sua bolsa e falou bem alto as suas palavras.
- Pelo poder do Planeta Terra!
- JOYNAH! – gritou a princesa, mas já era tarde. A sailor Terra emergiu da bola de luz que tinha envolvido Joynah e sorriu de forma sapeca para ela.
- Como você disse, sou mais moleca que você...
- Lindo... – comentou ela com a boca torta e cruzando os braços – bom, já que se transformou vá em frente.
Ela se aproximou da porta da terra e espalmou as suas duas mãos nesta. Fez um grande esforço para empurra-la, mas ela novamente nem se moveu.
Surpresa, sailor Terra se afastou e observou a porta com os olhos demonstrando seu assombro. Aquela porta de madeira não podia agüentar tanta pressão.
- Do que isso é feito?
- Não sei princesa... mas seja do que for, agüenta mais do que duas toneladas de pressão – ela olhou para as suas mãos com uma careta – já é a segunda vez que percebo que não sou tão forte assim. Acho que só minha mãe vai poder forçar isso.
- Que tal usar uma bola terremoto?
- Melhor não – murmurou em resposta – ela pode destruir a porta e danificar o que estiver do outro lado. Além disso, não acho que seja certo causar destruição aqui. Está tudo tão bem feitinho...
Ela tentou forçar as outras portas, mas obteve o mesmo resultado. Desanimada, ela decidiu reverter a transformação antes que sua fome começasse a aumentar. Olhou novamente para as portas – agora com um sentimento de tristeza – e se afastou lentamente destas, seguindo o beiral da fonte que ficava no centro daquela construção.
Andava cabisbaixa. A impressão que tinha era a de que fracassou em alguma coisa. Parecia ser muito importante poder abrir aquelas portas, mas viu que não seria capaz daquilo.
Não sozinha.
- Joynah?
- Eu estou bem Serena. Juro que estou. Apenas acho que me sinto um pouco derrotada. O que será que é tudo isso?
Serena olhou ao redor e sorriu de repente. Devia ter acabado de ter uma de suas grandes idéias.
- Que tal perguntarmos para Anne? Com certeza ela vai adorar dar uma olhada por aqui.
- Hum... – pensou ela coçando o queixo. Com certeza Anne iria dar uma grande bronca nelas por terem ido além dos limites e talvez por quase terem estragado alguma coisa importante para a arqueologia. Mas também não iria resistir a dar uma olhada – boa idéia. Vamos.
As duas saíram da construção e seguiram o caminho inverso que tinham feito no meio das árvores.

-x-

Em um dos muitos bancos públicos espalhados pelo sítio arqueológico, uma adolescente e uma criança estavam observando atentamente a tela virtual de um computador pessoal. A adolescente relia em voz alta os dados armazenados, enquanto que a criança ficava debruçada em seu ombro olhando a imagem com interesse. Muito interesse na verdade...
- Crisântemos, margaridas, petúnias, rosas amarelas, azaléias...
- Não esquece das tulipas!
- Não esqueci não princesinha – Suzette sorriu para ela – está tudo aqui. Mas ainda acho que seu jardim é muito pequeno para por tudo isso. Tem certeza de que quer fazer isso mesmo? Não é algo assim muito fácil sem planejar antes.
- Eu faço um desenho no computador primeiro – retrucou confiante – você vai ver. Vai ficar lindo! – ela ficou dando pulos de alegria antecipada em cima do banco - lindo, lindo, lindo!
Suzette não pode evitar de ficar sorrindo com a alegria da pequena princesa. A maior parte do tempo ela era um doce, embora haviam aquelas ocasiões em que ficava muito irritante.
- Aí estão vocês! Tinha razão Anne...
Ela olhou na direção da voz e viu Rita e Anne se aproximando.
- E estava duvidando de mim? – perguntou Anne – eu sempre encontro qualquer uma de vocês. É só estarem ao alcance.
- Então só falta a princesa e Joynah – comentou ela – onde estão?
- Como assim só falta elas? Por que estão nos procurando?
- Há maninha, o grande evento vai ser daqui a meia hora, e os monitores pediram para que todo mundo ficasse reunido onde os flutuadores estão estacionados para assistir tudo de camarote. Se bem que acho que o motivo real é para ser mais fácil reunir todo mundo para irmos embora.
- Já? – Suzette olhou para o céu e percebeu que a noite já estava começando – puxa... o tempo voou mesmo! Nem percebi. Vamos Sereninha... vamos ver o show.
- Que show? – perguntou a pequena claramente intrigada.
- Sua distraída! Esqueceu que vai haver uma reconstituição de todas as ruínas com hologramas?
- Reconquistar o quê?
- Deixa para lá – disse Anne sorrindo – eu vou chamar aquelas duas, vocês podem ir na frente – ela andou rapidamente e ao cabo de dez passos se virou para elas e gritou – e guardem lugar na primeira fila para mim!
Suzette observou ela se afastar enquanto esperava que a pequena princesa guardasse o mini computador dela. Não se lembrava de quando tinha sido a última vez em que tinha visto Anne assim, totalmente satisfeita sem nada aparentemente ocupando sua mente.
Era bem verdade que sob muitos aspectos ela era perfeitamente normal, exceto em um. Sempre estava pensando em alguma coisa. Parece que ela é incapaz de relaxar totalmente. Mesmo quando está passeando, indo com as amigas no shopping ou simplesmente assistindo a um filme de qualquer tipo dá para perceber que ela está pensando em outra coisa ao mesmo tempo.
Enfim... finalmente ela veio ver as ruínas. Ela ficou meses fazendo comentários desta visita. Desde que o anúncio tinha sido posto no quadro de avisos da escola. Ficou horas na biblioteca municipal se informando sobre estas e obtendo qualquer tipo de holoprojeção a respeito. Chegou até mesmo a pedir para que suas mães trouxessem holocubos de documentários feitos por empresas nos países em que estas iriam fazer serviço diplomático.
- Vamos? – perguntou a pequena segurando na sua mão – eu já estou pronta.
- Que bonitinha – comentou Rita – você é muito educada quando quer ser, sabia?
Soltou uma risada quando ela mostrou a língua para Rita. Aquela baixinha só era um doce quando estava contente. E tinha ficado muito contente com esta visita aos jardins dali. Ela própria gostou daquilo, assim como Diana e Marina. Ainda bem que seus irmãos não quiseram vir. Seria uma dor de cabeça cuidar dos três ali.