Herança

Capítulo 25


- Diana? Tudo bem?
O som da voz de sailor Moon a forçou a encarar o seu rosto preocupado. Não, ela não estava bem. Passara por uma situação assustadora, de grave risco para a sua vida. E o pior... não se lembrava de como tinha ido parar naquele trem.
Lembrava-se de olhar para os olhos dele... aqueles olhos de caçador. Olhos que eram terrivelmente ameaçadores, mas não da maneira que estava acostumada. Não pareciam que tinham uma chama assassina, muito menos ódio profundo. Era vazios... sem brilho... mortos...
Como se... ele não tivesse alma.
- Estou bem – mentiu ela – apenas um pouco perturbada com tudo.
Muito perturbada. Quando se viu livre da caixa, tudo o que pensava era no ultraje que tinha passado. Como ele ousou imobiliza-la em uma caixa com espaço tão confinado assim? Ela era uma malviana! Detestava ficar presa! Odiava! Ficava praticamente insana em uma situação assim. Não podia tolerar ou suportar ter seus movimentos restringidos. Era o pior tipo de tortura a qual podia ser submetida.
Mas... como ela tinha ido parar lá? não se lembrava. Só se lembrava de ter olhado para ele, para os seus olhos. E gritar como louca, rezando para que alguém escutasse. Como tinha parado lá na caixa? Ela sentia dores terríveis na sua nuca, o que talvez indicasse que ele a tinha nocauteado.
E por que prende-la ali? Podia ter simplesmente se livrado dela – ela tremeu ao pensar nisto – rápido, tranqüilo, discretamente...
Mesmo apavorada agora com o que poderia ter sofrido, ela não conseguia evitar de pensar de forma analítica – como sua mãe a tinha treinado – sobre o que tinha ocorrido. Aquela criatura podia se disfarçar entre humanos. Podia andar livremente pela cidade sem ser percebida... podia... podia...
Ela começou a perder o controle do seu medo. Podia fareja-la agora! Conhecia o seu cheiro, tanto quanto ela conhecia o dele. Não poderia se esconder. Em nenhum lugar. Podia caça-la lentamente, devagar, brincando com ela. Com suas emoções, seu medo.
- Já estamos chegando.
Olhou para a frente e viu o grande castelo reluzindo a cor do luar branco azulado. Ele estava lindo! Lindo mesmo. Poucas foram as vezes em que o tinha visto iluminado a noite, e menos ainda do alto, como agora. Será que sua mãe estava muito preocupada com ela? Será que iria lhe castigar? – claro que iria! ela merecia por ser tão incompetente assim. A conselheira das sailors juniores, quer dizer, das lunar senshi – ela também gostava do termo lunar – ser pega assim, de forma tão infantil. O que é que ela tinha na cabeça para perseguir aquela criatura pela cidade, sem avisar ninguém? Sem imaginar o perigo que podia estar correndo? Será que achava que alguém sempre iria surgir para salva-la em cima da hora?
Bom, ela foi resgatada, mas, se aquela criatura quisesse mata-la, ninguém conseguiria fazer algo a respeito. Todos teriam chegado tarde. Tarde demais. Talvez encontrassem o seu corpo desmembrado em algum local isolado. Como sua mãe reagiria a isso?
Choraria, sem dúvida. Se culparia de ter deixado ela desprotegida, de ter educado ela de forma displicente. Talvez a culpasse por ser tão cabeça dura. Desculpe mamãe... eu fui uma boba, uma idiota que não pensou bem no que estava fazendo.
- Não chore, Diana – ela passou os dedos nos seus olhos para retirar as lágrimas que tinha começado a verter, devido aos seus pensamentos – está tudo bem agora. Você está a salvo.
- É – ela sorriu fracamente – estou. Pelo menos, até minha mãe me vir...
Até que deu para dar uma pequena risada daquilo. Mas, quando começaram o movimento descendente, a pequena brincadeira iria em breve se tornar realidade.
Sailor Moon pousou diante da entrada do palácio e colocou Diana no chão, com cuidado. Ela ficou um pouco parada ali, sentada. Tinha medo de entrar e encarar sua mãe. Nem sabia se devia assumir a forma humana. Talvez fosse melhor ficar na forma felina mesmo, como seus pais quase sempre ficavam.
- Não vai se transformar? – Perguntou sailor Moon, quer dizer, a princesa Serena para ela.
- Tá... tá bom.
Sem saber exatamente o porque, ela assumiu sua forma humana. Talvez tivesse feito apenas para a gradar a amiga, ou então, queria estar com pernas para sair correndo mais facilmente, ou ainda, ficar com aquele olhar de súplica que deixava todos com pena dela... mas o fato é que, depois que se transformou, ficou com os braços para trás, cabisbaixa, sem vontade de entrar no castelo.
- Estou achando que você está com medo...
- Claro que estou! Nunca fiz uma arte deste tamanho. Eu podia té ter... não quero nem pensar... como será que ela vai me castigar, Serena? – perguntou agoniada – será que vai me tirar da escola? Vai me proibir de agir como humana?
- Hum... – Serena estava impressionada com o seu medo – isso é com ela. Alias, olha ela ai!
Na porta do palácio, estava sua mãe. Em forma humana, com sua eterna e monótona roupa amarelada. Diana começou a tremer de medo. Mais medo do que quando o klartiano estava com ela nas mãos.
- Mãe... eu... eu... gulp
Ela estava preparada para tudo. Para ouvir uma bronca, para receber um senhor castigo, até mesmo para levar uma bela de uma sova dela. Não podia esperar outra coisa de sua mãe, afinal, ela era a conselheira da rainha, e a foi por séculos, sempre sendo o ponto de equilíbrio e de bom senso desta. E, sendo sua mãe, e, principalmente, tão exigente com seus deveres e responsabilidades, não iria deixar aquilo em branco. Ela tinha quebrado as regras de novo, na verdade, demais.
Podia ter sido morta, e ninguém saberia a respeito, até ser tarde demais. Ninguém tinha percebido um dos líderes inimigos andando tranqüilamente pela cidade, só ela, e, ainda assim, por mero acaso. Sua mãe deve ter ficado muito preocupada. Podia ver como seus olhos estavam vermelhos, mesmo agora, em que ela tinha assumido sua forma humana – ela vai lhe dar uma surra mesmo, pelo visto – podia-se perceber como seus olhos sofreram com as lágrimas que deles escoaram.
Fechou os olhos e esperou por seu justo – fato raro, ela considerar isto justo – castigo, do qual ela não iria reclamar. Bom... talvez chorasse, implorasse por piedade, ficasse meses e meses sofrendo para recuperar a confiança que sua mãe tinha nela – hum... vamos pular esta parte.
Para tudo ela estava preparada... menos para aquilo. Provavelmente ninguém estaria preparado para tal coisa. Ela sentiu os braços de sua mãe a envolverem e a apertarem forte, com força, com segurança, com carinho... ela também a ouviu choramingar, e, logo, sentiu um líquido quente escorrer por sua face, aquela em que a face dela estava encostada.
Luna estava abraçando sua filha, chorando de alegria, por ela estar a salvo e bem. E isto deixou Diana muito pior do que já se sentia. Só agora realmente podia se dar conta de como devia ser importante para sua mãe. Sua mãe tinha esquecido tudo, a raiva, a disciplina, a angústia que sofreu... tudo esquecido para satisfazer a necessidade de expressar sua alegria. Foi tão tocante que Diana começou a chorar também, e a retribuir o abraço carinhoso dela.
Claro que, assim que o momento passasse, viria o castigo. Mas... até, lá, nada como tirar uma casquinha da situação.
- Desculpe, mamãe... eu...
- Shhh! – fez ela, pondo a mão na sua boca – não fale. Não fale nada. Eu só quero agora abraçar você... minha filhinha... minha única filha, que me trouxe tantas doses de alegria e outras tantas doses de dores de cabeça. Só quero ter certeza de que está bem – ela a afastou um pouco e a observou, segurando docemente os seus ombros. Podia ver ela chorando livremente. Mas era de felicidade – Júpiter me falou o que você sofreu... sei como deve ter ficado angustiada por ficar presa. Sei muito bem... mas... você sabe que fez uma coisa muito imprudente!
- Sim mãe – ela abaixou a cabeça – eu sei. Por favor – ela começou a chorar aos prantos – eu aceito qualquer castigo, mas, não me proíba de agir e viver como humana! Por favor!
- Calma... – ela sorriu curiosa – porque acha que eu faria uma coisa destas? Não sou uma tirana. Vem... tome um banho bem quente e gostoso e vá dormir. Conversamos amanhã.
- Sem castigo? – perguntou ela curiosa.
- Você faz questão mesmo? – ela estreitou os olhos e sorriu com uma certa malvadeza.
- Não, não... estou indo tomar banho – e disparou para dentro do castelo, deixando sua mãe – claramente aliviada – a observar subir as escadas.
- Olha... – disse Serena – até eu estou curiosa... pensei que iria dar uma bronca danada nela.
Luna olhou para a princesa, sorrindo docemente.
- Não é tipo de situação acertada para isso – disse olhando para o chão – não foi uma arte de adolescente... ela quis cumprir com suas obrigações... mas ainda é muito inexperiente.
- Parece que você também andou aprendendo algumas coisas com a minha mãe – disse sorrindo – a Hotaru ainda está?
- Sim, está na sala de reunião das sailors, com a sua mãe.
- Então, eu estou indo para lá. Boa noite.
- Boa noite, princesa. E, obrigada por traze-la de volta.
- Disponha – disse a princesa andando apressadamente pelo corredor.

-x-

- Não seria melhor perturba-lo amanhã? – perguntou meio temerosa – afinal, já são onze da noite...
- Filha, em breve você irá ser posta a prova, para averiguarmos se pode assumir suas funções como sailor... Eu tenho certeza de que vai passar no teste, mas, ele é apenas no tocante a sua habilidade de se defender. Todo o resto, você deverá aprender atuando com a gente. E, de todas as novatas, você é a única que já vai ter uma função definida, por ser uma inner senshi. Deve aprender a não se sentir intimidada quando algumas situações urgentes exigem que se perturbe os outros.
- Como quando você apavorou o motorista?
- Sim, exatamente isso – ela sorriu – agora, vamos terminar o que viemos fazer aqui e depois vamos para casa.
- Hum... quer dizer... que não vou atuar com minhas amigas? Vou ficar no time de vocês?
- Veremos – ela sorriu – provavelmente, você continuará como líder da equipe um. Já estão acostumadas a agir em conjunto, e não seria prudente quebrar isso. Mas sua função é o de uma inner, como a própria rainha decretou. Talvez toda a sua equipe trabalhe junto contigo, nos dando apoio.
Ela sorriu com uma certa alegria indisfarçável. Teria, quer dizer, já possui as funções de uma inner! Que legal!
- Mas eu prefiro que continue com a sua vidinha de sempre... quando eu tinha a sua idade, era um certo transtorno ter essa obrigação... preferia caçar garotos, passear, viver a vida...
- Eu sei – continuou sorrindo alegremente – eu fui ao passado, lembra? Vi como vocês eram. Nem um pouco diferente da gente, exceto que...
- Sim? – perguntou curiosa.
- Sei lá... vocês não pareciam muito dispostas a arriscar a fazer coisas novas, como quando mudei o seu visual para àquele churrasco... opa! – ela ficou quieta, sabendo que tinha falado demais.
- Churrasco? – ela fechou os olhos e parecia estar forçando a sua memória – teve tantos churrascos... espera! Só teve um em que eu não estava usando o rabo de cavalo – ela começou a ficar espantada – aquele onde... onde... – olhou para a sua filha, abismada – onde eu vi o seu pai pela primeira vez...
- Pois é... – disse encabulada – eu estava apostando que tinha sido a primeira vez em que vocês se viram... e parece que acertei! Mas... que pena que não consegui ficar perto para ver como ele era quando mais jovem. Nem vi vocês dançando... muito menos vi quando se encontraram... na verdade, acabei esquecendo de te vigiar, depois que a Mina nos derrotou na brincadeira de ser a primeira...
- Filhota...
- Sim?
- Você é mais curiosa do que pensei – ela riu – vamos conversar logo com Orion, antes que fique muito tarde.
Ela apertou a campainha da casa térrea e aguardou. Sabia que era tarde, mas Orion não costumava dormir àquela hora. Isso, logicamente, se não estivesse enfurnado no laboratório do castelo, fazendo alguma coisa. Talvez já fosse hora de começarem a atuar para aproximar mais ele e a... a...
- Sim? – disse a bela mulher de cabelos verdes ao abrir a porta – não é um pouco tarde para fazer uma visita?
As duas ficaram de boca aberta, e, incrivelmente encabuladas. Ali, na porta da casa, usando um robe entreaberto que mostrava a bela e sedutora camisola que estava usando, estava Setsuna! A sailor mais fria, tristonha, e solitária que conheciam. Considerando a hora, não era de se estranhar ela estar vestida assim, pois devia estar se preparando para dormir. Só que... NA CASA DO ORION?
- Hã... bem... errr... quer dizer... olha...
- O que você está fazendo aqui? – perguntou sailor Terra descaradamente, ignorando a surpresa e a falta de jeito que sua mãe ficou.
- O que você acha? – ela cruzou os braços e encostou o ombro no batente da porta, olhando divertida para as duas – sou maior de idade, emancipada, não tenho hora para chegar em casa, e acho o sexo maravilhoso, quando feito com quem se tem um sentimento muito afetuoso. Mais alguma pergunta?
- Bem... – Joynah ficou incrivelmente vermelha, sentindo que suas roupas iriam pegar fogo em breve. Não estava acostumada a ouvir tal coisa dita assim, tão abertamente. Talvez a Anne falasse assim, mas ainda não tinha motivos para tanto... agora, ouvir isso de Setsuna, era como ouvir o papa cantando rock.
- Joynah... deixe de ser indelicada – murmurou sua mãe - Desculpe perturbar vocês... mas... o Orion está ai, não?
- Ele está tomando banho – disse com um sorriso – eu estava para me juntar a ele, quando vocês tocaram a campainha. Espero que não estejam a serviço, apesar de estarem \"vestidas\" a caráter. Sabe o trabalhão que ele teve para me seduzir hoje? – estreitou os olhos e parecia muito irritada com a possibilidade das duas estragarem uma noite que prometia ser incrivelmente bela – nunca fui tão bem cortejada em toda a minha vida – ela estava olhando para cima, agora, com um sorriso de satisfação imenso – nunca mesmo. Tanto que ele merece esta recompensa – e olhou para elas com os olhos um pouco incisivos – e eu também.
- Hum... boa noite - disse sua mãe erguendo a mão se despedindo dela – falamos com ele amanhã.
- Mãe! Não vai falar...
- Sailor Terra, vamos embora. Você tinha toda razão. É melhor o perturbamos amanhã. Ou talvez na semana que vem...
- Mas... e aquilo que me disse de não ficar intimidada... – ela olhou para Setsuna, que a observava de forma impessoal, mas, estranhamente, parecia ser incrivelmente ameaçadora – hum... esquece. Boa noite Setsuna. A gente só queria que o Orion analisasse uma coisinha que achamos, não era nenhuma emergência não...
- Então, podem deixar esta coisa aqui que eu entrego para ele – disse de forma amigável.
Sua mãe parou na metade do trajeto para sair do quintal da casa e virou-se para ela. Dobrou a cabeça de lado e a encarou.
- Sabe o que vai acontecer se ele ver essa coisa?
- Depende, que coisa é essa?
- Isto – ela pegou o pequeno objeto do seu decote e aproximou-se para mostrar a ela – achamos em um trem.
- Onde Diana...
- Quieta, filhota! Ela pode ler o relatório amanhã. E é você quem vai faze-lo.
- EU! Eu tenho aula!
- Acorde mais cedo – olhou maliciosamente para ela – e aprenda a hora certa de ficar em silêncio. Não há motivo para perturba-la com coisas já resolvidas.
- Isto é uma câmara cristalo-holográfica – disse ela com o cenho franzido – onde a conseguiu?
As duas se entreolharam. Não esperavam que Setsuna soubesse o que era aquilo.
- Como sabe o que é essa coisa? – perguntou sua mãe.
- Usávamos isso no antigo Milênio de Prata. Eram câmaras de vigilância e de segurança. No meu castelo também tem algumas. Se bem que... esse modelo é diferente. É bem menor – ela o girava contra a luz de um poste de iluminação, observando a luz passar através do mesmo – mas é, basicamente, a mesmo tipo de objeto. Onde acharam?
- Você ainda quer ter sua noite memorável?
- Duvido que alguma coisa que digam possa estragar ela – sorriu confiante – diga logo.
- Em um trem no qual Diana foi trancafiada por um dos generais de Klarta – disse sua mãe com um certo constrangimento.
Setsuna olhou para ela, depois para o pequeno objeto, em seguida para a sailor Terra, que ficou encabulada de novo, depois, virou a cabeça para trás, olhando para o interior da casa. Olhou novamente para a frente, com um quase bico nos lábios. Pegou a mão de sua mãe, e a fez ficar de palma para cima.
- Até amanhã – disse ela com um sorriso amarelo, soltando o objeto na mão dela – boa noite – logo em seguida, ela entrou na casa e fechou a porta delicadamente.
- Uma ótima noite para você, minha amiga – disse sua mãe com um sorriso um pouco irônico – vamos, filhota. Eu também quero meu primeiro quinhão amoroso desta semana.
Ela a abraçou na cintura e começou a voar, em direção a sua casa. Mal podia esperar para contar a suas amigas. Setsuna e Orion... juntinhos! Ai que lindo! Se bem que... esse \"juntinho\" era muito mais do que jamais poderiam sonhar... era um claro indicio de que, provavelmente eles, um dia...
- Eu quero ser dama de honra da noiva – disse ela em voz alta – a principal!
- Só por cima de meu cadáver - disse sua mãe a encarando – vai ser a segunda dama, ponto final.
- Olha que eu deixo você cair daqui!
- Experimente! – desafiou ela.
Depois de ficarem se encarando por algum tempo, as duas começaram a rir. Só esperavam não ter estragado o clima de Setsuna com a sua visita.
- Mãe... estou com fome...