Estava eu voltando da escola. Gostava do barulho das passadas na calçada. O celular e os fones de ouvido estavam bem guardados na mochila. Minha única música era o som vívido da voz de Alison dentro da minha cabeça.

Era a terceira vez dentro de meses que eu tinha vividamente o flashback do beijo na biblioteca. Nosso único beijo. A lembrança da leve pressão dos lábios dela contra os meus chegava, ainda nos dias de hoje, pouco menos de um ano depois, a ser como tortura. Uma sensação carnal que me corroía. E ainda sim, não sonhava em viver sem tal. Sentia que precisava carregar as memórias de Alison comigo, mesmo as piores, para conseguir seguir em frente, ainda que isso soe exatamente o contrário.

Era o último dia de aula antes das férias de verão daquele ano. O calor deixava todo mundo com outro tipo de humor, isto é, um bom humor, é claro. Tanto que nosso grupo de educação física havia proposto um banho de mangueira coletivo. Gostei da ideia, a princípio. Porém, ainda que eu vivesse para estar debaixo d’água, fiz uma promessa solene a mim mesma: não havia jeito de eu colocar um biquíni na frente daquele pessoal todo. Portanto, assim que chegou o dia marcado para a “descontração grupal”, vesti uma regata simples, uma legging curta, um par de chinelinhos neon e dei-me por satisfeita.

Não havia visto Ali nas três primeiras aulas antes do almoço, o que me deixou consideravelmente preocupada. Comecei a mandá-la mensagens e somente após a terceira ela me tranquilizara dizendo pouco (ou quase nada): “Estou bem. Não se preocupe. Te vejo na cantina, prometo”. Não mostrei a mensagem às outras garotas, não sei porquê. Naturalmente elas também estavam curiosas com o estranho sumiço da Abelha Rainha do grupo justo no último dia de aula, porém, de puro e vergonhoso egoísmo, eu sempre quisera algo de Ali, mesmo uma informação, que fosse apenas minha. Isso nunca costumou se prolongar, mas era bom enquanto durava. Assim, eu realmente me sentia como sua favorita, embora quase nunca acreditasse quando ouvia isso de seus próprios lábios.

Fui a última a colocar a bandeja na mesa. Hanna, Spencer e Aria conversavam e riam entre si, e, por um curto momento, pareceram não me notar. Me cumprimentaram e depois voltaram para seu papo, algo sobre moda, talvez. Ali, porém, sorriu docemente para mim antes mesmo de eu me sentar, o que fez eu me sentir tremendamente especial. É claro que essa era a vocação dela. Isto é, sorriu e voltou a remexer a comida, sem vontade aparente de engolir. E sem vontade aparente de conversar sobre moda. O que, para Alison, era definitivamente alarmante.

Ela nunca perdia uma chance de zombar das tranças ou do suéter listrado estilo 11 anos de idade de “Mona, a Perdedora”. Já eu, como entendia mais o lado dos tímidos, sempre que podia ia até a mesa do canto confortar a pobre Mona, dizendo que Ali era assim mesmo e que não desejava mal a ninguém, embora às vezes pudesse ser bastante convincente do contrário. “Não deixe que isso te afete”, eu disse a ela, certa vez, com uma mão em seu ombro. “Alison é cabeça-dura e cheia de si muitas vezes, e acredite, eu detesto isso, mas ela é inofensiva”. Mona sorria e assentia, agradecida, mas eu sabia que ela não acreditava naquilo realmente. Eu mesma também não sabia dizer até que ponto seria capaz de acreditar.

Quis muito também dizer a Mona que, antes de Alison nos unir, todas nós éramos consideradas perdedoras, de certa forma, porém nunca quis enfatizar a alcunha que me provocava tanto dó.

Mas era verdade. Alison formara o grupo por piedade, mas mais ainda, para ter quem a seguisse, pois seu complexo de superioridade era tão grande que não lhe cabia no peito. Eu a amava, mas isso era um fato inegável.

Mas ali, olhando-a remexer a comida cabisbaixa, senti algo próximo a remorso.

– O que foi que deu em você hoje cedo? – perguntei.

– Nada, Em. Nada mesmo, só.. algumas coisas que eu tinha pra resolver.

– E resolveu?

Ela assentiu e deu um sorriso que, pelo momento, me tranquilizou.

Não conversamos muito com as outras garotas enquanto comíamos. Hanna me perguntara como iam as coisas com Ben, e eu definitivamente não queria estender o assunto, então somente disse que ele estava indo melhor nas aulas de pré cálculo e não precisava mais da minha ajuda.

Alison passara a aula de inglês quieta lendo Charles Dickens, o que não era exatamente uma afronta a nenhum bom professor. Olhei para o lado, na direção dela, infinitas vezes. Ela parecia compenetrada.

Fomos liberados duas aulas mais cedo, em função da “confraternização final”.

Antes de começarem a despejar água, fizemos guerra de mochilas. Fiquei feliz devido a Hanna, Spencer e Aria estarem ali, tanto que só fui notar que Ali se isolara em um canto do pátio para ler, quando decidi procurar uma sombra para descansar. Me sentei ao lado dela.

– O que há com você? – bati de leve em seu ombro – Coloque a parte de cima do biquíni e vamos nos molhar um pouco.

Ela tirou os olhos do livro, sorrindo ironicamente.

– Não vou dar a esses garotos o privilégio de me verem praticamente seminua.

Eu ri. Estava feliz por ela ter recuperado abruptamente sua rispidez habitual.

– Eu só... quero ficar um pouco sozinha, está bem? – ela disse, docemente, numa voz impossível de obter um “não” como resposta, quase que numa personalidade distinta.

Eu assenti, mordendo o lábio inferior, dando-a, em seguida, um beijo no rosto, depois de ter hesitado um pouco. Ali riu de leve.

– Vá. – aconselhou-me – Vá e divirta-se. Mas não muito, já que eu não estarei junto.

Consegui me distrair um pouco, mas não tanto quanto gostaria. Meu pensamento estava em Ali e naquela sua mudança repentina de personalidade. Me afastei um pouco daquele “fogo cruzado” para prender os cabelos que já estavam molhados e notei que Ali não estava mais onde eu a havia deixado.

Meus olhos fizeram uma instantânea varredura por toda a extensão do pátio, mas nem sinal dela. Sentei no banco onde estava a maioria das mochilas, peguei o celular e a mandei um “cadê você?”, ansiosa pela resposta. Ela me respondeu em seguida: “Venha me procurar”.

Sorri involuntariamente e, em um único movimento, levantei. Porém, no fundo da minha mente, minha consciência me advertiu: “Não vá. Ela está fazendo de novo. Como ela sempre faz. Te tratando como uma marionete”. Hesitei por alguns segundos. A voz em minha cabeça continuou: “Você é a marionete dela, Emily?”. Quis que minha então consciência se personificasse. Iria olhar-lhe nos olhos e dizer “sim”.

Enquanto, já dentro do prédio da escola, corria escadas acima em direção ao corredor dos armários, pensava comigo que sim, era verdade. Eu seria capaz de fazer tudo que estivesse ao meu alcance para ver Alison feliz, daria a minha vida a ela, se fosse preciso. E eu não tinha nada pelo que me envergonhar, certo? Pessoas apaixonadas pensavam assim, ou pior.

Parei no meio do corredor ao terminar aquele pensamento. Senti meu estômago revirar. Os pelos, desde meu antebraço até a nuca, se eriçaram. Estava eu mesmo apaixonada por Alison? Isso explicava o desejo que eu tinha, durante praticamente as vinte e quatro horas dos meus dias, de ouvir a voz dela sussurrar em meu ouvido conselhos em “como explorar ainda mais minha feminilidade”? Explicava também o porquê de eu sentir borboletas dançarem dentro de mim toda vez que ela entrelaçava seu braço no meu e encostava a cabeça em meu ombro enquanto assistíamos, de vez em quando, o entardecer da varanda da casa dela? Bom, provavelmente sim.

Em momentos como aqueles, me sentia impossibilitada de pensar em qualquer outra coisa. A única coisa que queria era prolongar aqueles toques, porém eles infelizmente quase nunca se prolongavam. Sempre éramos interrompidas por alguma fofoca de mal gosto que Ali decidia me confidenciar, ou por algum telefonema de algum garoto com um nível de QI duvidoso querendo chamá-la para sair na próxima sexta à noite ou simplesmente pela mãe dela que surgia magicamente ao vão da porta para nos oferecer uma xícara de chá.

Parada no meio daquele corredor, com a maioria de meus músculos enrijecidos, me veio novamente a sede de ouvir a voz doce de Alison. Senti o celular vibrar na mão direita e meu coração vibrou junto. “Estou sentindo sua falta, sabia?”, dizia Alison.

Nunca tive dúvidas de que Ali sabia de meus sentimentos por ela. E, de certa maneira, ela gostava de brincar com aquilo. Ela queria ver até que ponto eu seria capaz de aguentar. Mas por que ela arriscaria perder sua “seguidora” mais devota? Eu não sabia. Mas, se necessário, eu também seria capaz de entrar no jogo dela, se respondesse a alguns de seus estímulos.

Continuei a caminhar, e enquanto caminhava, passava desapressadamente os dedos pelos cadeados dos armários. Parei em frente ao de Ali, que ficava a apenas dois de distância do meu. Admirei a identificação por dois segundos: Alison D. Dei mais alguns passos e espiei para dentro da salinha de detenção. Torci para que ela não estivesse ali. Não estava. Chequei o vestiário, em seguida o refeitório vazio e por último, a biblioteca.

Não havia quase ninguém no local, e as prateleiras altas e lotadas davam um ótimo esconderijo. Ouvi alguém rir ao fundo. Andei na direção da risada. Não me surpreendi ao encontrar Alison ali, sentada no carpete, com o livro de Dickens entre as pernas encolhidas.

– Você demorou – disse ela, levantando o olhar e me lançando um sorriso desafiador, próprio dela.

Respondi com outra pergunta:

– O que é tão engraçado?

– Os nomes de certos personagens. Pipp, Sr. Walpsulk, Tio Pummlechuck. Soam todos como bichos de pelúcia.

Cruzei as pernas e sentei ao lado dela.

– Não acredito que você já terminou. Nos deram duas semanas para fazer o relatório.

– Quer que eu te conte o que acontece? Posso fazer você tirar uma boa nota.

Não respondi, mas queria dizer “não, obrigada”.

Ali tocou o rabo-de-cavalo que eu havia feito às pressas há alguns minutos atrás. Eu era capaz de sentir a energia que o singelo toque dela me proporcionava e tal percorrer meu corpo inteiro. Quis absorver o máximo daquele momento, como sempre tentava fazer.

– Você deveria deixar eu fazer tranças em você qualquer dia desses.

Eu ia adorar, pensei.

Ela encostou a cabeça na borda de uma das prateleiras e me fitou, com um sorriso distante, na certa esperando que eu dissesse algo ou que desviasse o olhar, o que fiz, pois não suportava olhar demais dentro aqueles olhos azuis.

Em momentos como aquele, era como se... a sós comigo... ela fosse uma pessoa completamente diferente da que ela era “lá fora”. De frente para mim era como se ela não fosse Alison DiLaurentis, a garota imponente que causava inveja em todas as outras e que humilhava alguns para mostrar seu poder. Mas era como se ela abaixasse a guarda... e fosse apenas... por breves instantes... a minha doce Ali. Eu já devia estar bastante acostumada a isso, porém tal análise ainda me dava calafrios.

– Não me olhe assim, Ali. – eu disse finalmente, olhando agora para minhas mãos.

– Assim como? – ela achou graça do comentário.

– Tão profundamente. Como se fosse capaz de ler meus pensamentos. Isso me assusta. – tive a impressão de nunca ter sido tão franca com ela em toda a minha vida.

– Bom, às vezes é você quem me assusta. – ela tinha agora um olhar sério, mas não abandonou a expressão doce.

– Eu? – franzi a sobrancelha – Por quê?

– Porque você é quem parece conseguir olhar nos meus olhos e enxergar a minha alma. Você vê qualidades em mim que são desconhecidas até por mim mesma. – fez uma pausa – Eu... eu me sinto vulnerável quando estou perto de você.

Ela praticamente sussurrara a última frase. Não esperou que eu fosse tentar responder. Segurou a minha mão e continuou.

– Você é a única que realmente me entende, Emily. E eu te amo por isso. Acredite, amo muito.

Eu estava atordoada. Também sentia que ela nunca havia sido tão sincera comigo em toda a sua vida. Só queria que ela me abraçasse, mas como ela não o fez, encostei a cabeça em seu ombro e ela encostou a dela na minha.

– Posso ler uma coisa pra você? – ela me perguntou, voltando a atenção para o livro em seu colo, depois de, talvez, ter enxugado uma possível lágrima.

Eu assenti, mas não tive certeza se ela entendera. Começou a recitar um pequeno poema de Charles Dickens mesmo assim:

Eu a amava além da razão;

Além de promessas,

Além da paz.

Além de esperança,

Além da felicidade;

Além de qualquer desencorajamento que possa existir.

Soava como uma declaração, verdadeira como nenhuma outra. Ouvindo-a eu esqueci de jogos, de manipulações, de desapontamentos.

– Você já chegou nessa parte? – ela me perguntou, com seus olhos nos meus.

Eu assenti, desencostando minha cabeça de seu ombro e me inclinando vagarosamente para beijá-la. Hesitei por um segundo antes de fechar os olhos, mas pude ter certeza de que ela “avançara” a distância que faltava.

Abri os olhos em tempo de vê-la sorrir enquanto nos afastávamos.

Ainda guardo comigo o sabor adocicado do gloss com aroma de baunilha que Ali usava naquela tarde. Por aqueles segundos que se fizeram infinitos, tive a impressão de que seu corpo inteiro exalava aquele aroma.

Enquanto eu estava por entre um literal turbilhão de emoções, olhei para Ali de relance. Ela tinha a expressão serena.

Nenhuma de nós disse alguma coisa por algum tempo. Tempo esse que pareceu longo e que eu desejava que fosse muito mais longo. Ficamos apenas ali sentadas, de braços enganchados, minha cabeça repousando no ombro dela. Queria poder dizer “eu te amo” ou simplesmente começar a tratá-la por “meu amor”, mas não tinha coragem.

– O que fazemos agora? – ela me perguntou, ainda serena.

Estava eu sonhando tão alto que pensei que ela queria dizer “o que fazemos a respeito do que acaba de acontecer? Estamos namorando?”, então respondi, entre suspiros:

– Eu não faço ideia.

Vim a descobrir mais tarde que aquelas eram apenas questões minhas. Provavelmente Ali havia feito a pergunta no sentido de “Estou entediada. O que fazemos para acabar com isso?”.

Ali pôs-se de pé em seguida, me puxando pela mão.

– Venha – ela disse – vamos nos encharcar.

Foi tão bom vê-la descontrair daquele jeito! Obviamente, nenhuma de nós disse algo sobre o acontecido momentos atrás. Não era preciso. Eu me sentia... acolhida apenas por fazer parte de um segredo de Alison. Era o nosso segredo, aliás. Se alguém sabia, esse alguém eram as paredes daquela biblioteca. E assim o romance desapareceu antes mesmo de ter uma chance de começar.

Já passava das cinco da tarde quando finalmente chegamos ao vestiário com o intuito de vestirmos algo seco; quase todos os alunos estavam fora dos portões da escola.

Aria alegou que o pai planejava levar a mãe, ela e Mike para jantar, então ia apenas se trocar e ir embora.

– Mas vou dar uma carona a Hanna e Spencer – avisou – Querem também?

– Ah, não, obrigada. – Ali respondeu prontamente, com uma ponta da ironia de sempre na voz – Cinco pessoas em um carro é demais para um dia de calor como esse. Emily me leva até em casa.

Meu coração pulou. Alison olhou-me, doce, e perguntou para confirmar, como se já soubesse que eu não poderia em sã consciência negar nada a ela:

– Tudo bem por você, Em?

– É claro – consegui balbuciar.

Nos despedimos.

– Acho que vou tomar um banho rápido. – disse Ali, uma vez que ninguém mais estava ali, além de nós duas – Você me espera?

Assenti, tentando sorrir novamente, antes de entrar em uma das cabines para trocar de roupa. Assim que terminei, deitei as costas em um dos bancos de madeira, de modo que meus olhos se dirigiam involuntariamente ao teto. Era impossível não estranhar o silêncio que dominava a escola.

Ainda debaixo do chuveiro, Ali começou a conversar comigo sobre Paris. Assunto sem muito conteúdo, apenas para preencher o tempo. Estava começando a perder as esperanças de voltar a conversar com ela sobre o beijo. E a ansiedade que tinha em perguntá-la não estava fazendo bem à minha saúde psicológica.

– Seria um sonho passar uma temporada na Cidade Luz, não seria? – disse Ali, saindo da cabine e indo em direção ao seu armário. Estava cuidadosamente enrolada em uma toalha azul.

Não respondi. Paris me interessava não mais que qualquer outra cidade do mundo. Ali continuou a falar, espalhando creme nas pontas dos cabelos molhados.

– Apenas imagine: cobiçar de perto certas obras do Louvre; fazer compras por duas horas; parar pra comer um croissant; fazer compras por mais duas horas – Ela olhava para mim mas vislumbrava-se perambulando por entre lojas francesas.

Pegou do armário um sutiã branco, rendado, aparentemente novo. A partir dali, eu não saberia dizer o que foi real e o que eu possa supostamente ter inventado, pois, pelo que me lembro, Ali deixara cair propositalmente a toalha.

Aquilo me deixou em verdadeiro estado de choque, tanto que minha reação instantânea foi grudar os olhos no piso, uma vez que já estava de pé, de frente para ela.

– Já tinha visto um igual? – ela me perguntou, segurando o sutiã na frente dos seios por um momento, como se não houvesse absolutamente nada de anormal acontecendo ali – Eu comprei em um catálogo francês. Eles têm em praticamente todas as cores que você pode imaginar.

Ela parecia realmente não se importar em estar nua na minha frente, isto é, parecia não dar a mínima. Foi aí que percebi que ela estava me testando novamente. Tive a sensação de vasculhar a mente de Ali e ouvi-la rir do fato de eu ainda estar boquiaberta.

Juntei os lábios assim que finalizei aquele pensamento, porém ia erguendo o olhar com a maior cautela do mundo. A cada centímetro do corpo de Ali que meus olhos percorriam, sentia que uma faca era cravada mais fundo em meu peito, pois sabia que nada daquilo que eu fantasiava para nós poderia se tornar real.

Ali encaixou as alças do sutiã nos ombros e virou-se de costas para mim.

– Pode abotoar? – pediu ela

Levei as mãos às duas pontas do sutiã e as prendi uma na outra, em um movimento rápido.

Hesitei um pouco, porém corri a ponta de um dos indicadores sutilmente pela coluna de Ali. A senti estremecer levemente. Encarei tal como um estímulo e, depois de afastar seu cabelo do ombro, beijei-a no pescoço. Ali conservou-se imóvel por dois segundos, porém virou-se abruptamente para mim.

– O que está fazendo? – a rispidez em sua voz foi como um choque de realidade. Seus olhos indicavam estranheza, porém ela sabia exatamente o que eu estava fazendo.

– Nada – Senti-me congelar por dentro – Nada, eu só pensei...

– Pensou o quê? – interrompeu-me, a voz beirando ao grito. Agora soava apenas cruel. – Só porque nos beijamos na biblioteca, Emily, não quer dizer que eu goste de você desse jeito. Um beijo é apenas um beijo, ok? Eu gosto de meninos. E, acredite, se eu te beijei, é porque estava praticando para o que realmente importa.

Olhei nos olhos dela por alguns segundos sem dizer nada. Sei que meus sentimentos naquela hora deveriam ser nojo e/ou raiva, mas não. Quer dizer, sim, eu tinha nojo e raiva daquela Alison. Mas eu estava apaixonada pela Alison que me beijara na biblioteca, e de alguma forma, eu tinha absoluta certeza de que essa não poderia ser a garota que estava de frente para mim naquele momento. Não poderia ser a garota que baixava todos os dias a autoestima de Mona e de tantos outros colegas nossos dentro e fora da escola. Não poderia! Seu transtorno de dupla personalidade, para mim, era evidente e ela precisava de ajuda. Mas no momento eu não estava com cabeça para tentar convencê-la a consultar-se com um psiquiatra. Apenas peguei minha mochila que estava no banco e dei as costas a ela. A ouvi dizer, em seguida:

– Aonde pensa que vai? Você é a minha carona, lembra?

Parei, a dois passos da porta, e friamente disse:

– Arrume outra carona.

Assim que deixei o vestiário, pude sentir os olhos de Ali em mim, cheios de fúria e perplexidade.

Enquanto caminhava para fora da escola, fiz mais uma promessa solene a mim mesma: não iria derramar uma lágrima sequer a respeito do que acabara de acontecer.