Certa vez, em um dos recorrentes eventos de parabenização que costumavam participar, a Umbrella Academy foi surpreendida pela pergunta invasiva, mas tremendamente requisitada, de um repórter sorridente. Estavam na cidade vizinha, e o prefeito havia acabado de encerrar um discurso de agradecimento à fantástica equipe de Sir Reginald Hargreeves por mais uma vez ter protegido seus cidadãos. Eles ainda cheiravam a fumaça, cinzas espalhadas pelo uniforme azul marinho e ao redor das máscaras, alguns com ferimentos leves aqui ou ali, mas permaneciam sorrindo para a multidão de admiradores.

Se tratava da hora seguinte ao fim do sequestro de um ônibus escolar, o qual a Umbrella Academy havia localizado e entregue em segurança às autoridades depois de ter neutralizado a gangue de sequestradores. Por outro lado, ninguém parecia interessado nas crianças que haviam estado dentro do veículo o tempo todo durante a missão. Elas foram posicionadas ao lado dos integrantes da Academia, rodeadas por pais e fotógrafos que estavam preocupados em capturar o momento, e quando saíram de cena, todo o espetáculo voltou a ser sobre os heróis.

Flashes salpicavam o lugar não porque as vidas de dezenove crianças haviam sido poupadas, ou porque quatro criminosos haviam sido colocados atrás das grades, mas sim porque seis seres especiais estavam ali, parados orgulhosamente por terem feito nada além do que o esperado. Logo, era natural que o repórter sorridente estivesse determinado em descobrir se os irmãos teriam coragem em deixar a adorável mansão em que viviam em algum momento. As dúvidas sobre novas propostas para aumentar a segurança da cidade podiam esperar.

Reginald foi o primeiro a condená-lo por tamanha insolência e intromissão, mas foi Luther quem assumiu a frente dos microfones, desvencilhando-se do pai mesmo sob protestos firmes e repreendedores. Luzes brilharam para ele, e os olhos azuis do menino cintilaram de volta. Por um segundo - um segundo tão breve que pôde ser sentido escorrendo pelos dedos -, o Número Um se sentiu nervoso, mas tal maldição foi quebrada assim que o nome dele foi chamado por alguém atrás das câmeras, o lembrando de que era a imagem do queridinho da América que estava sendo refletida em cada uma delas.

Não, nenhum deles seria louco de abandonar a Academia. Eles tinham tudo.

Anos mais tarde, muitos deles prefeririam ser arrastados para o inferno do que terem de caminhar pelos corredores daquela mansão outra vez. E quando precisaram, para se despedirem do homem que havia dado início a tudo aquilo, descobriram que fazer péssimas escolhas - e a dificuldade absurda de dizer não ao telefone - era uma das poucas coisas em comum que ainda partilhavam entre si.

Mas, desta vez, algo estava diferente. Uma emoção até então nunca sentida sob aquele teto recaiu sobre eles quando Cinco se debruçou sobre a mesa e leu a primeira página do jornal abandonado em cima dela, anunciando que eles haviam conseguido, estavam de volta a 2019. Talvez porque, pela primeira vez, estavam aliviados por verem todos lado a lado, sãos e salvos. E juntos.

Eles caminharam até a sala de estar, prontos para comemorarem com qualquer coisa alcoólica que encontrassem pela frente, mas se interromperam assim que a ausência do quadro do Número Cinco emoldurado próximo às janelas chamou suas atenções. Contudo, o espaço vazio deixado pela fotografia passou a ter menos importância quando uma outra presença no ambiente foi percebida. Logo que Reginald Hargreeves abandonou sua antiga poltrona e se colocou de pé, eles tiveram certeza: tudo estava diferente.

— Eu sabia que vocês acabariam aparecendo em algum momento — A voz do homem alcançou os ouvidos dos irmãos como um trovão assustador numa noite chuvosa, e eles se lamentaram por já não terem mais idade para se esconderem dela debaixo de suas camas.

— Pai? — Allison arriscou, mas arrependeu-se logo em seguida, pois apesar de ter aquilo que enxergava como prova, ela não tinha muita certeza se gostaria de outra confirmação.

Já Klaus estava desesperado por uma.

— Graças a Deus — Ele arfou, curvando o corpo ligeiramente para se entregar ao alívio. — Pensei que fosse o único que estivesse vendo ele.

— Você está vivo — Luther estava surpreso, e a incredulidade presente em sua afirmação fez o rosto de Reginald endurecer, insultado.

— Por que não estaria?

— Nós — Vanya lançou um olhar furtivo para os irmãos antes de fixá-lo novamente na presença imponente do pai. — Não sabíamos que o senhor estaria aqui quando decidimos voltar para casa.

— Casa? Essa aqui não é a sua casa. De nenhum de vocês — Reginald fez questão de encará-la profundamente, e Vanya sentiu como se estivesse encolhendo.

Mas aquele não era o momento para ceder às provocações de um ego inalterado pelo tempo e intocado pela morte. Ainda não. Eles haviam sobrevivido a dois apocalipses, e Diego estava começando a acreditar que um terceiro armagedom poderia se juntar à lista se Reginald continuasse falando. Ele se absteve do espanto dos outros na sala e se aproximou do único que deveria ter dito algo àquela altura, determinado em abrir sua boca à força caso fosse necessário.

— Cinco, o que tá acontecendo? — Diego tentou decifrar o irmão, mas o silêncio dele tornava tudo mais complicado.

— Eu vou dizer o que está acontecendo, tenho seis desconhecidos no meio da minha sala. É isso o que está acontecendo — Reginald tomou a pergunta para si, apontando o óbvio numa nota de indignação que dera mais urgência às respostas que o Número Dois procurava.

— Cinco? — Ele o chamou mais uma vez, seu tom se tornando menos amigável e mais insistente.

As sobrancelhas despenteadas do garoto se juntaram um pouco mais, e um vislumbre de dúvida pôde ser visto no rosto dele antes de um clarão envolvê-lo, o fazendo desaparecer.

Diego tentou agarrar Cinco, mas seus braços se debateram no ar, lhe arrancando um gemido desacreditado que fora acompanhado pelos lamentos e maldições dos outros. No entanto, a indignação causada pelo sumiço repentino do Número Cinco durou apenas até que ele voltasse aparecer do outro lado da sala, segundos depois, afastado de Reginald e bem mais perturbado do que já estava.

— Estamos na data certa, no lugar certo — Ele tentou conciliar as palavras com a respiração ofegante, seu peito subindo e descendo pesadamente, não dando uma visão muito tranquilizadora para os seus irmãos. — Tudo, o antes e o depois, parte ou chega até aqui — Seus olhos voaram para Reginald, analisando-o de cima a baixo. — Esse é o nosso presente.

— Não, não, não — Diego balançou a cabeça, um sorriso lunático cortando sua descrença. — Você prometeu que voltaríamos.

— Bem, olhe em volta, Dorothy, nós voltamos — E foi a vez de Cinco sorrir, seu sarcasmo fazendo Diego fuzilá-lo com os olhos.

— Com ele vivo? — Luther franziu a testa e inclinou a cabeça ligeiramente para o pai, tentando ser discreto. Mas não era como se, depois de todo o show que havia presenciado, existisse alguma maneira de tornar toda aquela quantidade de músculos, malha e inquietude menos perceptíveis para Reginald.

— Ei, nós não temos certeza disso ainda — Klaus o interrompeu. — Talvez alguém devesse cutucá-lo — E gesticulou para o velho, olhando para os demais em busca de permissão enquanto isso.

Allison franziu o cenho, mas Vanya pareceu considerar a hipótese por uma fração de segundo até Diego descartá-la.

— Ninguém vai cutucar ninguém.

— O que você fez? — Cinco ignorou a discussão para estreitar os olhos para Reginald, enfiando as mãos no bolso da bermuda, e o homem permaneceu impassível.

— Digamos que nosso encontro em Dallas tenha me dado bastante tempo para refletir sobre minhas prioridades. E, bom, depois de vocês quase terem aniquilado a humanidade não só uma, mas duas vezes, cheguei à conclusão que nenhum de vocês poderia fazer parte delas. Vocês, nem ninguém.

Expressões boquiabertas e bufos irônicos varreram a sala, e Luther precisou lutar contra seu espanto para dizer alguma coisa.

— Você não teve filhos?

Reginald assentiu com firmeza.

— Meu propósito era salvar o mundo e, como me disseram naquele dia, consegui cometer o erro de colocá-lo em risco ao deixá-lo sob a proteção de vocês. Com o fracasso iminente, preferi abrir mão de tal missão para que a segurança do planeta continuasse sendo preservada.

Uma frase não dita, uma sensação tão instintiva que sequer poderia ser considerada um pensamento, ricocheteou pelos irmãos quando a declaração se encerrou, e eles se entreolharam, pouco impressionados, pois as entrelinhas presentes nela lhe eram tão familiares quanto o cheiro de madeira que emanava daquelas paredes. Reginald não estava preocupado em falhar com o mundo. Não, se fosse isso, não teria lidado com sete bombas-relógio como se fossem peças de malabarismo, as lançando para o alto, confundindo-as entre si, até que uma, por fim, caísse. Sua preocupação, o temor que tornava as fendas em sua testa ainda mais profundas e tensas, não estava em falhas cometidas, mas sim no que ser responsável por elas significava. Pois erros pertenciam à humanidade e, apesar de querer protegê-la, Reginald não queria se igualar a ela.

— Então o que? — Diego deixou que um traço de zombaria invadisse suas palavras, e Reginald endireitou o monóculo - aquele maldito monóculo - para observá-lo. — Você deixou o circo pegando fogo lá fora enquanto se escondia aqui e colocava os pés pra cima?

Era a primeira vez que ele se dirigia diretamente ao homem, e enquanto se encaravam, Diego lutava contra o impulso de baixar o olhar. Lembrou-se da pequena luta que haviam tido naquela construção abandonada. Amador, seu pai o chamara depois de feri-lo. Um corte profundo, que ainda doía pelos motivos errados. Um homem fora de si, era como ele o descrevera na frente de todos; uma sentença mágica que fizera as palavras voltarem a se amontoar na ponta de sua língua. Diego tentou silenciar tais pensamentos e travou o maxilar para se manter firme, mas Reginald o observava como se estivesse aguardando para vê-lo quebrar.

O homem cruzou as mãos atrás das costas e endireitou a postura, negando.

— Posso garantir que outros métodos de proteção foram encontrados assim que minha desistência foi anunciada — Imediatamente. Era a palavra que Reginald gostaria de ter encaixado na frase. Imediatamente, rápido o bastante para que ele sequer pudesse se arrepender. Algo tão rápido e bem recepcionado que parecia já ser premeditado.

E tem funcionado? — Allison chamou a conversa para si.

Reginald assentiu.

— Eu estou vivo agora, não estou?

E a pergunta fez Klaus engasgar uma risada que sequer tivera a chance de se manifestar completamente, pois quando uma voz familiar ecoou pelo corredor, ele e os irmãos emudeceram outra vez. Grace surgiu na porta no segundo seguinte, procurando por Reginald enquanto mantinha uma mão erguida para ajeitar o cabelo, que se espalhava em mechas soltas sobre os ombros e emolduravam seu rosto jovem. Nela, não se via mais babados, saias rodadas ou peças em cor-de-rosa, ao invés disso, uma combinação em tons neutros, formado por uma calça e uma blusa de gola canoa simples, encarregava-se da tarefa de mantê-la impecavelmente elegante. E normal.

— Querido, está quase na hora — Grace conseguiu dizer antes de ser interrompida por uma chuva de olhares que - parte chocados, parte afetuosos - a fizeram se sentir como um animal exótico em exibição. Quando encontrou os de Diego entre eles, fez uma careta, lamentando-se. — Oh, o esquisito do consulado de novo não.

Luther olhou para o irmão, e semblantes tão questionadores quanto o seu foram lançados em direção ao foco da atenção de Grace. Diego, por sua vez, se fez de desentendido e vestiu uma expressão inocente para sondar a sala como se buscasse pelo tal esquisito do consulado. Ao lado deles, Allison estava encantada pela mulher.

— Ela parece...

— Humana — Cinco completou a irmã e deu alguns passos para se aproximar, mas, diferente da Número Três, sua constatação era carregada por uma desconfiança que tentava, em vão, camuflar o tom incriminador de sua frase. — Mais do que o normal.

Grace soprou um guincho irritado, profundamente ofendida.

— E vocês certamente se parecem com mal-educados por saírem palpitando sobre a aparência de desconhecidos desta forma.

— Uh, e mais afiada também — Klaus se impressionou, sorrindo maliciosamente enquanto tocava na aba do chapéu de cowboy para cumprimentá-la. — Eu gostei.

— Imagino que isso também faça parte de suas novas prioridades — Os olhos de Cinco analisaram a imagem da mãe se juntando ao pai, e um brilho provocador pôde ser notado dentro deles quando o garoto os desviou para o homem parado ao lado dela.

— Apenas projetos defeituosos foram descartados. E, como podem ver, Grace nunca foi um deles — Reginald e a mulher se olharam brevemente, mas não o suficiente para evitar que os rostos que os cercavam se enrugassem, tão descontentes como se um saco de lixo tivesse sido aberto no cômodo.

Não que as interações entre o casal fossem algo totalmente novo para a Academia. Na realidade, eles haviam assistido - espiado - boa parte dos diálogos que eram trocados por Grace e Reginald durante à noite. Em sua maior parte, conversas formais; relatórios burocráticos sobre o estado geral das crianças, recorrentemente ignorados pelo homem quando abordavam outros assuntos além de seus progressos como heróis. Reginald não dava a mínima se Allison havia feito Diego urinar nas calças outra vez ou se Klaus havia se trancado acidentalmente dentro do banheiro em mais uma crise que todos sabiam não se tratar de sonambulismo, e Grace contentava-se em sorrir quando o homem a deixava falando sozinha, nenhum pouco magoada. Ali, por outro lado, Reginald estava verdadeiramente atento á ela. Talvez, aquele fosse o resultado de não ter sete pedras em seu caminho. Ou de uma vida sem propósito com a ausência delas. O que estava claro, no entanto, era que os dois haviam tido tempo o suficiente para se aproximarem, o bastante para que os irmãos não soubessem identificar se era Reginald quem estava mais parecido com a robô de fisionomia angelical ou se era Grace quem havia se apoderado da personalidade diabólica do Monóculo. E essa dúvida fazia com que uma pontada de preocupação crescesse em suas consciências, os envolvendo numa torcida coletiva e silenciosa para que não fosse a segunda opção.

Grace virou o rosto para Reginald e sussurrou algo em seu ouvido que o fez enterrar a mão direita numa das aberturas do paletó. De lá, ele retirou um pequenino relógio de bolso, dourado e muito bem cuidado, que cintilou na luz tímida do ambiente. Tic-tac, o objeto assoviava, e Reginald enviou um olhar hesitante para a plateia indesejada parada a alguns passos em sua frente. Quando olhou para Grace, ela encolheu os ombros. Não lhe restavam muitas opções.

Reginald estalou a língua.

— Está certo, venham comigo — Ele disse por fim e, acompanhado por Grace, marchou em direção ao corredor, deixando a meia dúzia de invasores para trás. Perdidos, os Hargreeves olharam uns para os outros, decidindo o que fazer.

Vanya ergueu uma das mãos.

— Desculpem, mas eu tô curiosa — Falou e, então, se lançou no caminho feito pelo pai.

Assim que os pés de Vanya alcançaram a porta, Klaus decidiu acompanhá-la, lançando um 'foda-se' pelo ar enquanto seguia obedientemente os passos da irmã.

Minutos depois, todos eles estavam parados em frente a uma porta de aço maciço, que se ligava do teto ao chão numa estrutura de aparência impenetrável. No centro, uma tranca mecânica era cuidadosamente manuseada por Reginald. O barulho das engrenagens tilintava através da quietude atenta lançada pelos visitantes às ações do homem, que girava a peça de um lado para o outro para abri-la.

Algo também estava próximo de ser aberto nos pensamentos de Vanya, e ela procurou não olhar para Luther quando ele se juntou aos outros no percurso até o subsolo. Não estava mais zangada com o irmão, tampouco chateada, mas os vislumbres do pesadelo em que vivera acordada nas ruinas daquele lugar ainda estavam frescas em sua memória e encará-lo a enviava para um flashback pouco confortador de quando havia sido trancafiada ali embaixo por ele. Mas sua prisão já não existia mais, e Vanya sentiu-se aliviada por se deparar com uma simples parede de concreto ocupando o lugar no qual a cápsula anti-número-sete deveria estar. Não estava mais em um pesadelo, ela havia o destruído. Vanya estava livre.

Com a combinação correta, um barulho foi assoprado pela porta, e Reginald olhou para trás com um semblante severo.

— Não ousem — Sua atenção pousou sobre Diego, depois, em Klaus. — Sequer pensem, em tocar em algo.

Reginald então empurrou a escotilha, que rangeu sombriamente para os visitantes, cantarolando um ruído agudo e preguiçoso o bastante para denunciar a idade de suas dobradiças. Antes de entrar, o homem fez uma reverência para Grace e abriu caminho para a companheira num gesto cavaleiresco. Os dois passaram pela porta, e Reginald lançou um último olhar de aviso para os irmãos antes de desaparecer corredor adentro, finalmente permitindo que o grupo lhe seguisse.

Pararam apenas quando se amontoaram no extenso mezanino que rodeava o lugar, e Cinco já estava embaixo dele, deslizando o indicador pelas lombadas dos livros nas prateleiras de ferro, enquanto olhavam para o salão extasiados. Nunca haviam imaginado que algo com aquela extensão poderia existir debaixo de seus pés. Conheciam o gosto do pai para arquitetura, sempre exagerado, de ar imperial e solene. Sempre tentando impressionar, mesmo quando só para si mesmo. Esculturas de animais empalhados que provavam seu poder, tapetes ornamentais que comprovavam sua influência.

Mas ali estavam eles, diante àquela majestosa construção metálica cercada por canos e colunas, que subiam para o teto alto e desapareciam nele, ligando luzes fluorescentes umas às outras. As paredes de ferro seguiam um estilo militar, com extremidades ovais ligeiramente curvadas, dando ao lugar uma aparência de submarino ou uma espécie de hangar -, todos os lados marcados pelo número 18. A aparelhagem tecnológica que o preenchia também chamava atenção, e enquanto algumas estruturas eram cobertas por lençóis brancos, uma mesa em meia lua era preenchida por botões azuis, que se acendiam e se apagavam conforme Reginald os apertava. Próximo à ela, no meio do ambiente, dois sofás eram apontados para o centro de uma das paredes - e foi neles que Klaus mirou quando começou a descer as escadas.

— Dois apocalipses e só agora ele decide ter um quarto do pânico? — Diego zombou enquanto ia pelo outro lado, e Allison deu uma risadinha.

— Eu disse para não tocar em nada — Reginald disse, e não foi preciso que o homem olhasse para Klaus para flagrá-lo chacoalhando um vaso ornamental perto de uma das orelhas, numa tentativa de escutar seja lá o que sua mente imaginara que pudesse existir ali dentro. Com os ombros encolhidos, o Número Quatro devolveu objeto para mesa de centro e se sentou pesadamente no sofá.

— São muitos projetos — Cinco comentou em voz alta para Reginald enquanto apontava para as folhas presas na parede transformada em lousa. Ele e Luther se entreolharam quando o título O LADO ESCURO DA LUA capturou suas atenções, e o Número Um engoliu a saliva pelo profundo e determinado risco vermelho desenhado no papel.

— Me diga algo que eu não sei — Reginald agora pressionava a palma da mão direita em um dispositivo retangular suspenso acima do nível dos botões, e um fino laser vermelho corria por ela. Quando sua cor se tornou verde, ele puxou uma alavanca e abandonou a bancada, indo para o sofá com uma urgência que não dera a Klaus tempo de encolher as pernas, sendo empurradas pelo homem enquanto ele passava por elas para se acomodar do outro lado. Observando os movimentos de Reginald, Diego ergueu uma sobrancelha e notou que não era o único no ambiente que estava intrigado.

— Venham até aqui — O homem os chamou. — E fiquem quietos.

Depois de um momento para se organizarem receosamente ao redor dos sofás, Grace bateu palma, e quando a parede de frente para eles começou a se mover - sendo substituída por compartimentos que depois revelaram se tratar de televisores de modelos variados, pipocando de todos os cantos possíveis -, Reginald apertou os lábios, satisfeito. Ele finalmente os havia feito calarem a boca.

Uma televisão um pouco mais alta foi a primeira a ligar, seguida por outra e mais outra até que, por fim, todas estivessem igualmente sintonizadas, com imagens aleatórias passando por elas como se mudassem de canal sozinhas. Mas só a maior, a do centro, tinha som, e quando parou para prestar atenção no que ela dizia, Luther desejou que não tivesse.

O trem que transportava o filho do governador acaba de ser salvo de uma queda de sessenta metros graças ao nosso excelente time de heróis, o âncora do noticiário encarava os telespectadores e, atrás dele, um painel supertecnológico reproduzia as cenas da ação.

A primeira imagem mostrava o trem correndo à toda velocidade por cima dos trilhos, seu corpo ridiculamente emoldurado por uma composição perfeita entre o céu azul e as árvores que circundavam o trajeto. Depois, seguiu-se para uma sequência rápida. Um objeto foi arremessado no meio da ponte e, no segundo seguinte, a paisagem verde e azul se transformou em escombros e fumaça, dividindo ao meio a edificação e a chance dos passageiros em escaparem com vida. Então, dois homens surgiram escalando o trem em movimento e, quando se estabilizaram no teto, miraram uma segunda bomba na abertura de acesso ao vagão. Eles esperaram um pouco, se olharam e - o que fez um coro uníssono de surpresa ecoar pela sala, fazendo Reginald assoviar um 'shhh' irritado - explodiram.

Pedaços de pele, membros despedaçados e quantidades generosas de sangue escorreram pelo teto, e a bomba, antes arregada por um dos criminosos, pousou pacificamente sobre os montes deixados por seus restos mortais. A cena ganhou um novo rumo quando uma mulher desconhecida se colocou na frente do trem ainda em movimento. Pelas imagens de uma câmera de segurança, foi possível vê-la alongar os braços e, depois de mover o pescoço algumas vezes, emitir um potente fecho de luz em direção à locomotiva, diminuindo sua velocidade até que, finalmente, parasse.

Após deterem a dupla de criminosos, os integrantes da Sparrow Academy auxiliaram o resgate dos demais passageiros e permaneceram no local para dar uma ajudinha extra aos paramédicos, o âncora continuou dizendo, e novas imagens apareceram, dessa vez, ocupando toda a tela.

— Tá de sacanagem — Diego se inclinou para frente, os olhos vidrados e completamente atônitos. Reginald girou a cabeça para fitá-lo, o indicador colocado na frente dos lábios num ato de censura.

Na televisão, uma repórter baixinha, de bochechas fartas e óculos redondos, era enquadrada pela câmera junto com o grupo, a ponte salva por eles como apenas um pequeno e parcialmente destruído detalhe dramático esquecido ao fundo. Para os Hargreeves, era como olhar para o passado, uma fotografia - muito mais preservada e colorida - de como suas vidas costumavam ser. Ou melhor, de como elas deveriam ter sido.

Haviam seis deles. Eram pessoas de silhuetas fortes e bem alinhadas, todos vestidos em uniformes carmesim escuro, detalhados por tons de preto e amarelo. Enquanto alguns modelos se assemelhavam aos conjuntos infantis que a Umbrella Academy era obrigada a vestir - composições sofisticadas de blazers e peças sociais, perfeitamente ajustadas ao corpo -, outros se tratavam de versões alternativas do traje, adaptado em macacões, sobretudos e - em um caso bem específico - uma roupa estilo vitoriana-moderna da peste.

A câmera se aproximou, e depois da jornalista tecer novos elogios ao trabalho feito, ela direcionou o microfone para o líder do grupo. Quando Ben apareceu na tela, Klaus saltou como se alguém tivesse lhe dado um tapa.

Só fizemos a nossa parte, a voz do irmão fez a sua garganta secar. Quando percebeu, Klaus já estava parado ao lado da televisão, tão petrificado pelo espanto quanto os outros.

Estamos felizes que nenhum inocente foi prejudicado e esperamos que o pequeno Timmy possa seguir viagem tranquilo, Ben então acenou para um garoto loiro, que, com seu rostinho de cinco anos de idade, não parecia compreender muito bem o motivo de tanto cuidado, mesmo quando a resposta estivesse literalmente na frente de seus olhos, na trupe de seguranças engravatados que o cercava e num imenso buraco causado por terroristas.

Encarando Ben com olhos platônicos e apaixonados, a repórter questionou o líder sobre a chave para tantas missões bem-sucedidas numa única semana. Depois lançar um olhar sugestivo para os companheiros que o admiravam, Ben sorriu de lado.

Não somos apenas uma equipe. Somos uma família. E, bem, as melhores delas tem seus segredos, não acha?

— Ele tá vivo — Murmurou Klaus, quase automaticamente, e ele se surpreendeu pela constatação ainda permanecer lá mesmo depois de dita em voz alta. Ele se virou, um sorriso incrédulo repartindo seus lábios. — Ele tá vivo, porra!

Era algo novo, certamente pouco convencional para os parâmetros de Klaus, assistir o irmão longe dos meios que projeções astrais e toda aquela burocracia de vida após a morte lhe permitiam. Havia se deparado com o pensamento algumas vezes, no entanto. Quando ainda era muito jovem para ter materializações dentro do alcance de seus poderes e precisava idealizar como seria adorável socar Ben pessoalmente no rosto depois que se desentendiam por algum sermão dado pelo Número Seis, ou, em situações mais recorrentes, quando a cocaína o levava para longe, e Klaus despendia horas argumentando para si mesmo sobre como a hospedagem em albergues seria mais barata se todos pudessem enxergar a pessoa com que ele estava tentando dividi-la. E agora que tal desejo havia se concretizado, a sensação de ver Ben sendo notado por outros olhos sem a sua ajuda era no mínimo... estranha.

Sua imagem, ainda assim, era tranquilizadora. Ele parecia bem. Bom, pelo menos, no sentido básico da palavra. Uma cicatriz atravessava o lado esquerdo do rosto de Ben e fios escuros do cabelo lhe caíam sobre a testa em padrões irregulares, numa aparência bagunçada e distante da que era lembrada pelos irmãos. E a maneira como ele sorria para a câmera fazia Klaus se convencer de que sentia falta daquele pequeno filho da puta, mais do que havia imaginado. Ele ainda estava o encarando quando Allison começou a falar.

— E por que eu tenho a sensação de que não devemos ficar muito animados com isso? — Ela cruzou os braços, olhando para Cinco.

— O Ben que conhecíamos, a essência dele, tudo o que partilhamos ou acreditamos que partilhamos com ele — Ele olhou para Klaus, que lhe fez uma careta, e voltou a olhar para tela. — Está morto. Ainda é a mesma pessoa, mas a vida dele já não é mais a mesma. Como a dele — Cinco balançou a cabeça, apontando-a para Reginald.

— Ao menos Ben não se apaixonou por um robô nessa nova vida — Diego se divertiu e teve certeza de que se Reginald partilhasse das mesmas habilidades que Alisson, o velho o teria mandado comer a própria merda.

— E quanto a essa tal de Sparrow Academy? — Luther perguntou, olhando para o pai. — Pensei que tivesse desistido da missão.

— Eu desisti — Ele começou, contrariado consigo mesmo por ceder às interrupções, sua voz encharcada por uma impaciência que fizera o Número Um arrepender-se imediatamente de ter feito a pergunta. — Mas ele não. — E Reginald inclinou o queixo para as televisões, encarando-as amargamente.

Nelas, a presença específica de um homem se destacava. Estava por todos os lados, quando não sorrindo - um sorriso ofuscante, de ar aristocrata e brilhante como o de quem passara a vida comendo carne de primeira - para o time de heróis em coletivas de imprensa, posando em frente à Torre Eiffell coberto por smokings e paletós sofisticados. Uma outra televisão ganhou som e nela a manchete de um noticiário japonês narrava o que parecia ser uma homenagem ao chamado doutor John Perseus, que era fotografado na cobertura de um edifício luxuoso em Quioto ao lado de um cubo flutuante.

— Precisavam de alguém que ficasse de olho nele — disse Reginald.

— Sério? — Diego bufou, os braços cruzados. — Porque isso não me parece espionagem.

— Perdão? — Reginald encarou o rapaz parado atrás do sofá.

— Parece que você está se escondendo — Luther respondeu pelo Número Dois, sem olhar para o pai.

O silêncio voltou a envolvê-los, dessa vez, tão intenso que nem mesmo o som das telas ligadas conseguiu compensá-lo, transformando simples segundos em um minuto demorado e desconfortável, que impediu que salivas fossem engolidas e respirações liberadas. O olhar temeroso de Grace recaiu sobre o rosto de Reginald, e antes que o homem pudesse reagir de alguma forma, as mãos da mulher voltaram a se chocar, e o barulho causado por elas fez os noticiários congelarem. Reginald se colocou de pé e, ajeitando monóculo, caminhou novamente até o painel de botões.

— Perseus e eu sempre fomos separados por um abismo. Ele pode ter sido o escolhido para dar continuidade a missão, mas fui eu quem a arquitetei para começo de conversa — Reginald falou numa firmeza calculada, como se estivesse tentando impedir que a fagulha de inveja que lhe apertava na garganta não consumisse suas palavras.

Mas já era tarde demais. Todos haviam percebido, e Reginald estava ciente. Por isso, permaneceu com a atenção presa no que estava fazendo, numa tentativa de lidar com a própria mesquinharia sozinho.

— Os pequenos acertos de Perseus sempre foram suficientes para convencer aos outros de que as coisas estavam fora de perigo, mas para mim eles sequer estiveram perto do que eu chamaria de satisfatório — Suas palavras acompanharam a nova atividade dos televisores, que se organizavam numa espécie de mosaico para formar uma imagem central, a de Perseus. — Certamente, eu seria um tolo se deixasse algo de tamanha importância sem a minha supervisão. Precisava me certificar de que ele não falharia. Como eu falhei.

O tom de lamentação presente na voz do homem fez Vanya analisá-lo pelo canto dos olhos. Conhecia as carrancas do Reginald que havia a acompanhado – ou, em uma visão menos simplória, perturbado – durante a infância. Sempre cercado por escudos facilmente capazes de converter frustrações em julgamentos para depois arremessá-los contra o alvo mais próximo. Contra o alvo mais frágil e, com uma frequência maior do que ela desejava, com o número sete marcado nele. Isso motivou Vanya a construir seus próprios escudos, estruturas resistentes, formadas por mágoas e decepções, que a protegiam e se mostravam perfeitamente eficientes na tarefa de não deixá-la se afetar por problemas banais. Ela observou Reginald erguer os olhos do painel para a tela e um calafrio escalou suas costas. Depois de tantos anos, Vanya estava familiarizada com escudos, o suficiente para identificar que os daquele Reginald eram iguais aos seus. Ela cruzou um braço sobre a barriga e apanhou o cotovelo, agarrando-se à imagem transmitida na tela com toda concentração para se afastar dos próprios pensamentos.

John Perseus era um homem querido. Era difícil não notar. Estava cercado pela Sparrow Academy, Ben ao seu lado direito – um detalhe que se repetia com frequência – e uma multidão à sua frente. A fascinação entregue pelo público também era partilhada pelos heróis, que se entreolhavam alegremente, envolvidos numa diversão tão distante da realidade dos Hargreeves que fez com que alguns olhos se revirassem pela sala.

— Por quase cinco décadas, Perseus buscou por tecnologias que inibissem qualquer ameaça à raça humana. Ele diminuiu a criminalidade de diversas cidades ao redor do globo, impulsionou a nossa economia e foi pioneiro nas expedições de exploração em Marte — Reginald dizia enquanto a figura de Perseus acenava para a câmera. — Mas cerca de dez anos atrás, um ataque em massa em Paris o fez perceber que precisava de mais. E então, ele recrutou a Sparrow Academy.

— Recrutou? — As sobrancelhas de Allison se juntaram.

Reginald confirmou com a cabeça.

— Ele viajou o mundo inteiro atrás deles. Eram pessoas rejeitadas, vítimas das próprias peculiaridades num mundo que se rejeitava a compreendê-las. Perseus convenientemente as entendia. Ele encontrou sete, e quando apareceram reunidos pela primeira vez, foi como se deuses estivessem andando pela terra.

Um clique fez outra gravação ser reproduzida, e Luther precisou lutar contra o reflexo de entreabrir a boca, mortificado. A Sparrow Academy se preparava para um ataque. Já adultos, seus integrantes possuíam uma vantagem inquestionável em seus métodos de luta do que os rotineiramente utilizados pelos Hargreeves quando eram mais novos. Ali, pareciam muito mais empenhados do que ele e os irmãos costumavam ser, e o Número Um tentou se convencer de que aquele era o resultado de uma missão motivada pelo desejo genuíno da equipe e não pelas ameaças e sermões dados pelo velho rabugento responsável por ela. A nova equipe se organizava perfeitamente. Um campo de batalha orquestrado por Ben, que acudia os companheiros mais próximos e sincronizava golpes e defesas num ritmo bem planejado, transformando a luta contra uma gangue de assaltantes em um espetáculo, e a rua, num palco.

Reginald deu um novo comando para as televisões, que se desligaram assim que os tentáculos de Ben se projetaram para fora de seu abdômen e cravaram no peito do homem que o atacava. Entre os Hargreeves, um ferimento também havia sido causado, e eles se apegaram ao silêncio deixado pelo bombardeio de informações para tentarem assimilar se o incômodo que estavam sentindo se tratava de uma simples enxaqueca ou a dor de um orgulho ferido. Enquanto se encaravam, afagavam testas e - no caso de Klaus - roíam as unhas, Luther permanecia olhando para as telas desligadas, meditando temerosamente sobre os pensamentos que assombravam sua mente. Um deles - a causa da gota de suor que deslizava em sua nuca -, o fez voltar para a sala, ao encontro dos cochichos de deliberação dos irmãos, e ele engoliu seco antes de verbalizá-lo, pois sabia que aquilo poderia tornar a ferida ainda maior.

— Não somos mais heróis? — Luther perguntou para o pai, fazendo com que os demais olhares também se direcionassem para o homem. — A Umbrella Academy não existe mais?

Reginald apoiou as mãos nas laterais do painel, encarando-o com a impaciência de um professor farto com o aluno.

— A Umbrella Academy nunca existiu.

Parado ao lado de Diego, Cinco encolheu os ombros.

— A situação seria outra se tivessem me ouvido — E sua prepotência fez Allison latir uma risada irônica.

— Como é?

— O que? — As sobrancelhas dele saltaram para a Número Três. — Todos já viram o outro grande elefante na sala — Ele insinuou, indicando Luther, e não se afetou quando o rosto do mais velho escureceu, irritado. — Viajar para o passado tem suas consequências, meus caros. E é de se esperar que elas não seriam boas depois de terem ido 1963 e se casado com um ativista, tentado salvar o presidente ou virado líder de um culto — Cinco olhou de Allison para Diego e, quando chegou em Klaus, balançou a cabeça, suspirando. — Não faço ideia de como vocês estão vivos ainda.

E a declaração do garoto fez um sorriso mal definido rasgar os lábios Diego, como se tivesse escutado uma piada ruim.

— Isso só aconteceu porque alguém errou o alvo — Então, seu semblante ficou sério. — De novo.

— Pois é, Cinco — Klaus colocava os pés para cima do sofá depois que Grace se levantara para ir atrás do marido. — Seu pulinho pelo tempo separou a gente.

Luther semicerrou os olhos para o garoto.

— Queria que fizéssemos o que? Sentado e esperado por você?

— Já que mencionou, sim. Era isso o que eu gostaria que vocês tivessem feito.

Vanya revirou os olhos, cansada.

— Não acredito que estamos discutindo isso outra vez.

— Vanya tem razão — Luther se levantou. — Estamos perdendo tempo. Deve existir um jeito de concertar as coisas.

Mas Cinco não se manifestou. E a ausência de suas palavras foi o suficiente para que Allison se sentisse tão apavorada quanto no dia em que descobrira que teria que submeter sua filha ao fim do mundo para que pudesse salvá-la junto com ele.

— Acha que existe um jeito, certo? — Ela observou o irmão com olhos aflitos. — Cinco?

Mas o rosto do garoto já havia sido invadido pela hesitação. Cinco encarou Allison, e apesar de não compartilhar o que estava pensando, a carranca nos olhos do garoto denunciavam o que ambos temiam que fosse anunciado. Sinto muito, eles diziam, mas as palavras que saíram de sua boca foram bem menos confortadoras do que as não ditas.

— Eu já disse, estamos na linha correta. Se alterarmos mais alguma coisa, o efeito dominó acontece e podemos—

— Atrair o fim do mundo — Diego escorregou a mão pelo rosto.

Cinco assentiu.

— Não só isso, podemos colocar em risco esta realidade, e ela só existe porque conseguimos salvá-la em 1963. Perder nossas antigas vidas foi a consequência para que todos continuassem existindo, mas de um jeito... diferente.

— Quer dizer que eu não verei mais a Claire? — Allison perguntou, um leve pânico começando a apertar seu peito. E quando foi fitada por Grace, a sensação apenas aumentou.

Cinco olhou para Allison sem saber o que dizer, e Diego endireitou os ombros, falando pelo irmão.

— Vamos atrás da Comissão para mais respostas.

Cinco concordou.

— Até lá, precisamos ficar de olho uns nos outros e dar um jeito de lidar com o que quer que seja isso — Ele limpou a garganta, como se tentasse desentalar a última palavra. — Juntos.

No entanto, Cinco sabia que convencer um macaco a se fantasiar de Marilyn Monroe e cantar Happy Birthday Mr. President seria algo muito mais fácil de se conseguir do que fazer com que os seus irmãos acatassem ordens ou recomendações. E o que fazia ele se juntar cada vez mais à tensão que caía sobre a sala, era a sua compreensão de que também era assim. Se não fosse, nunca teria se levantado daquela mesa de jantar, mesmo quando seu pai havia lhe dado motivos o suficiente para que não fizesse. Antes, a sua desobediência e a de seus irmãos os levara para um apocalipse causado por um deles, e se Cinco acreditasse em alguma consciência superior além da que possuía em seu cérebro, ele imploraria para que, dessa vez, as coisas não chegassem àquele nível.

— Temos alguns quartos sobrando — Grace quebrou o silêncio, e, quase simultaneamente, todos olharam para ela.

Pego pela surpresa, uma expressão descontente costurou a face de Reginald, completamente horrorizado pela sugestão repentina da esposa, e ela foi recepcionada por um par de olhos inquietos quando curvou delicadamente a cabeça para fitá-lo.

— Querida? — Reginald tentava entendê-la, mas o falhar em sua voz entregava sua preferência por não.

— Eles vão estar por perto, Reggie — Observou Grace num fio de voz. Vanya e Cinco se entreolharam, e Klaus ergueu a cabeça para ouvir melhor. — Pense. A casa está velha, precisamos de outra garantia. Por favor.

Então, fitaram-se por um breve momento, e, com a indignação de quem perdera uma luta, Reginald empinou o nariz, estufando o peito.

— Tudo bem, eles podem ficar. Contanto que se mantenham longe do meu caminho.

Uma risada desmotivada explodiu dos lábios de Klaus.

— Alguém mais tá tendo um Deja Vú? — Ele olhou para os irmãos e imaginou que, se fossem livros, todos poderiam ser lidos e interpretados de uma única vez.

Lá estavam eles, presos naquela espécie de flashback irônico e apavorante, tão atordoados quanto crianças que haviam acabado de desembarcar de uma montanha russa num parque de diversões. Um parque de diversões que conheciam bem, bem o suficiente para fazer seus rostos empalidecerem pelas memórias e possibilidades que o cercavam. De repente, um calafrio percorreu o corpo de Klaus, fazendo-o tremer. Então, pela primeira vez em muito tempo - ou o que sua memória questionável lhe permitia recordar -, ele se arrepiou de medo. E aquilo era preocupante, pois ele vivia cercado por fantasmas.