Heimkehr

Capítulo 5 – Queimando


Capítulo 5 – Queimando

A campainha elétrica tocou para anunciar-me como nova cliente. Não haviam muitas pessoas ali, somente o caixa ao lado da entrada, sem ninguém por perto.

Vamos, Mely, não podemos perder muito tempo! Lua me apressou, e eu tive que segurar a risada pelo quanto ela estava nervosa e ansiosa.

Calma, Lua, deixe-me pensar!, pedi.

Quase pude imaginá-la revirando os olhos. Pensei que já tinha todo o plano formado na mente.

E eu tenho, respondi-a, já me encaminhando em direção a uma estante com mochilas à vista, mas tenho que calcular quanto de peso vou aguentar carregar até lá.

Ela não me respondeu, permitindo-me analisar as mochilas uma a uma e conferir o tamanho delas. Peguei a que parecia mediana, mas com boa resistência e tamanho ideal. Segui para outra prateleira, na seção de alimentos. Na prateleira mais próxima eu já encontrei exatamente o que procurava: duas caixas com barras de cereais, sacos pequenos de salgadinho e uma porção de rosquinhas. Não parecia muita coisa, mas quando se vai para o deserto, qualquer coisa serviria. Já estava acostumada a passar alguns dias com fome e a carga era leve. E comida não seria o mais importante, com certeza. Coloquei-as na mochila, antes de seguir atrás de água.

Vai precisar tirar tudo da mochila, Melody, disse Lua em minha cabeça, e eu franzi o cenho, segurando-me para não me expressar em voz alta.

Por quê?

Inventário, lembra-se?

Não respondi-a, mas segurei a vontade de bufar de frustração. Roubar possivelmente me tomaria menos tempo, mas eu sabia que apesar de ter se rebelado, Lua ainda era uma Alma e não aceitaria atitudes como essa quando havia outra alternativa. Por isso mesmo não discuti e finalmente decidi pegar água quente. Água gelada seria mais inutilizada depois de algumas horas do que aquela em temperatura ambiente. Vendo o galão de água na estante, respirei fundo antes de pendurar a mochila nas costas. Preparei a perna e a utilizei como apoio ao pegar o galão. Era bastante pesado, mas logo achei o melhor jeito de carregá-lo.

Você é boa nisso, comentou Lua, enquanto me encaminhava em direção ao caixa.

Carreguei muito mais peso, um galão assim quase não parece ser nada.

Coloquei o galão ao lado da registradora, sorrindo um pouco para o homem de cabelos brancos e sorriso pronto logo atrás dela. Eu nada disse enquanto tirava a mochila das costas e tirava a comida de lá de dentro. Olhei em volta, pegando também uma lanterna, isqueiro, gasolina, um cantil de água e um mapa topográfico da região. Nunca se sabe o que irei precisar e esperava sinceramente ter pego tudo. O homem me deu um sorriso agradável enquanto escaneava o código de barras.

– Caminhada? – perguntou, e eu me assustei ao ouvir um voz doce num homem do porte de um elefante.

Abri um sorriso para disfarçar. – Bem, eu gosto de algumas aventuras.

Não era mentira, ao menos.

– Só tente seguir a trilha antes do anoitecer. – ele sugeriu. – Pode ser perigoso estar por lá à noite.

– Obrigada, tomarei cuidado. – eu disse as palavras que Lua parecia ter soprado para mim.

Assim que tudo foi escaneado eu me apressei em colocar na mochila. Pendurei-a nas costas, sentindo um peso tremendo pelo galão de água. Eu podia jurar que quase fui ao chão. Ter um corpo tão pequeno era ruim pela falta de massa muscular.

– Precisa de ajuda, senhorita? – perguntou o atendente.

Eu, porém, não acho que aguentaria ficar muito perto dele.

– Oh, não, obrigada, estou bem. – respondi rapidamente, saindo da loja de conveniência em direção ao F-Type Coupé estacionado.

Você poderia ter aceitado a ajuda, repreendeu-me Lua. Pouparia forças.

Lua, entenda. Adoro você e estou muito feliz por ter me dado a chance de voltar ao Jamie, mas eu não estou preparada para ser sempre gentil com Almas que não confio, despejei tudo de uma vez e instantaneamente me senti mal por estar possivelmente a ofendendo.

Tudo bem, ela respondeu, surpreendendo-me quando não achei angústia em sua voz. Acho que será difícil para mim quando chegarmos aos humanos.

Muito provavelmente, admiti, suspirando em seguida.

Entrei no F-Type Coupé, colocando a mochila no banco do carona e tirando o mapa do bolso lateral. Abri-o em toda a sua extensão e o deixei em cima da mochila.

Não seria bom comer alguma coisa?, Lua me perguntou, me parecendo preocupada com a hidratação do nosso corpo.

Parei um segundo para pensar se seria uma boa ideia. Não tínhamos uma boa quantidade de comida, mas eu estava com fome. O mesmo para a água.

Acho que só um pouco, então, não podemos abusar demais, respondi.

Abri a mochila e tirei dali uma barra de cereal, mas comi apenas metade dela. Economizar a comida seria bom. Peguei o galão de água e com certa dificuldade para não desperdiçar eu enchi o cantil. Bebi dois goles e guardei tudo. Analisei o mapa, procurando a montanha que indicava o marco.

Que montanha?, perguntou Lua, e eu tive certo receio de responder. Pode falar, não é como se eu fosse contar para alguém, ela disse com um sarcasmo que não era comum às Almas e fez abrir um sorriso largo nos meus lábios.

Liberei a imagem para ela: uma linha áspera em ziguezague, quatro ziguezagues apertados, um quinto ponto estranhamente brando, como se estivesse quebrada. Escaneei o horizonte à procura da imagem montanhosa.

À nordeste, bem ali!, ela exclamou alegremente.

Eu ri baixinho. Vamos nessa!

Liberei a embreagem e pisei no acelerador, seguindo diretamente até uma estrada não pavimentada que constava no mapa. Quando vi a corrente oxidada, desci rapidamente do carro, vendo se passava alguém por perto. Vendo que não, liberei a passagem, voltei ao carro, passei e voltei para fechá-la novamente, como se nunca estivéssemos estado ali. A estrada de terra e areia engoliu-nos por inteiro e eu me senti mais relaxada. Não era a passagem que geralmente usávamos para sair em incursões, mas era um ambiente conhecido. Eu me lembrava vagamente daquela estrada, e um sorriso se abriu em meu rosto quando percebi que poderíamos chegar às cavernas dias antes do que eu havia planejado.

Meu coração estufou e uma alegria sem igual me inundou. Jamie. Eu estava cada vez mais próxima de me encontrar com Jamie e pensar nisso me dava uma força absurda para continuar. Sua ausência ao meu lado causava uma dor quase física e eu odeio pensar no que ele deve estar pensando no momento, achando que jamais voltaria a me ver. Era torturante para mim, deve ser insuportável para ele.

Balancei a cabeça ante a esses pensamentos. Não era bom pensar nisso agora. Procurei no mapa o caminho rápido para chegar em casa sem ter que seguir todos os marcos e dar uma enorme volta desnecessária para quem já conhecia o caminho. Não era muito difícil e diminuiria alguns dias da trajetória. Dava graças a Deus por ter passado por aqui em uma incursão. Seguimos a viagem conversando mentalmente. Lua parecia ansiosa por conhecer mais das cavernas de Jeb, mas eu insisti que fosse a vez dela de me dar mais informações sobre si. Então ela deu. Contou-me que fora no Planeta dos Morcegos, sua única vida antes de vir à Terra e passou a me narrar como era ser trocada de corpo em corpo para levar cada vez mais humanos ao seu grupo.

Mal percebemos o tempo passando. Mal tive que parar o carro, pois a barrinha e o cantil de água estavam fáceis de se alcançar. Parei o carro uma vez para dormirmos. Ao vermos a noite se aproximando, quase não enxergávamos muito à frente. Quando eu realmente não via um palmo muito longe do bico do F-Type Coupé, eu percebi que não poderíamos continuar viagem aquele dia. Então parei o carro e reclinei o banco, recostando-me e apagando quase instantaneamente. Nossos problemas começaram realmente quando o tanque de gasolina chegou à reserva no dia seguinte. Era de se esperar, claro, mas eu parei o carro assim que percebi, pois precisávamos de um plano.

Por quê simplesmente não usa o litro de gasolina que você comprou?, Lua perguntou, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

E talvez fosse e eu não sabia.

Mas a questão é que eu tinha outros planos.

Até que não seria uma má ideia, Lua, mas precisamos esconder o carro.

Como?, perguntou.

Pensei um pouco em todas as minhas opções e a resposta pareceu vir de repente.

Vou queimar o carro, respondi simplesmente e a reação fora quase instantânea.

Você vai O QUÊ?!

Não respondi-a, pegando minha mochila do banco do carona e colocando tudo dentro. Olhei em volta no deserto, à procura de qualquer árvore ou cacto, e encontrei não muito longe. Respirei fundo, preparando-me antes de pisar o acelerador e ir diretamente para a árvore. Ainda bem que havia o air bag, pois senão eu estaria morta. Recuperei-me da tontura comum e olhei à frente. A árvore parecia querer atravessar o carro. Sorri ao perceber que dera certo. Saí do quarto levemente trêmula.

O que vai aprontar agora?, perguntou Lua, parecendo quase desesperada.

Peguei a tesoura sem ponta ainda no meu bolso e me inclinei no banco do motorista, tirando o fio que ligava o freio e também o que ligava os faróis. Precisava fazer parecer um acidente. Quando minha mochila já estava pesando minhas costas com a manta encontrada no porta-malas ali dentro, o cantil bem preso em meu cinto e o mapa no meu bolso traseiro da calça, eu peguei o litro de gasolina e joguei por todo o carro. Era um dos melhores carros que eu já tive a oportunidade de ver, antes e depois da invasão, mas era necessário. Um sorriso maroto se abriu em meus lábios enquanto colocava o isqueiro para funcionar. Não o joguei no meio do material orgânico inflamável, apenas o encostei rapidamente e saí correndo para longe. Não muito depois, apenas ouvimos o barulho do carro explodindo, mas já estávamos longe.

Acha que demora?, Lua perguntou, impaciente.

Calma, Lua, estamos indo para casa, mas logo você conhecerá todos eles!, eu disse, tentando animá-la. Espero que se dê bem com Brandt.

Ouvi sua risada silenciosa. Também espero, ele parece um cara legal.

E é, eu disse.

– Sinto a falta dele. – completei normalmente. – E de Jamie também.