Mas, não estava. Sherlock olhou pela janela e viu John se afastar.

"Compre leite", S.H.

Percebeu John, na esquina, soltando uma interjeição pela surpresa após olhar o telefone. Como diabos ele sabia que estava indo para a padaria? Com um leve sorriso, Sherlock colocou o seu celular na pequena mesa ao lado do sofá e sentou-se. Parecia, simplesmente, esperar.

.o.

Mulder afirmou os cadarços do tênis antes de começar sua corrida. As ruas de Londres não eram de todo mal para o seu exercício. Chegou ao parque, mas não sentia vontade de caminhar entre o verde. Queria conhecer aquelas ruas da cidade. Sentiu-se rir quando percebeu um ou outro londrino o encarar com estranheza. Talvez logo adquiriria o apelido de 'Estranho' novamente, mas aparentemente todos se contentariam com 'Americano'.

Apesar da conclusão final revelada pelo Canceroso, Mulder se sentia estranhamente satisfeito em sua nova vida. Skinner facilitara a saída dos seus passaportes, estavam em um lugar onde dificilmente seriam procurados, logo, relativamente seguros e, finalmente, após tantos anos, tinha a mulher que amava muito mais próximo a ele. Aliens podiam abrir e comer o seu cérebro daqui há anos, naquele momento, o que importava era que estava feliz.

Sentiu o tremor abaixo dos seus pés e tropeçou. Estranhou os gritos vindos do metrô e correu para a entrada. Uma grossa fumaça começava a subir pelo vão das escadas. Por instinto, Mulder afastou-se dela. Percebeu uma mulher que saía da estação gritar e se libertar da fumaça. Sua pele se desfazia e escorria pelo corpo, deixando-a em carne viva. Ela berrou e logo seus músculos pareciam murchar. Ela caiu no chão e se debateu até perder a consciência.

As pessoas começavam a se aproximar da estação e gritavam horrorizadas ao se depararem com o corpo da única vítima que tentou escapar do seu tortuoso destino. A nuvem branca de fumaça interrompeu sua subida e manteve-se na linha do solo, sem abaixar.

Mulder olhava surpreso para o que só podia ser, decididamente, um Arquivo X.

.o.

"Vá para a estação Swiss Cotagge e me procure, quando conveniente", S.H.

John guardou o celular e, antes mesmo de conseguir guardar o leite na geladeira...

"Venha para a estação Swiss Cotagge, mesmo que seja inconveniente", S.H.

"NÃO VENHA DE METRÔ. Venha de taxi", S.H.

Suspirou. Teria um encontro em menos de meia hora. Fechou a geladeira um pouco preguiçoso. Lembrou-se de Mycroft: "Meu irmão é sempre tão dramático!". Começou a se perguntar se de fato não seria um pouco de exagero aquela exigência, enquanto pegava um copo de água.

Por um impulso um pouco ranzinza, ignorou seu celular por um minuto e ligou a televisão: engasgou com a própria água ao ver a primeira cena do metrô.

Em vinte minutos chegou à estação. A área fora isolada por, pelo menos, um raio de vinte metros. Aproximou-se das viaturas da polícia e dos veículos do Centro de Controle de Doenças. Percebeu que Sherlock já saía de uma das vans, trajando roupas laranja ligadas a um tanque de oxigênio preso às costas. Ele fez sinal para que o amigo entrasse no veículo.

John se sentia estranho. A não ser por um breve momento na sua carreira de medicina, nunca mais usara roupas de proteção a doenças. Ainda mais, uma de nível máximo. Por mais que se preocupasse com o que estava acontecendo naquele lugar, não podia deixar de sentir certa excitação por aquela experiência.

Desceu da van.

––Vamos testar isso... Todos estão me ouvindo? ––perguntou Lestrade. Queria ter certeza se os comunicadores dentro das vestes funcionavam.

Dois médicos, John e Sherlock afirmaram. Donovan e os outros iriam esperar para entrar no metrô na segunda incursão.

John percebeu o corpo da mulher que tentara escapar, aproximou-se dela primeiro:

––Vocês já tem algum dado dela?

––Somos os primeiros a ver a cena––disse Lestrade.

Sherlock se precipitou sobre a vítima e revirou sua bolsa. Documentos, dinheiro, celular. Todos os pertences ainda estavam com ela.

––John? ––pediu Sherlock.

––Se eu tivesse que arriscar uma opinião, diria que foi uma espécie de bactéria dispersa no ar pela bomba de gás. Algo que atacou terrivelmente os tecidos e músculos dela.

––Há um homem que a viu saindo do metrô––informou Lestrade. ––Ele disse que viu a pele dela derreter e seus músculos murcharem.

––Ele não foi atingido, Greg?

––Não, John, ele estava fora, só percebeu a mulher correndo para fora do metrô quando a bomba explodiu.

As roupas estavam intactas. Sherlock percebeu que Lestrade não era estúpido o suficiente para que tivesse que esfregar isso na cara dele.

Os dois médicos retiravam o corpo da mulher enquanto o detetive da Scotland Yard olhava para as escadas que levavam ao metrô, aos poucos, desceu degrau por degrau, seguido dos seus dois consultores.

Era como entrar em uma densa neblina. Ao terminar de descer as escadas, puderam perceber corpos deitados no chão. John adiantou-se e se agachou ao lado do mais próximo. Não havia pele, músculos ou órgãos. Como se um cachorro tivesse roído os ossos, aqueles restos resumiam-se a ossos frágeis que ainda eram corroídos aos poucos. As roupas e pertences estavam intactos.

Sherlock andou, aos poucos, mais próximo donde a névoa parecia mais densa.

––O que? ––perguntou Lestrade.

––A névoa é mais densa na direção do embarque e desembarque, deve ser onde o gás está sendo emitido––explicou Holmes, pulando as catracas.

Caminharam até onde foi possível enxergar. Não tropeçaram em nenhum corpo, mas seus pés encontravam objetos no chão.

––Precisamos tirar esse gás daqui de dentro––disse John o óbvio.

––O gás precisa ser retirado e armazenado para análise. O Centro de Controle de Doenças está aqui para resolver isso––disse Sherlock, enquanto faziam o caminho de volta. ––Lestrade, sua equipe pode recolher os dados das vítimas. Eles vão encontrar os documentos de todos. Mas, precisam ficar atentos se há documentos em número igual às roupas. Todos precisam ser identificados.

––Sherlock, você não acha que isso tudo aconteceu para eliminar uma pessoa, acha?

––É improvável, John.

––Então, porque...?

––Seria difícil haver apenas uma hipótese para um crime dessa magnitude.

Lestrade afirmou com a cabeça, o que ninguém percebeu já que estava com aquelas roupas. Saíram do metrô. E entraram na van para a esterilização. Após se arrumarem em suas roupas normais, Sherlock pediu:

––Quero falar com a testemunha.

O detetive afirmou e apontou outra van, um pouco mais distante.

––Detetive Lestrade! ––percebeu Mulder, quando Sherlock se aproximou.

––Eu te disse o meu nome? ––perguntou Greg, confuso.

John percorreu o seu olhar entre os três, mas Sherlock interrompeu a confusão, simplesmente ignorando:

––O senhor está tomando antidepressivos, Sr. Mulder?

––Não.

––Algum outro medicamento?

––Do que isso se trata? ––perguntou ele. Scotland Yard podia ser diferente do FBI, mas aquelas perguntas não deviam ser de praxe.

––O depoimento deste homem não pode ser levado em conta, ele está sendo drogado––disse Holmes para Lestrade.

––O que? ––perguntou John, não entendendo como podia estar tão distante do raciocínio do amigo.

Ao olhar indagatório de Greg e a indignação do americano, percebeu que tinha que explicar:

––Me pergunto o que acontece na cabeça de vocês, deve ser uma sensação de paz incrivelmente patética... Dois americanos aposentados pelo FBI vem morar em Londres, eles são ex-parceiros que agora vivem juntos e vieram para cá não por acaso. Mas, para fugir de algo. A pergunta é: porque Londres? O homem viciado em ufologia provavelmente foi quem arrumou a confusão que os fez virarem fugitivos, ele não tem como conseguir outro emprego e é sustentado pela companheira. Não toma antidepressivos e, mesmo numa situação patética em que está, com toda a sua vida arruinada, apresenta traços de animação e felicidade.

––O cara está feliz, ele não pode apenas estar feliz? ––perguntou Lestrade, achando estranha a insistência no assunto.

––Essa não é a pergunta. Meu Deus, eu já dei a pergunta para vocês!

––Ok, Sherlock, porque Londres?

––Obrigada, John. Eles são fugitivos, a opção mais óbvia para saírem do país deles seriam países da América Latina. México, Brasil, Argentina... Em qualquer desses lugares eles sumiriam. E eles sabem disso. Mas, a companheira dele quis vir para Londres. Seu parceiro ofereceria resistência, porque ela não daria a ele o motivo da mudança. Ela precisava que ele estivesse do seu lado. E mais! Ela precisava que ele estivesse ao seu lado sem fazer perguntas, como se tudo na vida estivesse perfeito. Como se Londres fosse a resposta correta para os problemas deles.

––Isso é absurdo! ––interveio Mulder. Podia não ter mais um distintivo do FBI para exercer sua autoridade, podia não estar no seu próprio país, mas acusar Scully daquela forma era simplesmente ridículo!

––Não é absurdo, sendo que ela confessou um crime que ela cometeu contra um cidadão britânico nesta manhã.

––O que? ––indignou-se ainda mais.

––Eu estive na residência de vocês.

––Sim, eu me lembro. Não vá me dizer que eu estava drogado demais para distorcer o que eu vi! Você apenas fez perguntas médicas a ela!

––Exatamente, perguntas das quais ela sabe as respostas. Ela estava no departamento de medicina e ciências neurológicas em uma universidade nos Estados Unidos nos últimos dois anos, o que significa que seria capaz de responder perguntas simples sobre o trabalho dela, como por exemplo, o que é o NMDA. Mas, ela me forneceu a resposta incorreta. Ela trocou duas informações cruciais: o NMDA é um receptor neural––disse, enquanto, pelo celular, rapidamente, abriu a confirmação no google e mostrava à todos. ––Enquanto que o inibidor de tecido neural recebe outro nome. Sua mente confusa chocou duas informações que conflitavam em sua consciência: pela lembrança do crime cometido no avião que trazia vocês à Londres. Sr. Mulder, em algum momento, durante o voo, a Sra. Scully se levantou do seu acento e se dirigiu para o banheiro. Havia um homem entrando nele naquele instante e ela conseguiu dominá-lo e entrar junto com ele. Não deve ter sido difícil para ela imobilizá-lo em silêncio, já que foi agente e é médica. Ela inseriu a seringa com a substância que privaria o homem de funções cerebrais específicas pelo globo ocular, danificando-o sensivelmente. Cristian Spiegel tornou-se demente naquele voo. Sua companheira voltou para o seu acento, e o Sr., por estar drogado, não reparou nas mudanças no comportamento dela.

––Incrível! ––exclamou John. Vira Sherlock na internet analisando listas após a saída do homem caolho da Barker Street, mas nunca imaginou que estivesse comparando informações de passageiros. Entendera, enfim, como ele descobriu quem tinha tirado a sanidade do pobre homem.

Mulder riu:

––Isso é tão absurdo!

––Absurdo pelo fato de estar em uma situação de risco e ainda assim você se sentir feliz? Lestrade, pode testar esse homem, uma grande dose de antidepressivos será constatada. O Sr. vai parar de rir, Sr. Mulder, quando perceber que pode não ter sido o único privado de suas amplas capacidades de raciocínio e livre-arbítrio. Eu disse que sua companheira cometeu o crime, nunca disse que ela era culpada por ele. Não seria natural de uma cientista como ela cometer o erro que cometeu quando respondeu à minha pergunta.

Lestrade e Watson, naqueles minutos, esqueceram-se de que estavam próximos à estação de metrô. Olharam à volta e pareciam acordar daquilo que parecera uma rápida escapada do caso.

––Lestrade, me avise quando tiver uma lista de vítimas. E, claro, o local exato onde a bomba explodiu.

––Você não vai ficar aqui? ––perguntou o detetive.

––Não––e virou-se indo embora. ––Vamos, John, precisamos coletar alguns dados.

Mulder riu.

John ouviu uma repórter próxima dizer: "Diretamente da estação de metrô Swiss Cotagge onde ocorreu o que provavelmente foi o crime mais hediondo das últimas décadas da história de Londres".

.o.

Scully tocou a campainha e aguardou. Que mulher ruiva adorável, ele sempre ignora quando lhe chamam, mas...

––Boa tarde.

––Boa tarde, senhor––disse com um sorriso amistoso e estendeu a mão para ele.

––Em que posso ser útil?

––O sr. é Michael Josen?

––Sim!

––Meu nome é Dana Scully. Eu estudei com a sua filha no colegial.

Ele riu:

––É mesmo? Mas, ela não está em casa agora.

––Não? ––perguntou num ar decepcionado, aguardara a moça sair para tocar a campainha. ––Será que eu posso esperar por ela?

Que ruiva adorável!

––Não vejo porque não! ––disse o homem de alto cargo do governo britânico dando licença para ela entrar––Sente-se, por favor!

Ela entrou e ele fechou a porta. No movimento rápido e firme, ela bateu com a cabeça dele contra a porta branca, que se tingiu de vermelho. Virou o corpo dele para cima, abriu sua maleta e colocou suas luvas de borracha. Abriu as pálpebras do olho esquerdo do homem. Ao menos aquele não moveria o seu olho no momento da inserção. Aquele não ficaria cego. Pegou a seringa e sugou com ela o líquido esverdeado. Inseriu pela pupila o fino e longo metal. Injetou a substância.

Dana guardou suas coisas na maleta e saiu sem se importar com a porta aberta atrás de si. Percebeu o céu tão lindo e azul. Um lindo dia.