Hearts Of Sapphire

¨t h i r t y - n i n e¨


Conall permaneceu sentado no mesmo lugar nas arquibancadas da Arena mesmo depois que todos começaram a sair.

Com uma olhada para o lado, ele viu Corinna se locomover pela fileira com o mesmo olhar desnorteado que o garoto achava que tinha no rosto.

Voltou-se para frente. Para o centro da Arena. Mattia não estava mais lá.

Theodor apareceu na sua frente perguntando algo como “Está tudo bem?” enquanto o Escolhido de Nix apenas acenava afirmativamente com a cabeça embora não estivesse escutando com muita clareza.

A caminho da Ordem Ônix, a história que Thad lhe contara não saía de sua mente. Não que ela tivesse saído em algum momento.

A imagem da primeira deorum a existir, Ava, ainda era viva na sua mente e o arrepio que subiu pelo seu braço foi o mesmo de quando observava o confronto de Mattia e Albernaz.

Conall soube antes mesmo da menina quebrar o pescoço do rapaz, que a vida já se tinha se afastado do oponente há vários minutos.

Queria continuar pensando em Mattia como Ava e não como sua irmã mais velha, Vitta, que enlouquecera com o poder apenas por querer ser mais para si do que para a mais nova.

Ainda assim, o que a Escolhida de Amara deveria ter feito no interior de Albernaz…

Conall chacoalhou a cabeça quando o transporte parou na frente do pequeno armazém, que pertencia ao alfaiate da família do Governante Ônix, para tirar suas medidas para a celebração da segunda etapa. Apesar de ter quase certeza que os Escolhidos restantes não deveriam estar muito no clima para comemorar. Ele mesmo não estava.

— Isso é tudo efeito do último confronto, ansiedade para a próxima rodada ou tudo junto? — Theo questionou após descer da carruagem e bater à porta do armazém.

O céu estava cinza sobre as ruas, e, diferente do esperado, as pessoas não se moviam num ritmo preguiçoso característico de um dia nublado e frio. Os sorrisos eram tão brilhantes quanto raios de um dia ensolarado.

— Acho que tudo isso e, ainda por cima, com o efeito das histórias de Thad. — Conall respondeu passando pela porta que acabara de ser aberta por ninguém que estivesse à vista.

Um calafrio de conforto passou por seu corpo quando a temperatura morna do ambiente o envolveu ao dar o primeiro passo no interior.

A porta se fechou, mais uma vez, sozinha.

A entrada do armazém era um longo corredor. No chão, um carpete felpudo e preto fazia o caminho. Do lado esquerdo, a parede de madeira envernizada era coberta de tapeçarias finas e quadros com croquis elaborados e retratos. Em muitos dos últimos, o Escolhido de Nix reconheceu antigos líderes da Ordem, que também tinham várias representações espalhadas pela casa de Theodor.

Do lado direito, em vez da parede, vidro se estendia do chão ao teto, expondo vários estilos de vestuário. A maioria era simples, mas elegante — apesar de alguns deixarem o garoto duvidando sobre existir algum indivíduo com coragem e ousadia suficiente para usá-los.

Quem olhasse o simples armazém de fora nunca imaginaria como era ali dentro.

— Então Thad andou lhe contando a história de terror do nosso mundo definitivamente baseada em fatos reais?

Theodor empurrou a porta ao fim do corredor, revelando um senhor curvado e baixinho sobre uma imponente mesa de carvalho, rabiscando efusivamente um aparente esboço.

— Excelência. — foi o único cumprimento e convite que o homem direcionou antes que o Governante e Conall entrassem no amplo cômodo, que ao contrário do elegante corredor, combinava muito mais com a aparência externa do recinto.

Araras, cabides e tecidos ocupavam as poltronas e o sofá como se fossem os verdadeiros convidados ali.

Apesar de toda a excentricidade do local e do próprio dono, Conall ainda percebia uma energia comum no senhor.

Era quase como se ele fosse…humano.

Theo apenas assentiu quando o Escolhido lhe lançou um olhar questionador.

— Ah, temos visitas. — o homem tirou os olhos do papel e encarou Conall. — Muito prazer, senhor…

— Conall Veseir. — o garoto completou apertando a mão que lhe acabara de ser estendida.

— Este é Emery. — Theodor apresentou. — Ele e sua família vestem a minha por mais gerações do que eu sou capaz de lembrar. E sempre serão de minha total confiança.

Emery dispensou os elogios com um gesto de mão casual e então tirou os fios do vasto cabelo grisalho que caía em seu rosto.

— Limpar. — disse de repente e tudo que havia sobre os lugares disponíveis para sentar foi amontoado num canto da sala.

Conall arregalou os olhos apesar de não ser mais novidade. Humanos, graças a herança de Ava, A Primeira, poderiam realizar certas formas de magia falada. Thad lhe revelara aquilo.

— Por favor, perdoem a bagunça. Picos de inspiração não costumam vir com aviso prévio. — Emery sentou-se na extremidade da mesa, cruzando os braços sobre o colete preto, cheio de alfinetes nas beiradas. — Ainda mais quando o Senhor Ônix anda fazendo uma ótima propaganda de meus trajes que até pessoas da Ordem Ouro estão vindo fazer pedidos. E devo dizer que nunca conheci um povo mais exigente.

Theodor apenas se inclinou em reverência antes de se sentar ao lado de Conall no sofá de couro.

— Você deve ser o rapaz que está se saindo muito bem no Sacrifício. — Olhando para o teto, acrescentou: — Foedum spectaculum. Mas, apesar disso, foi por causa desse circo de horrores que estou aqui. Meu ancestral venceu uma das edições, trouxe a, na época, futura esposa e criou morada. É por causa dele que estou aqui para presenciar a história ser feita. Ainda acredito na Profecia, garoto, afinal você está aqui na minha frente, não é?

O sangue de Conall correu mais quente em suas veias como sempre acontecia quando a Profecia era mencionada.

A Profecia que dizia que três indivíduos, diferentes de tudo que Excelsior tinha visto nos últimos anos, ascenderiam para cobrar justiça dos que foram injustiçados eras atrás. Para trazer de volta algo que há muito foi perdido.

Não tinha ainda detalhes de como esses três seriam diferentes, nem quem foram os injustiçados, nem o que havia sido perdido; mas sentia algo vibrar dentro de si ao pensar na possibilidade da confirmação de o que estava acontecendo com ele, Corinna e Mattia, não era pura coincidência. Seus caminhos não tinham se cruzado por acaso.

— Deixe a narrativa para outra hora, Emery. Pelo jeito que Conall passa horas escutando Thaddeus lhe contar histórias, também irá adorar se tornar um ouvinte seu. — Theodor levantou passando os dedos pela variedade de rolos de tecidos.

Emery bateu uma palma.

— Claro, os senhores estão aqui para ver o que eu faço de melhor e, por mais que haja algumas controvérsias, contar histórias é apenas um hobby. — O homem sacudiu uma fita métrica no ar e estendeu a mão outra vez para Conall. — Segure aqui, criança, deixe-me sentir sua energia. Theodor pode querer ficar no preto básico para sempre, mas tenho ideias grandiosas para você.

O poder fluía como uma corrente por seus dedos. Era uma sensação libertadora. Revigorante. Incrível.

A luz branca iluminava o Galpão como os raios que cortavam a noite na superfície. Pelo menos, era o que o visor na parede mostrava.

Sua magia tinha voltado com mais potência do que antes, mas, por mais que tentasse, não conseguia dar forma a ele.

Fechava os olhos e imaginava que as descargas que deixavam seus dedos eram vermelhas ou azuis ou verdes ou pretas, porém, quando olhava em volta, seu poder ainda era alvo e insosso.

Tentava conjurar água ou chamas ou pó, mas conseguia apenas fazer o básico.

Um buraco no chão.

Uma materialização.

Um crek na madeira da cama.

Nada que lhe desse uma dica de quem era.

Sabia que Mattia tinha usado sua magia para matar Albernaz, contudo ela não parecia sofrer nem um terço do desgaste que Corinna sentira ao destruir a parede do Galpão.

Talvez matar alguém fosse realmente mais simples do que destruir pedras.

Queimara Nyota, quer dizer, o seu colar queimara a menina, mas por pouco o machucado não ficou visível para quem estava de fora.

A Escolhida de Amara matara um homem de dentro para fora sem deixar nenhum rastro aparente, o que significava que o tipo de controle de Mattia era muito maior do que o dela ou até mesmo o de Conall.

Corinna precisava sair dali. Precisava descobrir um jeito de controlar aquele suposto dom que lhe fora dado.

Afinal, nunca gostou de ser controlada.

E era por isso que estava ali no Sacrifício.

Os dois dias que separavam o último confronto da celebração para a segunda etapa haviam se passado.

Corinna acordou cedo demais agarrando o lençol fino. Suor escorreu por sua testa apesar da última madrugada ter sido mais fria que o usual.

O sonho — ou pesadelo, ela não sabia definir — foi bem simples e se repetia como uma fita quebrada.

Um coração humano e pulsante. Sangrento. Quente. Em suas mãos.

Por mais que ela quisesse largá-lo ou colocá-lo sobre alguma superfície, o sangue parecia a cola que o unia em seus dedos.

Então, ele parava. O sangue se esvaía. O músculo ficava tenso e frio. O vermelho vibrante do sangue dava lugar a uma coloração preta como adamantino e, naquela hora, Corinna não entendia o que de fato prendia o coração em seus dedos.

Então, o órgão voltava à vida de novo.

Quando as luzes se acenderam e Fearis entrou no Galpão com roupas limpas e ferramentas para ajeitar o cabelo que agora passava do meio das costas da Escolhida, Corinna decidiu que não tentaria mais entender aqueles sonhos/pesadelos/visões.

Com sorte, aquela noite teria sido a sua última naquele lugar. E não precisaria se preocupar em separar a realidade das alucinações de fome.

Em breve, ela tomaria o controle do seu descanso novamente. Dos seus poderes. Do seu destino.

Athlin deixara um bilhete junto com o traje que seria entregue a Corinna por Marjorie.

Nunca se sentira tão inapto quanto no momento que escolhia o que escrever.

Perdeu a conta de vezes que amassou e rasgou os papéis antes do definitivo.

Não queria soar idiota, nem, indiferente.

Um presente pela sua amizade.

—Athlin

Foi o brilhante resultado. Tudo o que conseguiu pensar. Pelo menos tudo o que conseguiu pensar e não teve vontade de jogar direto no lixo.

Desceu as escadas para Galpão, embora não tivesse ideia de que horas eram.

O relógio de bolso deslizou para sua mão, brilhando na pouca iluminação daqueles corredores sombrios e malcuidados.

Faltavam quinze minutos para abrirem o salão, mas será que Corinna já estava pronta?

Da última vez, ela se atrasara…

Athlin tentou manter os passos firmes, silenciosos e não muito ansiosos.

Odiava a atmosfera ali embaixo, odiava que a menina tivesse vivido — sobrevivido — ali por todas aquelas semanas, mas havia sido uma escolha dela.

Num mundo onde os humanos tinham tão poucas, queria que ela escolhesse de verdade aquilo.

Escolhesse ele. Era o que o fundo de sua mente sussurrava.

Mente idiota.

Pelo menos, a menina estaria livre daquela prisão depois daquela noite.

Voltaria a ver o céu com os próprios olhos, sentir o vento no rosto, conhecer um pouco do mundo do rapaz…

Não havia nada demais em querer o bem de uma amiga.

Apenas isso. Amiga.

O Senhor Esmeralda sacudiu a cabeça, suas mãos um tanto inquietas, mal podia acreditar que estava experienciando um sentimento tão humano quanto a ansiedade.

Estava prestes a dar meia-volta e esperar os dez minutos restantes no andar de cima, cumprimentando quem chegasse e fugindo de seu pai.

Essa última estava sendo uma tarefa e tanto nos últimos dias depois que os rumores da aliança com a Escolhida de Fortuna começaram a se espalhar pelo Setor Superior.

Ficava irritado sobre como era quase impossível manter algum segredo por ali, embora, provavelmente tivesse sido ele que deixara suas emoções visíveis demais em seu próprio rosto.

Athlin se virou limpando a poeira invisível de seu gibão verde-musgo. As abotoaduras douradas eram apenas de enfeites e davam um realce junto com os espirais prateados nas laterais. Uma capa do mesmo tom de verde descia por suas costas com fios de ouro cintilando contra a luz. A calça de montaria era de um marrom esverdeado e tinha a bainha quase engolida pelo sapato de couro.

Melor tinha, de fato, caprichado.

Sentia-se meio pomposo, mas tinha um quê de grandeza nas vestes que faziam com que o garoto compreendesse — surpreendentemente — as milhares de camadas de roupa que seu pai costumava vestir.

Dera dois passos para longe da porta do Galpão, decidido a pelo menos subir lentamente cada um dos degraus para então descê-los novamente, quando ouviu a pesada porta do Galpão se abrir e sentiu seu estômago chacoalhar.

Viu Marjorie primeiro. Os cabelos laranja-acobreado soltos até a cintura com uma singela tiara na parte de trás da cabeça. Estava num vestido em verde degradê longo e justo, repleto de brilhantes. Ela apenas arqueou a sobrancelhas para o Governante, olhando-o de cima a baixo com um sorriso presunçoso.

Ele apenas lhe deu um aceno de cabeça como cumprimento. Pelos anos que já conhecia Marjorie, sabia que ela não o deixaria em paz tão cedo com provocações, e não demorou muito tempo para fazer a primeira:

— Você tomou banho. Eu estou tocada. — disse baixinho, mas a Examinadora parecia feliz de verdade por vê-lo ali. Da última vez que se falaram, confidenciou que estava morrendo de saudades da Ordem Esmeralda.

Ficava feliz por ver que a garota considerava sua Ordem um lar, ainda mais depois de passar tanto tempo em um onde nunca se sentiu acolhida.

— Você também está apresentável, Marj. Não tentou deixar ninguém cego com sua maquiagem hoje.

Ela deu de ombros e depois girou sobre os próprios pés. Os brilhantes bruxulearam na pouca luz.

— O vestido já está encarregado dessa tarefa.

Foi o que ele achou que ela tivesse respondido.

Achou porque naquele mesmo instante Laeni saía pela porta dando um vislumbre de parte da Escolhida.

A meia-irmã de Marjorie estava igualmente bela enquanto ajeitava de costas algo em Corinna.

O vestido da outra Examinadora era preto, como de costume, mas era trespassado com fitas vermelho-rubi, uma singela homenagem à mãe falecida, seus cabelos escuros e com grandes ondas também estavam soltos, mas ela não tinha nenhum adorno ou acessório muito chamativo para acompanhar.

Enquanto Marjorie tinha uma beleza mais ofuscante, Laeni tinha uma instigante que atraía de maneira muito mais sutil, porém muito mais perigosa.

A mente de Athlin ficou vazia quando finalmente, Corinna deu um passo para fora o Galpão ainda olhando para algo na saia.

Melor simplesmente tinha feito uma obra de arte.

Não que ela precisasse de muito para se destacar.

A Escolhida usava um vestido de mangas longas que se prendiam ao dedo médio de cada mão como uma luva embutida. A saia era cheia mas não era bufante, era aberta o suficiente para dar um ar de importância e nobreza. O mesmo fio de ouro que descia pela capa do deorum foi usado nos detalhes da sua saia sendo entrelaçado com fio de prata.

Não conseguia ver a parte superior do vestido porque por cima dela havia uma espécie de jerkin de veludo em um tom mais claro que o vestido. Ele moldava todo o tronco de Corinna e era repleto de símbolos resplandecentes que pareciam se mover por conta própria ao ter contato com a luz. As abotoaduras eram um pouco maior do que as suas e se organizavam em duas fileiras pararelas dando um ar oficial e sério. Naquele momento, o Senhor Esmeralda a comparou com uma rainha, mas foi só quando seus olhos se encontraram que ele teve certeza.

Os dela se abriram um milímetro a mais em surpresa por vê-lo ali.

O ar sumiu dos pulmões do Governante.

O cabelo era como um tapete brilhante, com as mechas que costumavam cair em seu rosto sendo mantidas longe dali pela pequena tiara sobre sua cabeça.

Apesar de todo o brilho das vestes, os olhos dela conseguiam brilhar mil vezes mais forte.

Com um sorriso tímido, ela foi a primeira a dizer:

— Bem, pelo menos, tenho duas certezas: a de que não estou atrasada e que não serei a única a atrair olhares essa noite.

Como se não fizesse aquilo há muito tempo, Athlin soltou o ar com um pequeno riso.

Quando a vira, ficou preocupado de a garota pensar mal das vestes visivelmente combinando, mas, pelo suavizar sincero do seu franzir de testa, ela parecia grata por não ter que caminhar sozinha pelo salão repleto de pessoas com aqueles trajes que eram um pouco demais.

Athlin reconhecia que eles eram mesmo assim. Demais.

Mas incrivelmente, o demais ficava muito bem nela.

Com um milagre, daquela vez não estava atrasada.

Quando adentrara o salão de braços entrelaçados com Athlin, não havia ainda muitas cabeças para se virarem em escrutínio. Embora todas as poucas que estavam ali fizeram aquilo.

Estava se sentindo bonita, aliás, muito mais do que bonita. Também se sentira assim na Cerimônia de Boas-vindas, porém, daquela vez, era como se estivesse excedido todas as suas expectativas.

No momento em que se olhou no espelho, viu alguém que ela nunca foi, alguém que não era, mas quem ela poderia ser.

O Senhor Esmeralda estava igualmente deslumbrante. Claro, não gostava da ideia que as roupas combinando poderiam passar para o resto dos deorum, mas sabia que ele não fizera com aquela intenção. Seu bilhete expressava aquilo.

Um sentimento, que ela não soube nomear muito bem, preencheu o seu ser quando descobriu que a peça, ou melhor, as peças que Marjorie trouxe eram um presente do seu, em breve, Simpatizante.

A menina agradecera veementemente no caminho até o salão.

O calor do seu braço conectado ao de Athlin, embora hesitasse admitir, era bem-vindo. Contudo, quando percebeu que ele teria de cumprimentar todas aquelas pessoas com olhares afiados e maldosos, apressou-se em "liberá-lo" para que fosse fazer os cumprimentos sozinhos.

O deorum pareceu tão animado quanto ela para quebrar o contato, mas lhe lançou um sorriso e prometeu que logo voltaria, porém ambos sabiam que aquela não seria uma tarefa nada rápida.

Diferente da Cerimônia de Boas-vindas, Laeni lhe explicou que ela não precisaria se dirigir para reverência ou cumprimento de ninguém que a humana não quisesse. Embora, se um Governante parasse ao seu lado ou reconhecesse sua presença, ela deveria curvar-se em respeito.

Marjorie, como na outra ocasião, se pôs a andar pelo salão. Laeni, por sua vez, se manteve ao lado de Corinna.

Desde o começo dos dia, a Escolhida percebera que ela estava distante, até pegou-a várias vezes com o olhar perdido.

— Ousou um pouco com o vermelho hoje? — tentou puxar assunto sentando-se em um dos pequenos sofás macios e batendo no espaço ao seu lado para que a Examinadora se acomodasse também.

Num vislumbre, Corinna observou uma espécie de broche pequeno na altura da cintura do vestido de Laeni.

— Temos que sair da zona de conforto de vez em quando. — Um pequeno sorriso brotou em seus lábios. Quando a menina reparou para onde a caçadora estava olhando, disse: — É o símbolo da Ordem Rubi.

Um dragão cuspindo fogo.

Corinna arqueou as sobrancelhas:

— Rubi? E pensei que dragões não existissem, que fossem só lenda.

— Toda lenda tem um fundo de verdade. E há muitas coisas no nosso mundo que querem que acreditemos que sejam lendas, mas que apenas estão bem escondidas. Eles são muito poucos e raros; claramente, não se parecem como a eras atrás, mas ainda estão por aí. Toda Ordem tem uma espécie de patrono, se ele é totalmente extinto há sérios riscos da Ordem também ser. Porém, inclui muitos outros fatores…

— E o Rubi…?

Laeni respirou fundo, mas não por impaciência, porém mais como algo que lhe doesse falar sobre.

— Minha mãe era de lá antes de se casar com o nosso pai, meu e de Marjorie. Fiz uma pequena homenagem. Hoje seria o aniversário dela. E também é o dia em que ela morreu.

Então aquilo explicava…

Corinna segurou a mão de Laeni, reconfortando-a.

— Sinto muito. Eu não sabia.

— Foi melhor assim.— disse encarando a Escolhida com sinceridade. — Às vezes, é preciso partir para salvar alguém com quem se importa. Ela fez isso por mim e eu só me arrependi de não ter aprendido mais sobre ela ou sobre as coisas que tanto gostava.

— Tenho certeza que de onde quer que ela esteja, está orgulhosa de quem você é.

A Examinadora abriu um sorriso brilhante, o primeiro do dia, e respondeu:

— A sua também.

O salão não demorou muito para encher. Logo, Corinna viu Conall caminhando em sua direção, impecavelmente belo. A jaqueta de veludo era dourada com alguns detalhes em preto, cobria todo seu tórax e se assentava em seus braços delineando os músculos antigos e os recém-formados com o provável treinamento que estava recebendo na Ordem Ônix.

Era de se esperar que Theodor houvesse chegado junto com o Escolhido, mas ainda não o tinha visto.

— Devo me curvar? — Conall perguntou dando um passo para trás quando a menina fez menção de cumprimentá-lo. Um sorriso brincalhão se estendia em seus lábios. — Você realmente está roubando toda a ideia de nobreza que os deorum achavam que tinham.

A Escolhida de Fortuna fez uma careta, mas mesmo assim prosseguiu na tarefa de dar um abraço no aliado.

— Deixe disso, — disse com os braços em volta do rapaz. — Você está magnífico.

O abraço terminou e Conall deu uma voltinha sobre os pés.

— Sabe como é, o preto de Theo parece muito triste e formal para mim.

— É claro. — Corinna respondeu inclinando a cabeça.

— Soube que aceitou a oferta do Senhor Verde — O rapaz tinha uma falsa expressão confusa no rosto. — Verdinho?

— Athlin. — A garota disse tentando segurar o riso.

— Isso! — Eles estalou os dedos como se o nome estivesse na ponta da língua o tempo todo. — Aliás, estou muito feliz por você, apesar de ficar magoado por recusar minha companhia na Ordem Ônix.

— Minha escolha não teve nada a ver com você. — Corinna segurou uma mão de Conall. — É só que não…

Conall rolou os olhos:

— Não confia no Theo… Sei, sei. Não importa o quanto eu diga que ele é um cara legal. Estranho, às vezes, mas legal.

A caçadora apenas sorriu como quem pedia desculpas, mas ele apertou suavemente seus dedos.

— Apesar disso, eu só vim dar um "oi" rápido e parabenizá-la. — O menino de Nix se inclinou um pouco e abaixou a voz: — Descobri umas coisas sobre os deorum e talvez sobre a origem dos nossos...poderes, e, por isso, não acho seguro que sejamos vistos juntos por muito tempo. Principalmente nós três, num lugar tão público. Tentarei falar com Mattia quando ela chegar, embora pareça que ela está meio...diferente ultimamente.

Conall chacoalhou a cabeça e Corinna conteve a vontade de perguntar mais. Sabia que ele tinha razão, não estavam seguros ali.

— Enfim, se não conseguir falar com você mais uma vez, espero que aproveite a festa. E não se preocupe, será mais fácil eu entrar em contato com você uma vez que estiver na Ordem Esmeralda.

Com um beijo nas costas da mão da Escolhida e o piscar de um olho, Conall se despediu.

Pelo visto, a primeira dança da noite tinha acabado de começar quando entrou no salão.

De onde estava conseguia ver um total de dez casais dançando uma valsa animada, quase uma espécie de quadrilha, com passos sincronizados e tudo.

Quem não estava no meio, estava em volta observando a movimentação.

Achava melhor assim, o vestido que haviam escolhido para ela era tudo menos discreto.

Preferia pensar que Trevan não tinha nada a ver com a escolha, embora achasse que o Senhor Granada estava familiarizado demais com as costas profundamente baixas do vestido, onde apoiava sua mão para guiá-la pelo caminho.

Pelo menos, Raeanna achara uma manta que combinaria o suficiente para cobrir o ousado decote frontal de Mattia.

Para ser sincera, o vestido era deslumbrante. Era do tom granada com listras que lembravam fissuras de um vulcão, preenchidas com magma a ser expelido. Era algo a se admirar e admiraria com gosto em outra pessoa, mas estava levemente desconfortável. Nunca fora de exibir seu corpo e, ainda assim, ao olhar para as listras tão perto da sua pele, era forçada a lembrar do confronto com Albernaz.

De como tinha tirado sua vida.

Um enjoo sempre acompanhava a memória.

Trevan avisou que iria trazer bebidas e Mattia teve a oportunidade de analisar os rostos no salão.

Viu Corinna primeiro.

Enquanto sentia que mostrava demais, a aliada escondia tudo exceto o que precisava para capturar a atenção de qualquer um. O rosto que se portava como um canvas perfeito para o nariz desafiador, o cenho decidido e os olhos incrivelmente chamativos.

Tinha certeza que o seu próprio vestido cairia muito melhor nas curvas que a Escolhida de Fortuna ostentava antes de ficar confinada naquele Galpão.

Não entendia porque a caçadora tinha aquela postura desafiadora de tudo e de todos quando poderia simplesmente parar e ficar sendo bela, conseguir um bom casamento e viver em paz.

E aquele fato era ainda mais incontestável quando o Governante Esmeralda se mantinha ao seu lado observando-a assistir à dança como estivesse prestes a pedir sua mão a qualquer instante.

Dando uma rápida olhada nos arredores, ele não parecia ser o único.

Não se aproximou muito do círculo de espectadores, mas continuou procurando por outro conhecido na multidão, embora soubesse que no momento que Conall a visse, ela desviaria o olhar.

Não deixaria que se aproximasse.

Tinha visto o olhar que ele lhe lançara pouco antes de se afastar do corpo de Albernaz na Arena. Algo como medo, surpresa e... decepção.

Ainda não entendia porque lhe incomodava tanto aquilo, visto que o rapaz era na maior parte do tempo inconveniente.

Porém, desde que formara a aliança, sabia que era uma das únicas vezes que tivera alguém que parecia se importar com ela.

Conall e Corinna eram parte do relacionamento mais profundo que Mattia tivera com alguém na vida. De certa forma, eram seus iguais.

Decepcionar um deles, significaria e doeria mais do que conseguia admitir.

Estava perdida em seus próprios pensamentos, quando sentiu uma mão gelada sobre seu ombro.

Apesar de ter sentido o toque apenas uma vez, há dois dias, recordava-se bem.

Ficara horas pensando em como alguém com um poder tão quente e abrasivo, poderia ter o toque tão desconcertantemente frio.

Erguera o olhar para encontrar a Senhora Rubi com um sorriso largo.

Mattia fez uma profunda reverência.

— Está espetacular, querida.

— Muito obrigada, Excelência. — sua voz era tão fraca que quase não fora ouvida.

Raeanna e Raleigh deram uma desculpa qualquer dizendo que já voltavam e que no caminho avisariam a Trevan sobre sua companhia.

Aquilo soou nos ouvidos de Mattia, tanto como uma cortesia para a Escolhida como um leve aviso para a Governante.

— Gostaria de continuar a nossa conversa, o que acha? — Rexta ofereceu e a menina apenas assentiu com a cabeça, seguindo a deorum em direção a um dos móveis disponíveis.

Não tivera uma hora desde que conversara com a Senhora Rubi que não processava tudo o que ela dissera.

Naquele momento, enquanto caminhava, Mattia repassava tudo novamente na cabeça.

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