Sempre gostei de andar de bicicleta. Ficava a tarde inteira pedalando pelas ruas de L.A. descendo por escadas, andando pelos lugares mais apertados, pedalando em alta velocidade nas curvas fechadas e nas ladeiras mais inclinadas. E nessas ruas, escadas e curvas que eu conheci o cara mais surreal desse mundo. Meu nome é Demi Melton, nasci dia 18 de dezembro de 1965.

Bem, nunca gostei tanto de companhia, aliás, eu não fazia questão de ter uma, sempre achei que eu era melhor sozinha. Isso tornava as minhas decisões mais fáceis, afinal, se a situação der merda eu vou ser a única que vai se foder. Então, resumindo, eu fazia as coisas que eu queria, na hora que eu julgava ser melhor.

No verão de 1978, eu estava andando de bicicleta em algum quarteirão de movimento, e nele tinha uma pista de bicicross, que era cercada por uma grade de ferro verde com losangos. Estava havendo uma competição, ela parecia bem interessante, porque havia muita gente lá, gritando, vaiando e torcendo. Resolvi me aproximar, desci da minha bicicleta e a encostei na grade que envolvia a pista, coloquei as mãos entre os losangos daquele ferro e encostei meu rosto nela. E então foi quando eu o vi. Vi um garoto de pele parda, meio magricela, com o cabelo encaracolado, vestia uma simples blusa,jeans e all star, estava sobre uma bicicleta de bicicross, ele estava saltando com ela no momento em que o vi, aquilo foi interessante. O garoto pedalava muito rápido e estava na frente de todos, seu rosto era uma mistura de serenidade e voracidade. Fiquei atenta aos movimentos e aos olhares daquele menino, parecia que ele observava tudo o que se passava, observava quem estava se aproximando, observava a pista com as suas desnivelações, observava tudo o que poderia atrapalhá-lo. Ele também imaginava todo o seu percurso até a linha de chegada. Os olhos dele mexiam com tanta rapidez que em um momento eles pairaram em mim, e eu logo desviei o olhar, virando de costas e pedalando para longe dali. Será que ele tinha olhado para mim por acaso? Aah, claro que sim, ele era um observador, presumi... Só estava analisando tudo e todos. Cheguei em casa à noite, tomei banho, coloquei o disco do Led Zeppelin para tocar e me joguei na cama... "You need coolin', baby I'm not foolin', I’m gonna send, yeah, you back to schoolin’..."...

No dia seguinte, acordei de manhã, e olhei em volta. Meu quarto estava bastante bagunçado. Suspirei. Peguei um short jeans que estava jogado no chão e o vesti. Me olhei no espelho. Suspirei de novo. Procurei no meu armário uma blusa, peguei uma que era do meu pai, o número daquela blusa era duas vezes maior do que as outras que eu costumava usar. Gastei uns três minutos para achar o outro pé da minha meia, calcei meu all star preto e fui tomar café da manhã.

Encontrei minha mãe na cozinha fazendo panquecas e disse: – E aí, mãe? Vai demorar pra ficar pronto?

– Oi, filha. Não, mas... Por que tanta pressa hein?

– Nada, só quero sair logo pra andar de bicicleta- disse eu pensando se eu encontraria aquele garoto da competição- Aliás, você disse que ia me dar uma nova!!

– Haha, é mesmo, mas eu só disse que te daria com uma condição lembra??- disse a minha mãe colocando as panquecas sobre a mesa- Você tem que...

– Bleeeh- disse eu interrompendo a minha mãe- eu tenho que melhorar minhas notas e blá blá blá, sei disso, sei disso- falei enquanto mastigava uma panqueca com uma cara de deboche- Nem sei por quê isso é tão importante, mãe...

– Claro que é importante, Demi!! Ou você que morrer de fom...

– Ta, senhora Alyson Melton, vulgo Senhora Discurso, que seja, to indo!! Adeus.

Dei uma risada, peguei a minha bicicleta e sai correndo de casa enquanto minha mãe falava que eu tinha que ser mais educada.

Logo que abri a porta de casa, fui surpreendida por um grupo de adolescentes sobre suas bicicletas, quase me atropelaram. Eles vieram da esquerda para a direita e passaram tão rápido que o meu cabelo levantou por conta do vento que eles fizeram. Olhei para onde eles estavam indo e montei na minha bicicleta pretendendo tomar o caminho oposto daqueles moleques. Quando olhei para a esquerda, ouvi um zunido de correntes... Correntes de bicicleta, e seguido desse barulho vi um garoto que estava correndo muito rápido em sua bicicleta, e ele gritava:

– SAI DA FREEEEEEEENTE!!!

A única coisa que pude fazer naquele momento foi piscar, e então BUUUM! O menino me atropelou:

– Aai minha cabeça!

– Ai a MINHA cabeça né, seu doido, não olha por onde anda?? - falei enquanto acariciava a minha cabeça. - Qual é o seu problema?

– Ei, não coloca a culpa em mim, você que ficou parada no meio do caminho! Voc...

– HEY Saul!! - disse um garoto daquele grupo de adolescentes doidos- vamos logo!!

Em resposta, o menino que se chamava Saul, que me atropelou, levantou, montou na sua bicicleta, e saiu pedalando, sem me pedir desculpas. Xinguei ele que nem uma louca na minha mente. Mas que cretino estúpido, me atropela e ainda põe a culpa em mim! Filho da puta sem educação, desastrado, imbec... Foi aí que me dei conta de que esse garoto que me atropelou era o mesmo garoto que eu tinha visto ontem na competição. O nome dele era Saul! Meu deus!

Imediatamente peguei minha bicicleta e fui pelo mesmo caminho que Saul havia ido depois que me atropelou, pretendia achar ele, se eu conseguisse alcançá-lo...