Meu celular me despertou do meu sono. Eu me sentei na cama e o busquei da cabeceira, mas caiu no chão porque ainda dormia na verdade. Apanhei rezando que não estivesse quebrado e olhei o visor com "sobrancelhudo" escrito nele, o apelidinho amigável que dei ao meu chefe sem ele saber disso, até porque ele me chamava de "marimo" e ficava puto por não poder me dar ao luxo de retrucar, senão o meu almoço no outro dia não estaria garantido.

Ademais, meus amigos mais próximos sabiam do apelido por ouvirem direto as minhas queixas em relação ao trabalho. Alguns diziam que eu tinha uma obsessão pelo meu chefe — um bando de noia —, outros mandavam eu sair se era tão ruim assim — simplistas demais.

Mas alguma coisa me prendia a Sanji e não sei por que.

Aliás, o sobrancelhudo se chamava Sanji, um cara mais velho do que eu, cheio de pelos na face, o cabelo loiro era volumoso — a não ser que o tempo não estivesse úmido, dias assim Sanji ficava com o cabelo bem murchinho e se confundia facilmente com um morador de rua por aparentar-se mais sujo do que de costume — não que ele fosse sujo, ele era bastante vaidoso.

Tinha mania de andar de terno mesmo em dias quentes, se achava demais e devo confessar que ele era charmoso, sei lá, tinha porte... um homem de raça? Parecia que havia saído de algum filme com esses protagonistas que ganham a vida no tráfico de drogas como acontece em Scar Face, até o imaginava num harém rodeado por belas mulheres.

Mulheres era o fraco dele, o que esperava de um verdadeiro garanhão.

Ah, só mais uma coisa... eu o odeio.

Muito implicante, mulherengo, gostava de mandar em mim e nunca via meu potencial.

Sanji pediu para que eu me apressasse porque havia um novo caso, eu peguei minha mochila e desci a caminho do escritório, cheguei mais cedo do que de costume — alguma obra urbana deveria ter encurtado o caminho.

— Marimo? Já? — Ele tinha um copinho de plástico para pegar água da máquina no momento em que abri o escritório. — Aprendeu o caminho? Iva-san, marimo já chegou!

Iva era a nossa secretária, ela saía dos fundos do corredor com algumas papeladas que pegou da nossa sala. — Boa tarde, Zoro-boy!

Ela me deu uma piscadela — Sanji me disse uma vez que ela gostava de homens sem pelos como eu.

— Boa tarde, Ivankov! — Mal respondi a drag e Sanji enlaçou o meu pescoço a caminho da nossa sala. Estava empolgadíssimo, dizendo a Ivankov para ninguém nos incomodar, exceto se o seu bilhete havia ganhado na loteria.

— Você comprou o seu, marimo? — Ele disse sentado na sua poltrona, assoprando a fumaça do cigarro com suas pernas longas sobre a mesa um pouco bagunçada. — O país inteiro está parado por causa do prêmio! Dessa vez acumulou demais!

— Depois de resolvermos o caso, eu vou até a lotérica. — Respondi deixando minha mochila no armário e me acomodando na minha mesa que era muito menor que a dele e por isso era muito mais bagunçada — não, o motivo era que sou bagunceiro mesmo.

— É verdade! O caso!

— O que é dessa vez?

— O pai quer apagar um cara iludindo sua filha. Ela é de menor e ele só tá os nervos.

— Com razão.

— Sim, eu também odeio esses tipos... — Ele tirou as pernas da mesa, ajeitando-se no assento. Não sei o motivo, mas gostava de vê-lo se movimentado. Era algo esquisito, como se eu quisesse ser ele quando fosse grande, apesar de eu já ser adulto. — Estou muito feliz, marimo!! — Ele cerrou os punhos, cravando mais os dentes no cigarro. — Apagar um papa-anjo, esses tipos não são nenhum gentleman. — Fez uma careta. — E eu tava cansado de procurar gatos na cidade...

O nosso trabalho se constituía em resolver casos que a polícia municipal ou federal ignorava por não serem pedidos que seguem as leis corretamente. Sanji era uma espécie de detetive "por conta própria" e eu era o seu ajudante que muitas vezes ficava anotando num bloco os relatos das vítimas.

— É verdade, Sanji! Estava cansado de desenhar gatos.

— Sim! Agora pegamos um peixe grande! Vamos apagar esse abusador! — Ele se levantou muito empolgado, mas parou ao pensar em algo. — Aliás, você desenha muito mal.

Eu me lembrei que o odeio, apesar de todo o charme...

— Os gatos-falados pareciam aqueles bichinhos do filme... como é que é o nome? — Levou uma mão até a testa, pensando arduamente. — Gremlins!!! Eu amava esse filme!!!

— Acho que não é do meu tempo.

— Cristo, por que os jovens de hoje gostam de me lembrar que estou envelhecendo?

Ele ficava em pânico quando se lembrava que faria 37.

— Quando vamos apagar o meliante? — Quis mudar de assunto antes que ele começasse a chorar.

— Ah, agora!

O nosso alvo morava no bairro nobre da cidade e tinha uma bela casa. Nós dois ficamos indignados, porque o cara tinha dinheiro pra seguir uma carreira de cientista ou astronauta, mas gastava toda a sua sorte de ter nascido como um privilegiado sendo mais um cuzão que destruía a humanidade.

Sanji pisou no cigarro antes de batermos na porta, ele ajeitou o terno nos ombros e disse que no três o nosso plano seria executado.

— Quase estava me esquecendo... marimo, coloca os óculos.

Eram óculos escuros que colocávamos para ninguém nos identificar, apesar de Sanji achar que a cor verde do meu cabelo era reconhecível demais.

1, 2, 3.

O privilegiado abusivo abriu a porta e Sanji disse "Agora, marimo!" como se ele fosse meu treinador-pokémon, mas eu não me segurei e nem me importei de estar agindo feito o seu cachorrinho, porque estava igualmente puto e dei uma porrada na cara do privilegiado abusivo.

O homem se contorceu depois de dar um berro até ficar de joelhos no chão. Sanji se agachou e puxou os seus cabelos para encará-lo de perto.

— Fique longe das novinhas!

Ele disse com uma cara de mau que me empolgava, Sanji era um verdadeiro canastrão e o expediente nesses momentos passava voando. Depois de dar um chute no infeliz, nós entramos no carro, mas assim que peguei no volante, algo passou na minha mente.

— A gente esqueceu de perguntar o nome dele.

Sanji parou de ajeitar o cinto de segurança e me lançou um olhar. — Você acha que podia ter mais de uma pessoa na casa?

— Sim.

— E quem a gente acertou pode ser a errada?

— Sim.

— Hum... então mete o pé na tábua antes que ele chame a polícia de verdade.

Quando chegamos no escritório, Ivankov não estava na sua mesa.

— Ela deve ter ganhado na loteria e pensou que não precisava mais trabalhar nessa espelunca.

Eu ri com o que disse. — Não fale isso, o seu negócio não é ruim assim.

Sanji se dirigiu a máquina e pegou mais um copinho de água — ele era tão charmoso que ficava parecendo como se estivesse pegando Whisky ou algo assim. — Marimo, por que trabalha ainda aqui?

— O senhor se esqueceu? — Perguntei, confuso. — Quero ajudar a sociedade enquanto não me torno policial.

Se tinha algo ainda de nobre em Sanji, era o seu empenho em criar uma sociedade mais justa e igualitária. E ele se padecia tanto com os pedidos, que não se importava de encontrar o gato de alguém.

Ele deu um riso seco. — Encontrando gatos perdidos é uma forma de ajudar a sociedade?

Mas ele não se orgulhava muito disso, ainda mais porque os "verdadeiros" policiais gostavam de caçoar da sua visão de mundo idealizada.

— Bem, não deixa de ser. — Dei de ombros. — E hoje demos uma lição numa pessoa que é um péssimo exemplo de um ser adulto!

Sanji se sentou na cadeira de Ivankov e eu percebi que ele estava deprimido de verdade. No mínimo deveria estar pensando que não realizou o seu sonho como gostaria e se achava um imprestável não muito diferente do privilegiado abusivo. Cara, será que quando eu chegasse nos 40 ficaria assim também?

Eu olhei em volta e vi o rádio, tive a ideia de colocar uma música pra tocar, talvez ela melhorasse o seu humor. Sanji ficou me observando curioso enquanto trocava as estações a procura de uma música dançável. Eu percebi que ele gostava muito de dançar, porque sempre que íamos beber, Sanji escolhia uma música na jukebox e começava a dançar como se não tivesse ninguém olhando, até chegava perto de mim e me convidava, mas eu sempre recusava por conta do medo de pagar um mico.

Sanji era livre.

— Achei!!! — Exclamei muito feliz e fui onde meu chefe ainda permanecia sentado. — Vamos, dance comigo!

Sanji piscou os olhos, mas deu um sorriso como sinal de redenção. Eu peguei suas mãos pálidas e o levei até o centro do escritório. Comecei a balançar o meu corpo de uma forma aleatória, porque eu não tinha gingado nenhum pra isso. Sanji riu.

— Marimo, espera. — Ele pegou em meus ombros para me parar. — Faça assim.

Sanji estalava os dedos enquanto fazia passos usando os seus sapatos lustrados e balançava o seu quadril de uma forma... charmosa.

Aquele sentimento voltava ao meu peito... como era era agradável vê-lo se movimentar...

Percebi que estava parado, só o encarando, e voltei a dançar. Repetia os movimentos do meu chefe e sentia que estávamos que nem Vincent Vega e Mia Wallace em Pulp Fiction. Eu disse isso em voz alta e começamos a rir.

A música acabou, mas ainda tínhamos euforia circulando em nossos corpos e por isso avancei para beijá-lo. Era tarde demais quando pensei na merda que estava fazendo, mas eu não tinha culpa por ele ser tão charmoso...

Só não esperava que ele me impediria de me afastar e engoliria ainda mais a minha boca para um beijo muito mais sedento.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.