Fiquei parada a olhar para Bethany, não sabia o que fazer nem como fazer, mas já tinha tomado minha decisão, era questão de sobrevivência, da minha sobrevivência e menos dias ou mais dias eu teria que fazer aquilo.

Ela olhou para mim, bem no fundo de meus olhos, então ela soube o que eu faria, pude ver o pânico em seus olhos. Bethany tinha muita fé e se manteve ali, forte para me enfrentar, e assim como eu, ela sabia que aquela seria uma luta perdida para ela, mas ela estava disposta a enfrentar-me e proteger o arco-flecha a qualquer custo.

- Você será capaz disso? – Ela disse – Fará a sua escolha agora?

- Eles não se importam com minha escolha! – Respondi seriamente – Se importasse, eles não tentariam me matar!

- Terá coragem de fazer isso comigo? – Ela replicou por piedade – Sou sua irmã mais nova. Você se lembra disso?

- Me lembro como se fosse ontem – Retruquei friamente – E você? Lembra-se? Pois está preste a me condenar levando esta arma a Gabriel!

Ela se calou ao ouvir minhas palavras, então estendi minha mão a ela para que me entregasse o arco. Ela ficou pensativa por um momento e depois me olhou nos olhos e escondeu o arco atrás de seu corpo, como um sinal de negação, em seguida arqueou suas asas, interpretei aquele gesto como um ato de guerra, não havia mais nada a fazer, nossa luta já estava travada.

Revidei seu gesto abrindo minhas asas também, elas estavam mais negras que nunca e eram superiores a de Bethany. Deixei que a luz negra saísse novamente da palma de minha mão e a usei para lançar Bethany para longe, ela se chocou numa lápide e caiu no chão, o arco-flecha caiu longe de seu corpo. Andei na direção do objeto, mas Bethany se levantou e colocou-se a frente dele, me impedindo de alcançá-lo.

Na tentativa de se proteger, ela agarrou o arco e agitou várias vezes suas delicadas asas brancas, seus pés saíram do chão e ela conseguiu alcançar quase três metros de altura, mas aquilo não foi suficiente para escapar de mim, pois ruflei apenas uma vez minhas enormes asas para sair do chão e a alcancei na primeira tentativa. Agarrei uma de suas e isso a deixou desesperada para fugir, puxei-a para baixo até meus pés alcançarem novamente o chão, mas mesmo assim ela ainda continuava a tentar ruflar as asas e fugir.

- Pare com isso ou vai se machucar ainda mais! – Gritei para ela – Não torne as coisas difíceis!

- Por que se preocupa? – Ela revidou – Vai me matar mesmo!

- Não precisa ser assim! – Repliquei implorando para que ela parasse, pois estava a machucando, sua asa direita já estava se desprendendo do corpo – Pare!

Rapidamente larguei suas asas e agarrei seu pé direito, violentamente a puxei para o chão, ela caiu a minha frente fazendo um relevo no gramado do cemitério. Arranquei de suas mão o arco-flecha, com a outra mão a segurei pelo o pescoço e a ergui na minha altura.

Ela agarrou minha cabeça com as duas mãos, pequenos raios de luz branca entravam por minhas orelhas, logo o negro dos meus olhos foi se apagando, e ficando cinza, mas mesmo assim, ainda havia muita força dentro de mim.

Não tive outra escolha, larguei o arco para ficar com minha mão livre e a coloquei no peito de Bethany, na altura do coração e deixei a luz negra entrar através de sua pele. Aquilo causou dor nela, que começou a se debater e gritar por ajuda, a luz branca que habitava seu coração começou a sair violentamente por sua boca, nariz e orelha.

- Pare! – Disse uma voz bem familiar – Não faça isso!

- O que faz aqui? – Perguntei perplexa a Tristan, a luz negra parou de sair de minha mão – Como sabe desse lugar?

Ele se aproximou sem dizer uma palavra, seu olhar era de decepção, isso me fez me sentir mal, por algum motivo a decepção de Tristan me incomodava, pois quando ainda era um serafim, ele me admirava como eu admirava Gabriel.

Tristan se aproximou, ele estava autoconfiante, sabia que não seria capaz de fazer algo contra ele. Ele se abaixou do meu lado e pegou o arco-flecha com as duas mãos, ele o analisou com os olhos e o desmaterializou bem diante de mim.

- O que fez? – Perguntei irritada – Eu não estou brincando, já fiz minha escolha!

- Não fez não! – Ele revidou segurando meu braço que mantinha Bethany no alto – Sua escolha não deve ser feita a base de sobrevivência, e nem de guerra!

Delicadamente ele abaixou meu braço, colocando Bethany no chão novamente, ela estava fraca e caiu de joelhos no chão. Tristan segurou minhas duas mãos, o negro dos meus olhos desapareceu rapidamente, dando lugar a luz branca que brilhava radiante dentro de mim.

- Você vê? A bondade ainda brilha em você! – Ele sussurrou alegremente – Não faça isso! Você não pertence a escuridão e na hora certa, você vai provar isso.

- Não posso esperar que isso aconteça – Repliquei aborrecida para ele – Eles não me dão chances de provar!

- Eu sei! – Explicou Tristan acariciando meu cabelo – Para eles sua escolha já foi tomada!

- Não! Como podem pensar isso? – Respondi indignada – Eu ajudo pessoas, curo pessoas. Eles não vêem isso?

- Tudo o que eles vêm é o que está ao seu redor! – Tristan escolhia bem suas palavras – Sempre quando olham para você, eles vem o Luc.

- Quer dizer que o amor que sinto por ele, já é minha escolha? – Perguntei desanimada e confusa – Tenho que desistir dele para voltar ao paraíso?

- Você não acha que vai levá-lo com você para lá, acha? – Ele disse num tom irônico, mas suave – Se você quer voltar ao paraíso terá que deixar Luc. Agora! Antes que te matem!

- Não posso fazer isso! – Respondi, suplicando por outra opção – Ele se colocou na frente da flecha para me salvar. Alguém que trai um amor desse não merece o céu nunca!

- Sei que você está implorando por outra opção! – Ele disse sorrindo – E existe uma!

Calei-me no mesmo instante. Se existisse outra forma de concertar as coisas eu estaria disposta a tentar.

- Luc fez sua escolha a muito tempo – Explicou Tristan todo sorridente – Mas de acordo com a lei do céu... Todos merecem uma segunda chance!

- Luc jamais faria isso, ele pertence às trevas – As palavras saíram de minha boca como uma gargalhada – Luc os odeia! Ele odeia o paraíso!

- Luc se colocou na frente de uma flecha para te salvar, e você é um ser que pertence a luz – Tristan explicou me convencendo de que era possível – Lembra-se das regras? O auto-sacrifício por outra vida, leva direto lá para cima! E o amor que ele sente por você, é digno do céu, e todos, até mesmo Gabriel e Miguel, sabem disso!

Fiquei paralisada diante das palavras de Tristan, fiquei ali parada, no mesmo lugar, mergulhada em meus loucos pensamentos. Tristan ajudou Bethany a se levantar, com suas mãos divinas, ele devolveu a ela a luz que havia fugido de seu corpo e também curou suas asas que eu havia machucado.

- Pense bem! – Tristan disse e logo em seguida ruflou suas asas e voou em direção a lua, levando Bethany com ele.

Passei a noite no cemitério, sentada no alto de uma arvore, fiquei observando a lua descer e o sol brilhar no céu. A sensação de fome voltou, havia muito tempo que não sentia aquilo, talvez eu estivesse me acostumando a nova vida, assim como Luc. Andei e entrei novamente na mesma lanchonete da qual estive pela primeira vez, quando era humana, pedi o prato especial do dia e usei todo o meu charme para sair sem pagar a conta.

Andei anda mais, e inconscientemente cheguei a velha cabana onde havia cometido meu ultimo pecado como humana, o que me levou a condenação de minha alma. Lembrei-me do homem que induzi a matar aquela jovem garota, e pensei no que aconteceria se não tivesse transado com Luc e o ajudado a manipular aquele pobre homem, naquele eu entendi o sentido da frase “escolhas erradas”.

Passei o dia tentando fazer coisas boas, curei pessoas e salvei almas, eu também fiz contrario, condenei almas, mas pude perceber que as coisas estavam diferentes de antes, eu comecei a controlar minhas ações, eu passei a escolher o que queria e não queria fazer. Havia mudanças em mim, a cada dia que se passava, a cada batalha que eu lutava, algo acrescentava em mim e meu me sentia cada vez mais forte.

- Olá! Posso usar a internet? – Perguntei ao senhor responsável pela biblioteca local – Preciso procurar algumas informações.

- Claro que sim minha jovem! – Ele respondeu contente – Me siga!

Sentei-me no computador e fiquei em sites de busca por horas, eu procurava uma única informação, na verdade procurava qualquer informação sobre Savannah Compton, mas não encontrei nada, nem em registros de maternidade e nem em registros de obituários. Quando sai da biblioteca já era noite, e me aproveitei da situação para voltar ao cemitério, pois desse modo ninguém ver o que eu estava preste a fazer.

Quando cheguei ao cemitério, o buraco no túmulo de Savannah estava refeito, logo comecei a tirar a espessa camada de cimento com minhas próprias mãos, eu poderia arrancá-lo com meus pensamentos, mas aquilo me deixaria cansada e eu tinha que poupar minha força.

Quando cheguei ao velho caixão o abri ansiosa, mas novamente não encontrei nada, não havia sinal nenhum de que um cadáver pudesse estar lá, fiquei intrigada. Por que a lápide estaria lá se não havia nenhum corpo? Foi quando percebi que minha busca estava errada. Corri para a igreja local e procurei uma bíblia, Savannah não era humana, por isso não havia registro de sua existência na terra.

- Posso ajudá-la? – Um padre disse ao se sentar do meu lado, no banco da igreja – O que está procurando?

- Boa noite padre! – Disse abaixando a cabeça em sinal de respeito – Preciso sim de sua ajuda.

Aquela situação era totalmente esquisita para mim, então tentei ser breve.

- O senhor já ouviu falar em Savannah Compton? – Perguntei educadamente – Ela é um anjo?

- Não há registro da existência dela nos livros! – Respondeu ele, senti que havia algo de estranho dentro dele – Sinto não poder ajudar!

Ele sabia de algo e eu tinha que tirar dele, então usei todo o meu charme demoníaco para tirar dele as resposta que eu queria ouvir. Coloquei minhas mãos sobre seu ombro e o fiz sentir que eu era uma pessoa boa, um anjo de Deus, e assim ele abriu todos os seus segredos para mim.

- Na verdade eu já ouvi falar dela! – Ele disse cochichando – Você não é a primeira que me pergunta sobre isso!

- Quem perguntou sobre ela? – O persuadi ainda mais – Quem teve interesse nisso?

- Há meses atrás uma garota veio se confessar – Explicou ele – Ela sofria de doenças mentais e feriu outra pessoa, mas ela foi assassinada por um homem logo depois.

- O que ela perguntou exatamente? – Fiquei ainda mais intrigada – O senhor se lembra?

- Claro que sim, me lembro perfeitamente – Respondeu ele – Ela queria saber quem era Savannah Compton e o que ela fazia aqui na terra. Delírios de uma mente doente, é claro!

- O senhor disse o que a ela? – O instiguei ainda mais – O que o senhor respondeu?

- Nada. Não sei quem foi Savannah Compton! – Ele respondeu desanimado – Tudo que sei é que há uma lápide no cemitério com esse nome! Mas ela disse algo que me deixou intrigado.

- O que? – Fiquei ainda mais ansiosa – O que? Diga-me!

- Antes de ir embora, ela começou a sussurrar algo – Ele disse ao se levantar e andar em círculos – Eu não entendia muito bem, mas ela falava algo sobre os Sete Sagrados.

- Pode me dizer uma coisa? – Perguntei eufórica – Qual o nome dessa garota?

- Jessica Simons! Ela dizia que foi levada para o inferno por um demônio – Explicou o padre - por um demônio – Explicou o padre – E que tinha uma missão. Tinha que matar um serafim chamado... Tristan!