Gêmeos no Divã

7° Consulta - parte 2


Ok, agora que o Murilo terminou a parte dele com chave de ouro eu acho que é minha vez certo?

Então vamos lá...

Verônica nos ligou menos de vinte e quatro horas depois de nossa ida ao cinema, e... Bem, como eu posso dizer isso de uma maneira que não magoasse a mamãe?

Ah! Que tal assim: Ela não podia ter ligado em hora melhor porque a situação já estava ficando crítica!

Primeiro me deixe desenhar melhor a cena para que você possa entendê-la doutora:

Mamãe e papai estavam conversando na cozinha, eu estava no sofá jogando videogame com Maya, e Murilo estava tentando fazer um castelo de cartas no chão — na verdade ele só estava entediado esperando a sua vez de jogar — agora por que a situação estava ficando tão critica?

Muito simples: O que mamãe e papai estavam conversando na cozinha é que mamãe queria nos ensinar a dirigir.

Não sei por que isso veio de repente à cabeça dela, sabe, acho que ela ficou nos olhando lá sem fazer nada o dia todo, e ai pensou: puxa, agora seria uma boa hora para eles começarem a aprender a dirigir!

—Mas não é melhor esperar mais um pouco? — a gente ouvia papai tentar convencer mamãe na cozinha.

—Mais um pouco quanto? — mamãe perguntou irredutível — Quer que eles tenham a primeira aula de direção aos trinta e sete anos como eu?

Ah sim, eu me lembro da primeira aula de direção que papai deu a mamãe, e Murilo também, mas Maya talvez não porque ela só tinha dois anos: mamãe estava tão nervosa que apertou a marcha ré pensando que fosse o acelerador e BAM! Teve que pagar um portão novo para o vizinho.

Na segunda aula ela acertou o acelerador, mas bem nessa hora tinha um gato branco de olhos vermelhos atravessando a rua, por sorte ela conseguiu frear a tempo, só que o bichinho saiu correndo assustado e nunca mais apareceu na rua, acho que ficou traumatizado.

—Trinta e...? Eles ainda têm quinze anos! — papai respondeu — Eu só estou tentando dizer que tem gelo na rua, e que você deveria esperar pelo menos até descongelar um pouco para dar a primeira lição de dirigir a eles.

—Gelo? Você está inventando isso! — afirmou mamãe incrédula — Nem está tão frio assim... Agora cadê as chaves do carro?!

E sim, estava tão frio assim.

—Não sei.

—Você está mentindo pra mim.

Vou te contar um segredinho doutora: Papai não estava escondendo as chaves do carro, meu irmão e eu estávamos.

Não é por nada não, mas a gente não queria sair para aprender a dirigir — e possivelmente derrapar no gelo — em um frio daqueles quando lá em casa estava tão bom, então mandamos Maya sentar em cima das chaves do carro.

Eu sei que não é muito criativo, mas a gente também não teve muito tempo para pensar quando ouvimos mamãe dizer “Acho que já está na hora dos meninos começarem a aprender a dirigir”, entende?

—Meninos. — Maya nos chamou a certo ponto.

Sem desviar os olhos de nossos objetivos — eu estava concentrado em dar em Maya uma enorme surra virtual e Murilo em terminar seu castelo de cartas — nós respondemos:

—Eu/Ele ainda tenho/tem mais sete minutos para jogar.

—Não. — disse Maya — Não é isso, é que acho que um dos celulares de vocês está tocando, não estão ouvindo?

Nós paramos por um segundo para ouvir, o castelo de cartas de meu irmão desmoronou e na tela Maya deu-me um chute no estomago, mas sim, havia realmente um celular tocando, bem lá longe ao fundo.

—Eu vou ver quem é. — afirmei me levantando e jogando o controle para Murilo.

Meu irmão pegou o controle no ar e já no ato ficou de olhos vidrados na televisão enquanto jogava e levantava-se lentamente para se sentar ao lado de Maya, onde eu estivera antes, isso tudo sem dar pausa, nós somos sincronizados a esse ponto doutora.

—Não é justo, são dois contra uma. — ouvi nossa irmã reclamar enquanto saia da sala.

—Não sei por que está achando injusto, já que nós estamos jogando como um só personagem. — meu irmão respondeu.

—Porque quando um começa a ficar cansado o outro toma o lugar. — Maya explicou queixosa — E isso é injusto.

—Do que você está reclamando afinal? — Murilo também assumiu um tom queixoso — Mesmo sendo dois contra uma ainda estamos apanhando de você!

Eu sei, é vergonhoso.

—Devíamos chamar Ayume. — Maya sugeriu ignorando-o — Ai ficaria justo.

O celular que tocava estava jogado em cima de uma das penteadeiras em nosso quarto, era Verônica.

Eu atendi.

—Alô?

—É a Verônica. — ela disse — Com qual dos dois estou falando?

—Você acha mesmo que eu vou te responder algo assim? — Eu sorri. — E mesmo que eu respondesse, como você poderia saber se eu estaria ou não dizendo a verdade?

—Ok. — ela suspirou— Mas para o celular de qual dos dois eu liguei?

—Isso é uma pergunta complicada.

—Tudo bem eu desisto. — ela se entregou — O que vocês estão fazendo hoje?

—Nada demais. — encolhi os ombros — Jogando vídeo game com nossa irmã e tentando não morrer num acidente de carro.

—Ótimo. — ela disse — Então mais tarde vocês querem sair para se divertir comigo?

—Claro! — topei na hora — O que vamos fazer?

—Ah... Vamos a uma festa.

Doutora, nossa mãe pode não simpatizar com Ayume porque não se conforma com o fato dela nos diferenciar, mas quando o assunto é Verônica... Ela chega a um ponto de quase detestar a menina.

Quer dizer, será que algum de nós já comentou como aquela menina é “má influencia”?

Pelo menos no que toca os nossos pais Verônica é com certeza uma má influencia.

Claro que meu irmão e eu nunca acreditamos muito nesse negócio de má influencia, até porque para nós uma pessoa só é influenciada se ela quiser, o problema é que nós definitivamente queríamos ser influenciados por Verônica...

♠. ♣. ♥. ♦

Vinicius parou de falar quando Mutilo tocou seu ombro.

—Parece que nosso tempo está acabando. — avisou.

—Tem razão mano. — Vinicius concordou olhando o próprio relógio de pulso. — Como o tempo passa rápido, não é doutora?

—De fato. — concordou inclinando-se de lado e apoiando o rosto na mão — Agora sobre aquela história de Lucian Reis ter beijado Ayume...

Os irmãos ergueram as mãos em um claro sinal de “pare”.

—Não queremos falar disso doutora. — disseram.

A Dra. Frank Lorret ergueu o indicador, pedindo um minuto de silencio.

—Por favor, escutem meninos, como Ayume pode ter dito que quem a beijou foi Lucian Reis se vocês me disseram que ela sequer sabe como ele é?

—Ela realmente não sabia, não até duas horas e meia atrás. — os dois suspiraram.

Franzindo o cenho a Dra. Frank Lorret indagou:

—Como assim?

Murilo e Vinicius a olharam, Murilo foi quem falou:

—A senhora viu que a trouxemos hoje não é?

—Vi.

—Bem, então enquanto nós três estávamos lá na sala de espera a Ayume pegou uma revista para ler, e ai ela estava folheando quando de repente arregalou os olhos e disse: É ele! — Narrou Vinicius.

—E nós perguntamos “Ele quem?”. — continuou Murilo — E ela nos mostrou a revista com a matéria “Conhecendo Lucian Reis” e respondeu: “O capitão América de olhos muito azuis que me beijou naquele dia!”.

—Então nós pegamos a revista, e a senhora chegou logo depois. — finalizou Vinicius.

—Entendi... — ela ajeitou os óculos — Mas acho que Ayume se enganou rapazes, então vocês podem ficar tranqüilos.

Os dois rapazes a olharam.

—Por quê?

—Porque vocês disseram que aquele Capitão América ou Lorde Zucker, mora aqui em Atibaia, mas Lucian Reis mora na cidade de São Paulo.

Eles piscaram.

—Sério?

—A-hã.

—Então tá beleza! — os gêmeos se levantaram ao som dos alarmes dos relógios de pulso — Pelo menos agora a gente sabe que não é nenhum atorzinho de quinta que está tentando seduzir a nossa pequena Ayume!

—Que bom que os ajudei. — a doutora sorriu — Afinal é para isso que estou aqui.

—Só que a gente ainda têm que descobrir quem era aquele cara... — Vinicius foi dizendo ao irmão enquanto se afastavam em direção a porta.

Murilo concordou:

—Claro, porque temos que proteger nossa pequena Ayume...

—Meninos! — a doutora ouviu a voz de Ayume do lado de fora — Vocês saíram cedo.

—Não, não saímos. — ela ouviu os rapazes responderem — O que você está fazendo de errado nesse celular Ayume para estar assim tão assustada?

—Nada! — Ayume respondeu um pouco alto demais.

A doutora suspirou, mas por sorte os próximos pacientes dela só chegariam dali a meia hora.

—Você está trocando mensagens com ele! — os gêmeos acusaram.

—Não! — Ayume respondeu, um pouco alto demais novamente.

—Nos deixe ver!

—Não!

A doutora ouviu sons de batidas e passos rápidos, e depois a porta da sala de espera se abrindo e se fechando, logo depois os gêmeos gritaram:

—Não pode fugir de nós para sempre! — e também se foram.

Ela levantou-se e se encaminhou até a porta, a sala de espera estava vazia agora, exceto por Adam digitando como sempre, a doutora sorriu-lhe.

—Eles são um trio bem barulhento, não é?

—Com certeza. — o assistente concordou sem desviar os olhos da tela.