Guizos Ao Vento

Mais que um sacrifício


- Onde está aquela pirralha desgraçada? - Gritou o monstro à beira do penhasco. Sua forma era tão esdrúxula, que seria até uma ofensa descrevê-lo.
- Aqui. - Gale saiu de trás das árvores que compunham o bosque antes do penhasco.
- Ora, ora, que bom vê-la, Maria. - O monstro deu um sorriso maléfico.
- Primeiro, não me chamo Maria. - A expressão da garota era arrogante. - Meu nome é Gale. Sabem o que significa? - Ela encarou os outros monstros que se encontravam ali. Seu tom era superior. - Ventania em latim. Sabem o que sou? Uma deusa. - Ela riu maléficamente, e a face do monstro com o punhal à beira do precipício vibrou de ódio. Pelo menos cinquenta monstros saltaram em cima da garota de vestido prata e tornozeleira de guizos. Trinta e três viraram pó em pleno ar, com flechas vindas do bosque. Campistas vieram de todos os lados do bosque, e em segundos o penhasco era um campo de batalha.
- Maria... Gale? O que está acontecendo? - Andalonte tinha os olhos arregalados, e a mão entrelaçada com a de Scylla. Digamos que eles se uniram como uma familia, hum, realmente.
- Eu... Me desculpem por enganá-los. - A garota mantinha a cabeça baixa. Nico di Angelo se aproximou. - Mas entendam, isso é inútil! Eu sou uma deusa menor, e não concordo com isso. E não quero, nem posso, deixar que os matem. Passem para o nosso lado. - Ela olhou para o monstro de três olhos, que os tinha marejados, e seus olhos se encheram de lágrimas também. - And, você sacrificou sua familia por um grupo de humanos. - As palavras engasgaram na garganta e se embaralhavam na boca da garota, as lágrimas vieram, acompanhadas de soluços. Nico quis mais que tudo abraçá-la, mas compreendeu que aquele era um momento dela, por isso não se moveu. Seu coração pesava como chumbo ao vê-la chorar. - E você se tornou meu pai, o pai que eu nunca tive, e até melhor. Não sei o que faria sem você. - O monstro desatou a chorar, os soluços faziam tremer todo o penhasco. Scylla chorava também. - Por favor, não me abandone. Não deixe essa familia, anossafamilia acabar. Eu preciso de você, de vocês dois... Nunca soube o que é ter uma familia, receber carinho dos pais, ser vestida e penteada pela mãe, ouvir histórias para dormir, guerra de cóssegas, beijo de boa noite. E vocês são mais que isso. - Os olhos de Nico brilharam com pequenos cristais de lágrimas. - Sabe, mamãe, - Ela virou-se para Scylla. - Dizem que inimigo do nosso inimigo, é nosso amigo. E nósodiamosa Circe. Ela até transformou o Percy, aquele ali - Gale apontou para o vulto de cabelos negros e camisa laranja do Acampamento, em meio à ul salto, segundos antes de transformar umadracaenaem pó. - Em um porquinho-da-índia. Eu sei o que ela fez com você. Não controlamos o coração. - Ela encarou Nico por alguns instantes. - E ela é ridícula. Transformá-la em um monstro só por ter se apaixonado por um deus do mar! - Gale piscou para Scylla e sussurrou: - Fica tranquila que o seu segredo está bem guardado, não digo quem foi nem sob tortura! - Ela voltou ao tom de voz normal. - Enfim, isso tudo por inveja, porque você é muito mais linda que ela! Isso mesmo, você é uma das mulheres mais lindas que já vi. Com respeito à Afrodite, acho, ou melhor, tenho certeza, que você é abençoada pela deusa. Ainda vejo o brilho no seu olhar. Você ainda é apenas uma jovem donzela apaixonada. E eu preciso de você mamãe. Sei o que vocês fizeram por mim, li o que você me deixou escrito. - A ànemoi tirou do meio entre seu laço de cetim e o vestido, um papel dobrado. - Eu levei comigo o que você deixou no criado-mudo. - Ela entregou o papel ao monstro, que o abriu e ficou encarando a letra torta. Scylla ainda o estava ensinando a escrever.
- Posso? - Nico estendeu a mão, e And lhe entregou o bilhete. O garoto leu atentamente o que estava escrito, e era mais ou menos assim:

Pequenina, asim que terminar de ler sta carta, vá pro Labirinto, e leve seu irmao. Algo terrível vai acontece amanhã. As pessoas deça caza são malvadas. Me espere lá, que vou buscar você e eu mamãe você e seu irmao vamos pra bem longe. Poço demorar um pouco mas espere que vamos aprecer. Nao volte pra caza de geito nenhum!

Com amor, Papai.

- Vocês nunca quiseram me matar. - A menina abriu um sorriso radiante em meio às lágrimas cristalinas.
- Jamais! Desde aquela vez em que fomos buscá-la no orfanato! Quando você não aparecesse, pegaríamos um mortal qualquer, e depois que tudo fosse feito, fugiríamos.
- Então... Posso contar com você mamãe? - Gale encarou o monstro receiosa, e este apenas a abraçou, sorrindo. - E com você, papai? - Ela olhou em volta. - Papai? - Um vulto gigante, um monte de pó e um grito:
- NINGUÉM ENCOSTA NA MINHA PEQUENINA!Os campistas ficaram assustados e estranharam, mas logo se acostumaram com a idéia de dois monstros os estarem ajudando.

As Caçadoras de Ártemis chegaram com todo o seu esplendor. Gale estava lutando com um cão infernal.

- Cãozinho mal! - Ela recuava, à centímetros da beira do precipício. - Conhece o Cérbero? Então, ele é meu amigo. Vou fazê-lo lhe dar uma lição... E vai ficar uma semana sem biscoitos e petiscos! - A garota ria e bailava como uma doce ventania. O monstro esdrúxulo se aproximava pela esquerda, Gale estava de costas para ele.

O monstro levantou a cimitarra, e antes que pudesse atingir a deusa, um vulto veio correndo, e os dois mergulharam na imensidão. Lutaram por alguns segundos antes que o monstro virasse pó. O frio na barriga lembrava a solidão. As palavras da profecia ecoaram no vazio da queda livre interminável... "E um outro poder tentará se sacrificar." Ele era esse outro poder. Ele fechou os olhos, e a última coisa que preencheu a mente de Nico di Angelo, foi Gale.