“A vida é noite: o sol tem véu de sangue:

Tateia a sombra a geração descrida...

Acorda-te, mortal! É no sepulcro

Que a larva humana se desperta à vida!”

— Álvares de Azevedo

O anjo caído estava parado esperando pelo demônio. Mas sua mente se movimentava. Sim, ele havia errado, mas não de propósito. Nunca seria! Ele a amava. E aquele era o erro, o pior dos erros. O destino provara ser mais cruel. Em mais de trezentos anos vivendo em Eretz ele nunca havia se apaixonado por uma humana, nunca! Mas agora o amor consumia suas entranhas... Como explicar um amor como esse? Como ele pôde ter se apaixonado pela garota vítima da profecia que ele mesmo conjurara?

Se Saraí ao menos o tivesse perdoado. Se ela também o amasse... Seria tão mais fácil. Mas agora eles estavam em lados opostos da guerra, ela defendendo o Trono de Shamayim e ele... Bom, só o Criador sabia.

— Irriel. Entre — o demônio o chamou. Assim que adentrou a sala escura sentiu o cheiro de queimado. Suas narinas tentavam repelir aquele amargo odor — Sente-se.

O humor de Irriel não estava bom. Ele olhou para a cadeira e fez uma careta indicando que ficaria de pé.

—Assim seja — o demônio aceitou a escolha do Caído — Vejo que está nervoso.

— Isso não vem ao caso — Irriel respondeu rispidamente — Não me trouxeram aqui para discutir meu humor. O que querem demônios?

— Você sabe... O sangue da Salvadora — o demônio falou com calma.

— Não é disso que estou falando — Irriel tentou esconder a irritação. Como aquele demônio poderia pedir aquilo?

— Sinto por você, Irriel. Mas você só será perdoado quando nos trouxer o sangue de sua amada, Saraí. Foi muito cansativo capturá-lo, mas agora que é nosso prisioneiro terá que fazer o que mandamos — ele bocejou com indiferença.

—Não farei isso — o Caído disse.

— Acho que uma sessão de tortura será o suficiente... — o demônio falou e seus olhos ficaram levemente vermelhos.

— Nunca a matarei — Irriel protestou — Nunca!

Quatro demônios entraram na sala para deter Irriel. Ele seria levado para a sala de tortura... Sua mente trabalhava contra aquilo. A dor precisava ser controlada, ele nunca iria se render.

Colocaram-no sentado em uma cadeira desconfortável, correntes prendiam seus pulsos e tornozelos. Irriel sabia o que estava por vir, mas ele precisava ser forte, a dor seria passageira.

— Então é isso, Caído. Você se nega a levar-nos até a Salvadora? A nos entregar o sangue dela? — um dos demônios gritou.

Irriel não respondeu.

— Prefere se calar? — outro demônio gritou.

Uma lareira estava bem ao lado de Irriel. Ele sabia o que aconteceria. Um dos demônios esquentava o ferro com prontidão. O outro rasgou a camisa do anjo caído.

— Agora diga onde ela está? — o primeiro demónio gritou.

— Não — Irriel respondeu.

A dor foi aguda. Sua pele estava queimando, ele podia ouvir o estouro dela fritando. O grito não podia ser reprimido.

— Diga-me, Caído. Onde a Salvadora está escondida?

— Nunca — Irriel respondeu suportando a dor.

E novamente o ferro foi colocado em seu tórax. Estava tão quente. Irriel gritou. Ele nunca a entregaria.

— Sua dor pode acabar, basta que você me diga onde Shamayim a escondeu?

Ele não respondeu. E desta vez o ferro o atingiu no rosto. Seu rosto estava queimando. E seu corpo ardia...

— Chega... Deixe-o se recuperar. Mais tarde voltamos — o demônio falou e os outros acataram — Não pense que acabou, Irriel.

Ele ficou sozinho. Sua pele se recuperava, porém a dor persistia. A dor de perde Saraí, ele nunca a entregaria... Nem que para isso tivesse que viver uma vida de torturas.