A vida tinha sido mais fácil e tranquila nos últimos anos para Elvis, claro, ele ainda tinha dificuldade de lidar com o fato de que não podia sair muito para onde quisesse, e tinha que ser ao menos acompanhado por alguém de confiança, geralmente Priscilla, porém esse foi um hábito com o qual ele estava disposto a se acostumar.

Sua vida se resumia a ficar em casa, aproveitando seu pós-vida, como começou a chamar. Mesmo assim, ele se ocupou com questões relacionadas à sua antiga vida de astro.

Nos últimos dez anos, Priscilla tinha sido sua porta voz na mídia, dava entrevistas e depoimentos, participava de documentários, tudo mais que eles quisessem saber sobre Elvis. Ela respondia, com toda discrição e critério necessários. Para ele, era admirável ver o quanto ela estava lidando bem com isso, acompanhá-la pela televisão, jornais, revistas e rádios o enchia cada vez mais de orgulho. Diante de tudo isso, sentiu um tipo de vergonha que não sentia fazia dez anos, ela tinha feito tudo por ele, mas ele sentia que não tinha feito o suficiente para retribuir.

Distraindo Elvis um pouco desses pensamentos, Priscilla chegou até ele com novidades.

—Correu tudo bem na reunião? - ele perguntou depois de a cumprimentar.

—Sim, foi tudo muito produtivo - ela resumiu - mas tem uma coisa interessante que surgiu na reunião, eu não sei como você se sentiria com isso.

—Pra ter essa resposta vai ter que me contar o que é - ele deixou claro que estava disposto a ouvir.

—Eu recebi algumas sugestões de especialistas, e até mesmo fãs, eles querem transformar esse lugar num museu - ela contou, então - querem visitar Graceland, e ver as coisas que faziam parte da sua vida.

—Sério? - ele deixou escapar um assobio, incrédulo - tudo bem, isso realmente é diferente do que eu esperava.

—Eu sei, mas a propriedade continua sendo da família - Priscilla garantiu - ela ainda vai precisar de cuidados e eu me prontifiquei pra isso.

—Você sempre cuidou de mim - ele teve que comentar, a admirando mais um pouco.

—Não tem de que - ela disse de coração e então voltou a ficar séria para falar de negócios - enfim, eu disse aos especialistas que iria pensar no assunto, então o que eu quero saber é o que você acha disso.

—Ok, tem razão de ficar meio apreensiva sobre como eu reagiria - Elvis tomou um tempo para respirar e então contar o que estava na sua mente - ainda me surpreende as pessoas serem obcecadas por mim, por mais que eu tenha visto isso todos esses anos, mas Graceland é nossa casa, eu não sei como isso funcionaria.

—Bem, não seria a casa toda que seria exposta apenas a entrada e alguns dos quartos - ela explicou - e haveria dias específicos da semana e horários para as visitas.

—Uma coisa me preocupa nisso tudo - ele apontou - vamos ter fãs por aqui o tempo todo, e se um deles me ver, e se eu for descoberto? Valeria a pena mesmo toda essa comoção e se arriscar assim?

—Bom, eu pensei nisso também, claro - ela logo esclareceu - mas eu pensei outra coisa também.

—O que? O que você acha disso tudo? - Elvis se sentou ao lado dela, esperando ouvir a opinião dela.

—Eu conversei com o Jerry sobre isso, pra ele também faz todo sentido - ela suspirou antes de continuar, começando a se sentir sobrecarregada - se eu não libero Graceland ao público, vão me chamar de egoísta, que quer ficar com a casa do ex-marido pra ela.

—Nem mesmo dizer que você é a mãe da Lisa adiantaria, não é? - Elvis deduziu, sentindo o gosto amargo da perversidade astuta da mídia mais uma vez.

—Exatamente, foi o que Jerry disse, mas ao mesmo tempo, como você disse, eu tenho medo de te descobrirem - ela argumentou - sem contar com rumores.

—Rumores de que? Que eu esteja vivo? - ele captou exatamente sobre o que ela estava falando.

—Isso, eles tem surgido aqui e ali, a maioria das pessoas não acredita, mas não ceder Graceland aumentaria essa desconfiança ainda mais, entende? - Priscilla segurou as mãos dele, sentindo a mesma tensão que ela estava experimentando no momento.

—Entendo - ele insistiu - Cilla, eu sempre confiei em você, desde que tivemos essa ideia do pós-vida, e agora, meu amor, não seria diferente, faça como achar melhor, sei que vai dar certo.

Ela beijou a mão dele ternamente, como um ato de gratidão.

—Obrigada por entender, de verdade - ela deixou uma lágrima de tensão escapar, ele foi rápido em enxugá-la delicadamente - eu vou falar com a comissão de organização, vamos juntar o acervo.

—Eu faço questão em te ajudar nisso - Elvis se prontificou.

—Sua ajuda é sempre bem vinda - Priscilla agradeceu mais uma vez.

Aos poucos, a tensão foi se desmanchando de cima deles, dando lugar a ideias e mais esquemas de proteção. Os dias seguintes foram repletos desses planos, sentaram juntos, olhando fotos, andando pela casa, separando todo tipo de objeto ou adereço que consideravam importante e icônico.

Quando a equipe do futuro museu veio organizar tudo sob a supervisão de Priscilla, Elvis estava bem longe dali. Antes que as transformações começassem, ela, Billy e Jerry também tiveram a ideia de mandá-lo para fora do país outra vez. Seu destino tinha sido o Japão novamente, pensando que, quanto mais longe, melhor seria. Lisa, sabendo do plano, decidiu fazer companhia ao pai, o que era ótimo, exceto pela logística de despistar a mídia.

Elvis embarcou uma semana antes dos preparativos do museu, completamente sozinho, achando que chamaria menos atenção assim, enquanto que Lisa e Billy chegaram a Tóquio uma semana depois.

Apesar da tensão de fuga que sempre os acompanhava, a viagem foi relativamente tranquila. Elvis e Lisa conseguiram colocar muita conversa em dia, agora que a menina já tinha se formado na escola.

—Sua mãe contou sobre a formatura, em todos os detalhes - ele disse quando se sentaram para almoçar no hotel - foi uma festa e tanto pelo visto.

—Ah, foi, é um alívio terminar a escola, você sabe que depois de um tempo ela não é tão legal assim... - Lisa contrapôs.

—Entendo o quer dizer, mas não quer dizer que escola deixa de ser importante - o pai dela fez questão de enfatizar - ao menos os seus amigos são uma parte boa da escola.

—Nisso você tem razão, vou sentir falta deles, quer dizer, é claro que a gente ainda vai poder se falar, mas não é a mesma coisa, ainda mais quando eles todos estão pensando na faculdade - Lisa ponderou.

—Outra coisa importante, você está pensando na faculdade também? - Elvis quis saber.

—Eu acabei de terminar a escola, não acha que é cedo demais? - ela tentou se esquivar da pergunta com um pouco de humor, característica que ele reconheceu que a filha tinha herdado dele.

—Tudo bem, talvez você tá se sentindo pressionada, odiaria fazer isso com você - ele ergueu as mãos em rendição, dando uma trégua - mas acho que todo pai é um pouco assim,

—O seu era assim? - Lisa devolveu a questão.

—Não, eu mesmo me pus na posição de me cobrar e fazer o que pudesse pela família - ele confessou, lembrando-se do pai que já tinha falecido - mas estamos falando de você, não eu, então, já pensou em que carreira gostaria de seguir? Quais são suas paixões agora?

—Hã, sabe que eu ainda gosto de desenhar, mas não acho que seria o suficiente pra me motivar pra uma faculdade nessa área - ela começou a pensar sério na questão - eu também adoro cantar, mas sabe, você sabe.

—Sei, você sabe que eu sei o que você sabe que eu sei - Elvis acabou brincando com a menção à sua carreira, tentando aliviar a questão, o que fez Lisa rir.

—O que te aconteceu por ser famoso, sem ofensa papai, mas não conseguiria passar por isso - ela confessou - ao mesmo tempo, fico pensando que, você construiu algo duradouro, as pessoas lembram do que você fez, foi significativo, deu sentido à sua vida.

—É isso que está procurando, Lisa? Uma carreira que dê sentido à sua vida? - Elvis se inclinou um pouco mais perto dela, preocupado com o futuro dela - se posso te dar um conselho, filha, não adianta encontrar sentido, se você não amar o que faz, é fácil perder o norte do porquê está fazendo o que faz.

—Entendi, eu... vou pensar em algo que eu ame fazer, não se preocupe, eu só preciso de tempo - ela prometeu pensar no que ele tinha dito.

—Tempo... eu sempre penso sobre o que isso significou pra mim nos últimos anos - ele murmurou, refletindo mais com si mesmo do que com a filha.

—Tá legal, papai, entendi o sermão, não precisamos filosofar agora, eu só queria aliviar a mente - Lisa mostrou o que realmente queria fazer no momento, tentando ser respeitosa e não ignorá-lo totalmente, já que a conversa tinha realmente a ajudado a pensar melhor.

—Beleza, Lisa Marie, podemos dividir uma taça enorme daquele milk shake que você adora, lembra quando pedimos da última vez? - ele trocou o jeito mais soturno para uma faceta alegre e brincalhona.

—Lembro sim, é uma boa pedida, obrigada - Lisa aceitou a oferta alegremente.

Apesar de tudo que a fama obrigou o pai dela a fazer, somado aos abusos do coronel, Lisa estava grata por seus pais pensarem e executarem o pós-vida. Amava sua mãe, mas acreditava que sem os conselhos, sabedoria e alegria de seu pai, estaria perdida.