Admitindo a si mesma mesmo de forma relutante que estava cansada, Shuri fez uma pausa no trabalho, procurando algo para comer, mesmo sentindo um leve gosto ruim na boca. Sentindo um pouco a falta do marido, o encontrou fora da cabana que costumavam compartilhar, suas mãos estavam ocupadas, assim como sua mente e toda sua atenção, como dava para ver em sua expressão concentrada e franzida, encarando o pedaço do que parecia ser papiro, desenhando nele com gravetos manchados de tinta, tinta que vinha de uma concha ao lado dele.

—Olha só pra você - ela comentou se sentando ao lado dele - colocando suas habilidades artísticas à prova de novo.

—É bom vê-la também, minha rainha - Namor parou um pouco para sorrir para ela, grato pela pequena surpresa.

—Espero não estar te atrapalhando - ela avisou, esperando não ser um incômodo.

—Não está - ele respondeu de forma suave.

—Isso é tão inusitado - Shuri resolveu dizer mais um pouco da sua opinião - eu não esperava que um guerreiro como você tivesse interesse em arte.

—Talvez para você e sua experiência da superfície, mas para o meu povo, as duas coisas são importantes e significativas, é uma maneira de registrar a nossa história - ele explicou de forma solene, com um orgulho feliz de sua cultura - mas entendo o que quer dizer, pra mim é como sua ciência é pra você, ocupa minha mente e me deixa contente de alguma forma. Falando em ciência, se fosse um dia comum você não estaria aqui a uma hora dessas, aconteceu alguma coisa, meu amor?

—Não, nada mesmo, eu só me senti cansada, mais que o habitual, eu acho, mas eu estou bem, amor, de verdade, talvez só precisasse de uma pausa - ela deu de ombros.

—Se não estiver se sentindo bem, pode consultar o xamã, eu até recomendo que faça isso antes que aconteça algo pior - ele pediu de forma clara, sabendo o quanto ela podia ser teimosa.

—Relaxa, majestade, não se trata de nada grave - ela tocou o rosto dele, o fazendo se voltar para ela - eu também monitoro minhas próprias condições físicas, se alguma coisa estiver errada, eu vou me cuidar.

—Não me perdoaria se algo acontecesse a você, seu irmão me mataria - ele respondeu quietamente, olhando intensamente para ela outra vez, como costumava fazer.

—Nós passamos dessa fase de animosidades há um longo tempo, eu estou aqui, nossos reinos estão mais unidos que nunca - ela sorriu, sentindo que tudo que dizia era mais que verdade agora - como o seu desenho pode atestar.

—Ah então você andou bisbilhotando meu trabalho? - seu marido ergueu uma sobrancelha, brincando com ela.

—Ah ficou difícil não reparar e além disso você é tão talentoso - ela segurou o braço dele, falando com uma voz mansa, chegando a beijar seu ombro.

—Eu não deveria cair na armadilha da sua bajulação, mas te ouvir falar assim de mim só me faz me render mais aos seus pés - ele se aproximou, roubando um beijo dos lábios dela, por sua vez.

—Certo, agora para você com a bajulação - Shuri acabou rindo - eu achei o desenho lindo, é claramente você e o Toussaint jogando bola, foi um dia maravilhoso.

—Foi mesmo - Namor voltou a falar mais sério agora - por isso queria uma lembrança desse momento.

—Toussaint também amou vir até aqui, vai ser a primeira de muitas vezes - Shuri garantiu.

—E nós a Wakanda de novo - Namor assentiu, segurando a mão dela por um instante, mas depois se atendo ao seu desenho, com a esposa o observando trabalhar até terminar.

Eventualmente, eles voltaram à sua rotina ocupada, porém, feliz, contudo, Shuri notou seu cansaço perdurar, mais a falta de apetite, tontura, e uma certa dificuldade de se levantar pela manhã. Quando ela acordou em um dia e não encontrou Namor ao seu lado, a preocupação a bateu de vez. Checando o relógio mais próximo, percebeu que se tratava de um atraso, seu marido tinha levantado mais cedo para não se atrasar para os compromissos do dia enquanto ela tinha perdido a hora. Alguma coisa estava acontecendo com ela e precisaria investigar.

—Griot, quero que me dê uma análise física completa de mim, monitore tudo, principalmente a amostra de sangue - ela comandou a inteligência artificial, depois de coletar uma amostra de sangue dela mesma.

Após alguns minutos, ela esperou o diagnóstico distraidamente, achando que tinha pegado uma doença tropical qualquer.

—Rainha, segundo seus exames, há 99,8% de chance de estar grávida em uma gestação de 5 semanas - respondeu a IA prontamente.

—O que? Não, não pode ser, isso é uma falha, uma tentativa de humor, aposto - ela deduziu outras explicações sem conseguir acreditar naquela.

—Se precisa de mais provas, posso escanear um ultrassom completo - ofereceu Griot.

—Não, não precisa - Shuri se sentiu apavorada de repente, sem entender exatamente o motivo naquele momento.

—A senhora está tendo uma crise de ansiedade, é recomendado que respire fundo e tente se acalmar - Griot tentou ajudar - posso recomendar técnicas...

—Não se preocupe, eu estou bem - ela tomou as rédeas da situação de novo - é que eu esperava tudo menos isso, não sei o que pensar exatamente... me mostre o ultrassom.

—Como quiser - obedeceu a IA, mostrando em holograma o pequeno bebê se formando, era pequeno, mas dava para ver um pouco de suas feições, a imagem deixou Shuri maravilhada por fim, pelo sentimento inacreditável daquela criança estar dentro dela agora.

—Ele está bem? - de repente a voz da rainha tinha falhado e seus olhos liberaram lágrimas.

—Perfeitamente saudável, ainda é cedo para determinar mais de suas características, mas está em pleno desenvolvimento - explicou Griot.

—Isso é simplesmente... milagroso... - ela murmurou, ainda tentando compreender o que significava.

Por se casar por um acordo, Shuri nunca tinha pensado na possibilidade de herdeiros, por mais que eles fossem esperados e bem vindos. Não havia conversado com Namor sobre isso, nem mesmo imaginado a possibilidade disso acontecer devido ao gene dele misturado ao dela, uma humana comum, mas ali estava ele, uma criança existente, formada pelos dois soberanos de mundos diferentes, da sua união e seu amor inesperado.

Impactada pela emoção, Shuri se deixou chorar, era o que precisava, colocar a surpresa, alegria, preocupação para fora. Tinha certeza que era algo que Namor precisaria saber o quanto antes, mas ela mal podia prever a reação dele naquele momento. Lembrou-se de algo que ele disse uma vez, eram marido e mulher, tinha confiança e sinceridade entre eles, e agora, mais que nunca, Shuri precisaria por isso à prova.