A recepção continuou modesta para os soberanos de Talokan, havia uma sala mais intimista no palácio, cheia de almofadas e uma mesa de centro com algumas guloseimas e chá, nada daquilo parecia adequado ou esperado a Namor, acostumado a ser tratado como o rei que era quando estava em Wakanda. Mas, devido a tudo que tinha mudado agora, com o amor que tinha encontrado em Shuri, o significado de família e ter momentos relaxantes com as pessoas que amava por perto, fazia sentido ele ser recebido assim pelos parentes da esposa.

A rainha de Talokan, por sua vez, foi recepcionada por mais pessoas ali, Okoye a envolveu num abraço, mostrando o quanto tinha sentido sua falta.

—Me desculpe por não seguir os protocolos reais, mas faz muito tempo que eu não a vejo, majestade - a antiga general então se lembrou dos seus modos depois de receber Shuri com todo carinho - você me parece muito bem, isso é um alívio para mim.

—Não se preocupa, eu estou sendo bem cuidada - ela garantiu.

—Se não fosse assim, eu a resgataria com minhas próprias mãos - Okoye deixou claro, apesar de também usar sua prudência, olhando de soslaio para Namor.

—Não é pra tanto, Okoye, sabemos o quanto a Shuri é esperta e pode se safar de qualquer situação complicada - Nakia fez questão de dizer, aliviando a situação.

—Eu prometi que cuidaria dela, estou fazendo isso todos os dias, como prometi a ela mesma - ele fez questão de respondê-las, ainda assim, soando humilde, entendendo as nuances bem humoradas dos comentários, mas achando melhor deixar claro o quanto se importava com a segurança e bem estar da esposa.

A atitude do rei de Talokan impressionou Okoye.

—Eu garanto, ele não é tão ruim quanto pensa - Shuri esclareceu, chegando a sorrir.

Apesar do alívio que seu gesto provocou, sua protetora sentiu certa suspeita.

Shuri estava definitivamente feliz, completamente radiante, quase a mesma antes de toda a tragédia que abalou sua família. Quanto ao seu marido, também estava diferente de como os wakandanos ali se lembravam. Sua postura continuava séria e firme, porém esboçando uma inesperada leveza, ainda mais quando Shuri estava por perto.

A aliança dos dois tinha sido bem sucedida em mais de um sentido, pelo que a família dela estava percebendo.

—Vamos deixar as animosidades para seus combates, Okoye - T'Challa se manifestou, em boa vontade - estávamos esperando por vocês, então vamos comer, por favor.

Sem mais nada precisar ser dito, eles se sentaram todos juntos, finalmente compartilhando a refeição.

O momento era surpreendentemente reconfortante para Namor. Fazia algo assim com Shuri todos os dias, várias vezes, o que era seus momentos favoritos do dia, quando compartilhavam o tempo juntos.

—Como vai seu reino? - o rei de Wakanda iniciou a conversa, se dirigindo igualmente à irmã e ao cunhado.

—Estamos bem e prosperando - Namor respondeu prontamente - confesso que estamos nos sentindo mais seguros, sob sua proteção.

—Não há de que - T'Challa assentiu para ele.

—Tem sido ótimo, eu tenho servido de conselheira quando não estou trabalhando no laboratório - Shuri conplementou - no começo me senti estranha, mas depois de ver que estou sendo útil e ajudando as pessoas, estou mais confortável.

—Ela tem se saído bem - seu marido comentou quietamente, orgulhoso - embora tirá-la do laboratório seja um desafio.

—Isso não é verdade, Namor, quantas vezes tiramos folga? Lembra de quantas vezes fomos àquele restaurante? Ele acabou se tornando seu favorito! - ela não teve vergonha de confessar.

Todos ali notaram as orelhas dele corarem, seu constrangimento surpreendeu a todos.

—Minha esposa tem sido bem persuasiva sobre a experiência com a superfície - ele recuperou a dignidade para comentar - confesso que há o que se apreciar aqui, como a comida.

Depois de dar um pequeno sorriso, Ku'kul'kan aproveitou a deixa para mordiscar um pouco dos aperitivos oferecidos, deixando que a esposa risse das custas dele mais um pouco.

—Tem alguma coisa que a tia Shuri te mostrou sobre a superfície que mais gosta de fazer? - Toussaint resolveu perguntar.

—Não sei exatamente se há algo específico - o tio do menino coçou o queixo, pensativo - mas ela sempre menciona filmes, representações dramáticas de histórias épicas, não?

—É, pode se dizer que sim - T'Challa concordou, chegando a rir também - nosso pai apreciava esse tipo de coisa.

—Shuri também me explicou sobre a internet, uma gigantesca base de dados mundial, com certos dados de humor - Namor continuou explicando no seu jeito formal.

—Memes, você quer dizer... - Nakia comentou, achando aquilo esperado e inusitado ao mesmo tempo - Shuri sempre teve interesse nessas coisas, acha engraçado.

—Alguém nessa família tem que se divertir - rebateu ela, se justificando - falando nisso, nós poderíamos ir passear depois daqui, fazer alguma coisa ao ar livre.

—Como o que? - seu marido queria ver se ela estava tão preparada para o que propunha quanto seu tom de voz animado sugeria.

—Podíamos ver o pôr do sol, construir castelos de lama à beira do rio com o Toussaint, melhor! Sabe que ele ama jogar bola, amor? - ela se virou para Namor, completamente animada.

O termo de carinho pegou todos de surpresa, sobrancelhas rapidamente levantadas, lábios umedecidos, olhares afastados, era tudo muito novo para a família de Shuri. Novo também era para Ku'kul'kan, nunca imaginou que sentiria constrangimento por estar conversando descontraidamente com a família da esposa. Concluiu que devia fazer parte do ritual de ser um homem casado. Decidindo deixar essa insegurança para trás, ele resolveu tomar as rédeas da situação.

—Nós temos um jogo de bola em Talokan, alteza - Namor contou ao sobrinho - eu disse a sua tia que aprecio o esporte, mas nunca joguei. Ela me contou que há outros jogos da superfície que usam bola para marcar pontos, eu não sei bem como isso funcionaria em terra firme, seria uma honra se você fosse meu professor.

—Fala sério, tio? - Toussaint ficou impressionado, mostrando sua amimação com cautela.

—Sim, mais que sério - confirmou Ku'kul'kan, com um sorriso.

—Pode ser então - aceitou o príncipe de boa vontade.

Terminando a refeição ali, eles foram até o rio, com o dia quase se findando. Toussaint entregou sua bola a Namor, deixando que ele a inspecionasse e sentisse seu peso, jogando-a no ar e depois pegando de volta. O príncipe fez dois riscos na terra usando o calcanhar do pé descalço.

—Chamamos isso de futebol - disse Toussaint, explicando - essas marcas simbolizam o gol, o objetivo é que a bola passe por ele, assim você marca gols e ganha o jogo.

—Me parece fácil, vamos jogar, alteza - seu tio disse em tom de desafio e deixou a bola rolar, tentando tomá-la do menino, usando apenas os pés.

Toussaint driblava e o impedia com rapidez, o que deixava Namor mais atento, porém se divertindo com a situação. Enquanto jogavam, a dupla improvável trocava risadas, realmente aproveitando o momento.

Ao longe, Shuri e T'Challa apreciavam a cena, felizes pelo que estava acontecendo. Ele conseguiu enxergar Namor como um parente, seu cunhado, alguém da família, se esquecendo de que ele era rei e até mesmo seu antigo inimigo. Para ela, ver o marido brincando com o sobrinho era mais um bônus em toda felicidade que estavam vivendo.

—Tem algo que eu preciso dizer - seu irmão quebrou o silêncio do pacífico momento - você está diferente, quer dizer, vocês dois.

—Como? - ela quis ouvir a resposta dele, de boa vontade.

—É claro que estão completamente apaixonados - T'Challa foi direto, porém suave - você até o chamou de amor, ele está completamente rendido à sua presença, e você está sorrindo mais, brincando mais, parecida com a velha Shuri, mas ainda assim diferente, você o ama, irmã?

—Eu amo sim - ela confessou, assentindo - eu sei que é complicado, eu sei o que ele fez, mas eu simplesmente amo, de alguma forma essa aliança deu mais certo do que a gente imaginava, e sabe, ele é diferente do homem que conhecemos, esse Namor que está se divertindo agora é o meu marido, é quem eu conheço e sei que é seu verdadeiro eu, ao menos a partir de agora, esse é ele.

—Você o mudou e ele te mudou, te trouxe de volta, irmãzinha - ele se aproximou dela e beijou sua bochecha - a velha Shuri com a nova Shuri, divertida, esperta, amorosa, mas também a rainha de um reino estrangeiro, uma amada esposa, estou orgulhoso de você.

—Valeu mesmo, T'Challa - ela o abraçou de olhos fechados, emocionada - eu sempre tive orgulho de você, ouvir isso me deixa mais tranquila ainda, eu tenho feito um bom trabalho, o que é esperado de mim, mas ainda posso ser eu mesma, ainda ter o amor que eu tinha e o amor que tenho agora.

T'Challa sorriu à resposta dela, revendo outro sorriso da irmã. Naquele momento, eram apenas irmãos, gratos pela família que tinham.