Parecia que Namor não encontraria sono nos últimos dias, quando mais uma vez, mal conseguiu adormecer. Shuri, por sua vez, não teve dificuldades. Olhando-a de soslaio, não perdeu nenhum instante até que ela adormecesse. Viu-a fechar os olhos, com o rosto levemente inclinado para o lado dele, sem demorar muito para adormecer. Parecia tranquila, o que o deixou aliviado, queria mesmo que ela estivesse confortável.

Depois que Shuri dormiu, só lhe restou como companhia ativa seus próprios pensamentos. Ali estava a mulher que tinha lhe queimado, deixado cicatrizes profundas em sua pele, seu coração, ela podia ser bem feroz quando queria, mas agora, estava pacificamente ao seu lado. Justo ela tinha se tornado sua esposa, ainda assim, era uma contradição. Talvez aceitar o novo, o futuro, era o caminho para deixar as feridas do passado para trás. O simples fato de compartilhar o leito com ela, por mais estranho que fosse a princípio, seria o primeiro passo para isso.

Decidido a finalmente descansar, fechou os olhos, imaginou um futuro seguro, até mesmo feliz, ao menos por seu povo, finalmente o sono veio abraçá-lo então.

Como a primeira a adormecer, Shuri foi a primeira a despertar. Iria se levantar rapidamente, esquecendo momentaneamente que não estava sozinha, mas o peso de Namor ao seu lado lhe serviu de aviso. Com passos e movimentos lentos, ela se levantou da cama, com certa pressa de se preparar para o dia. Pensou que se organizasse uma rotina, se acostumaria com sua nova casa. Só não esperava ser interrompida pela curiosidade de observar Namor adormecido.

Estava em posição fetal, ainda vulnerável, como ela tinha constatado na noite anterior, quase uma criança. Conseguiu ver as costas deles, largas e firmes, porém marcadas pelas garras da Pantera Negra. A cicatriz a fez estremecer, seria uma prova eterna do que tinha acontecido entre os dois. Sentiu culpa e arrependimento, querendo poder cuidar daquela ferida, mesmo ela tendo se cicatrizado.

Levada por um certo impulso, Shuri tocou ali com a ponta dos dedos, imaginando o tamanho da dor que ele havia sentido. Respirando fundo, esperava deixar essa ferocidade para trás, ser uma nova Shuri a partir de agora, a rainha que seu novo reino precisava, a esposa que seu marido precisasse.

Ainda com as mãos nas costas dele, ela sentiu ele se mexer, o que a deixou assustada a princípio, não era a intenção dela acordá-lo. Tirou sua mão com pressa das costas de Namor. Quieta, esperando a reação dele, Shuri o observou se levantar. Ele se voltou para o lado, procurando claramente por ela.

—Shuri... - ele murmurou, ainda despertando, procurando o rosto dela.

—Estou aqui, bom dia - ela decidiu dizer, voltando a ficar mais calma - me desculpe se te acordei, não foi minha intenção.

—Não se preocupe, eu estou bem, espero que tenha dormido bem - ele quis saber como ela estava.

—Eu dormi sim, espero que você também - ela respondeu - temos algum plano pro dia de hoje que não me foi dito?

—Planos, bom, temos direito a uns dias de descanso, depois voltaremos às responsabilidades, vou atualizá-la sobre isso, no devido tempo - Namor tirou as dúvidas dela.

Shuri então assentiu e o deixou a sós por um momento, indo vestir suas próprias roupas para passar o dia, nada além de algo simples como uma camiseta, calças folgadas e tênis. Quando ela retornou ao quarto, seu marido a olhou com aprovação nítida.

—Seus trajes combinam com você - foi seu elogio, meio truncado.

—Ah obrigada, eu fiquei pensando se teria que usar os seus trajes tradicionais o tempo todo, sem ofensa - ela mostrou seu claro alívio.

—Seja você mesma, minha rainha - ele lhe deu um sorriso, o que a deixou desconcertada.

Era incrível como ele atirava elogios para ela o tempo todo, o que não a deixava mais tão constrangida, talvez grata fosse a palavra certa.

Saindo dos aposentos, Shuri encontrou uma mesa com o café da manhã pronto, o que a deixou aliviada pois realmente estava com fome. Namor sentou-se na frente dela, sem cerimônia e ela não estranhou o gesto, fazendo uma nota mental de que talvez já estivesse se acostumando a dividir o espaço com ele.

Shuri começou a comer sem hesitar, mas de maneira mais calma e comedida dessa vez. Seu marido fez o mesmo, logo em seguida.

—Tem algo em sua mente, a mantendo ocupada, no mínimo - Namor deduziu da expressão pensativa dela.

—Ah eu... fiquei curiosa, sobre uma coisa, é uma tolice, não se preocupe - ela deu de ombros, se achando uma boba.

—Não precisa esconder nada de mim - ele ousou tocar a mão dela que estava mais próxima - somos marido e mulher, sinceridade e confiança devem existir entre nós.

— Bom, tá bem - Shuri decidiu seguir em frente e confessar suas deduções - eu estava pensando, se você nunca teve um relacionamento, também quer dizer que nunca beijou uma mulher antes, eu fui a primeira.

—Está correta - ele assentiu, não sabendo bem onde ela queria chegar - acredito que eu também seja o primeiro que beijou em toda sua vida.

—Ah não, não, eu não beijei ninguém até hoje, você o fez, e ficou bem claro que você não tem muita experiência nisso - ela disse sua opinião total.

—Meu beijo não a agradou? Se preferir, posso melhorar isso, posso treinar de alguma forma - ele se ofereceu, mesmo sentindo-se constrangido com toda aquela conversa.

—O que? Não, Namor, eu não estou te pedindo isso, entendo que só seguimos um protocolo de cerimônia - ela balançou a cabeça veementemente - não faça o que não quer por mim, você tem sido ótimo da maneira que tem agido, não preciso disso.

—Eu compreendo - ele assentiu, deixando as palavras dela serem processadas por sua mente.

—Se tem uma coisa que eu acredito, que eu acho que aprendi vendo casais que se amam de verdade, é que beijar os lábios de alguém deve ser um ato de amor, se não for feito por esse motivo perde seu significado - ela explicou com paciência e franqueza.

—Me parece uma verdade linda - Namor comentou - beijos assim são para amantes, não amigos.

—É, eu também acho que somos amigos, é o bastante - Shuri resumiu o assunto.

Namor olhou-a por um último momento, a esposa que lhe explicava sobre gestos de afeição que ele mal tinha compreendido durante toda sua longa vida. Talvez agora entenderia. Terminou a refeição de cabeça baixa, quieto, reflexivo. Até decidir se levantar.

—Tenho algumas coisas que precisam ser averiguadas em Talokan - ele se explicou - eu a verei mais tarde, lhe desejo um bom dia.

—Pra você também - ela o observou de pé.

Depois de hesitar um pouco, Namor se inclinou para beijar a testa dela. Na opinião de Shuri, um beijo melhor que os outros dois, cheio de afeição e delicadeza.

—Isso significa respeito e proteção - ele preferiu deixar claro e se retirou.

—Obrigada - Shuri agradeceu e o viu partir.

Censurou-se mentalmente por deixar a conversa pesada com a sua sinceridade. Talvez ela realmente gostaria que Namor a beijasse com afeição, não sabia exatamente porque. Começando a ficar louca, deixou o assunto para trás, começando logo a ocupar seu dia com o que interessava no presente.