“Meu Deus! Positivo! Você conseguiu! Positivo! Quer dizer, vocês conseguiram! Positivo! Temos que avisar C.S.C.! Positivo! Vamos avisar pelo dispositivo telegráfico! Violet passou um bom tempo examinando e deve estar funcionando agora, positivo!”

“Calma, capitão Andarré”, eu disse. “Eu já tenho um plano para levar esse açucareiro à C.S.C., mas você vai...”

Minha fala foi interrompida por um barulho. Era uma mensagem que chegava pelo dispositivo telegráfico. Mais uma vez, Violet tinha provado que suas habilidades em mecânica eram extraordinárias.

Capitão Andarré foi até a máquina, que cuspia o papel de forma rápida, como se tivesse com pressa.

“É de Kit Snicket! Positivo!”, Disse o capitão, ao pegar e ler o papel. “Está convocando a mim a e a Phil para uma missão! Positivo!”

“Bom, então nós podemos fazer o seguinte:”, disse Emily. “Você e Phil vão para a missão que tem que ir, enquanto eu, Hugo e Gregory esperamos os Baudelaire aqui no submarino.”

“Não” eu disse. Nem acreditei quando essa palavra saiu da minha boca, mas ela saiu. “Nós não podemos ficar aqui, porque a mulher com cabelo mas sem barba viu, lá do alto, que nós entrávamos pela porta. Quando ela conseguir descer, vai vir aqui para nos buscar, e vai encontrar o Queequeg.”

“Tem razão”, disse Phil. “Mas acho que Andarré e eu devemos ficar aqui esperando os Baudelaire.”

“Não”, disse Emily. “Se tem uma coisa que percebi é que os Baudelaire sabem se cuidar. Eles podem voltar e ficar sozinhos no Queequeg tranqüilos. Mas ‘aquele que vacila está perdido’, capitão Andarré”, disse ela, citando a filosofia de vida de Andarré. “Você e Phil precisam ir para a missão, senão vacilam com Kit Snicket; e nós precisamos mandar o açucareiro para C.S.C., porque senão vacilamos com a organização inteira.”

“Positivo!”, Disse capitão Andarré, se empolgando com a ideia de uma nova missão.

“Estavam preparando uma festa?”, disse Hugo. Ele tinha olhado para o salão principal, e viu que eles amarraram três balões em uma cadeira. Dois com a letra “C” impressa, e o outro com a letra “S”, em uma ordem que formava “C.S.C.”*.

“Claro!”, Eu disse. “É o aniversário de Violet! Meu tutor me contou antes de nos separarmos.”

“Adoraria botar o papo em dia”, disse Phil, “mas temos missões a cumprir, lembram-se?”

Dito isso, capitão Andarré e Phil colocaram os capacetes de mergulho que estavam na mesa da cozinha e nós saímos do Queequeg. Eu fui primeiro, depois veio Emily, depois Hugo, Phil e Andarré, que fechou a escotilha atrás de si. Nós nadamos até chegar à superfície, e quando chegamos, tiramos os capacetes. Eu levei o apito que ainda estava comigo aos lábios e o soprei. As cinco águias vieram imediatamente, o que significa que a que segurava a mulher com cabelo mas sem barba tinha soltado ela no chão da Aquáticos Anwhistle.

“Águias!”, Eu disse. “Levem Phil e Andarré até terra firme!” E assoprei no apito de novo.

“Adeus, capitão Andarré!”, Eu disse, mas não deu tempo de ouvir sua resposta, pois as águias foram a toda velocidade fazer o que eu mandava.

“Águias!”, Eu disse de novo, “Levem-nos até a cidade dos Cultores Solidários de Corvídeos!”

Emily e Hugo me olharam com a expressão mais estranha que já vi, mas antes que eles fizessem qualquer objeção, as águias nos levaram para bem longe dali. Eles não sabiam, mas eu tinha um plano.

(...)

A sensação de ter o poder de controlar águias tão grandes como aquelas era indescritível. A sensação de passar voando pelo homem com barba mas sem cabelo e pela mulher com cabelo mas sem barba a toda velocidade, ouvindo eles nos xingarem enquanto nós íamos em direção ao que queríamos era uma sensação melhor e mais indescritível. A sensação de perceber que eu não encontrei os Baudelaire por muito pouco era também indescritível, mas no sentido ruim.

Ou seja, a palavra para descrever aquele momento era “indescritível”. As águias passavam com uma rapidez inimaginável pela cidade, passando pelo Hotel Desenlace, e, mesmo os meus amigos não sabendo aonde iam e nem o que iam fazer lá, aposto que eles estavam curtindo a viagem. Nós ficávamos cada vez mais sonolentos, mas o vento forte não nos deixava dormir. Duas noites sem dormir nem um pouco era algo horrível. Várias horas depois, chegamos à terra descampada onde ficava a cidade de C.S.C.

Nós vimos a cidade lá no horizonte, e ela ia ficando cada vez mais perto, cada vez maior, mas não era possível ver nenhum de seus detalhes, pois o escuro da noite das cinco e pouco da manhã não deixava.

“Vai amanhecer”, notou Hugo. Ele teve de berrar para falar mais alto que o vento. Esperei minha vida toda para ver a cidade de C.S.C. de manhã desde que meu tutor a descrevera para mim. Ele conhecia cada pedacinho da cidade: fora lá para pesquisar o que acontecera aos Baudelaire quando eles moraram lá, e, como pesquisador dedicado, registrara e me contara tudo sobre aquele lugar. Uma das coisas que Lemony me contou e que mais me impressionou foi que a cidade era cheia de corvos. Faz sentido: “Cultores Solidários de Corvídeos” significa “pessoas que cuidam de corvos solidariamente”. Outra coisa que ele me contou e também me surpreendeu foi que os corvos tinham um padrão migratório diário: de manhã, os corvos pousavam na cidade alta; de tarde, na cidade baixa; e de noite, na Árvore do Nunca Mais, uma árvore que ficava um pouco afastada da cidade, na casa de Hector, a pessoa que cuidou dos Baudelaire enquanto eles moraram aqui e quem construiu a casa móvel auto-sustentável que agora o abrigava junto os Quagmire e estava sendo atacada por águias. A Árvore do Nunca Mais tinha proporções nunca antes imaginadas, de tão grandes. E como você leu lá em cima o que Hugo disse, estava quase amanhecendo, o que significa que os corvos estavam quase saindo da Árvore do Nunca Mais para se acomodar na cidade alta.

“Para a Árvore do Nunca Mais, águias!”, Eu disse, logo antes de soprar no apito prateado. Elas obedeceram, e nos deixaram no chão. “Vão embora, águias!” Eu disse, de novo, e elas foram, sem o sopro do apito. Depois, eu joguei o apito no chão e pisei em cima dele. O apito quebrou. Emily fez o mesmo. “Não precisaremos mais das águias.”

“Como não?”, Perguntou Hugo. “Como chegaremos à reunião de C.S.C. agora?”

“Não precisamos das águias porque teremos de escoltar os corvos até a cidade”, completou Emily. Ela já tinha percebido a minha idéia.

“Todo mundo quieto”, eu disse. “Vocês vão adorar isso.”

Nós esperamos segundos, até que o primeiro raio de sol saiu do horizonte. Um corvo começou a voar e ficou voando em círculos. Depois, veio outro corvo. Mais seis. Mais dois. E assim todos os corvos começaram a voar em círculos. O som era como o de mil páginas sendo folheadas ao mesmo tempo, e o vento que os corvos produziam fazia com que nós sentíssemos que pudéssemos voar também, para um lugar onde não houvesse perfídia. Foi mais ou menos assim que meu tutor descreveu para mim, e como ele descreveu no livro que conta as desventuras dos Baudelaire nessa cidade, mas eu não imaginava que era tão... Tão indescritível.