Graad Gakkou - INTERATIVA

Capitulo 14 - Por além do véu


#14 – Por além do véu

Saori e Yomi estavam em uma cafeteria requintada do centro de Tóquio, onde haviam saletas reservadas, afinal, com tantos escritórios voltados para editoração de mangás e light novels, um ambiente de cafeteria seria bem mais aconchegante.

A militar ainda não havia tocado no assunto, assistindo a grega tomar sua xícara de café com tranquilidade.

—A senhora não tocou em sua xícara. Os cafés daqui são dignos das melhores cafeterias europeias. – convidou a deusa.

—Estou surpresa em permitir que eu me aproxime e que tenha me convidado para tomar café. – admitiu a oriental.

—Não se acanhe, normalmente são meus assessores que me fazem ser inacessível, mas não gosto de ser colocado em um pedestal tão alto. – se servindo de um pedaço da fatia do bolo de mousse de limão. – Algo a incomoda com relação aos estudos de sua filha? Um dos rapazes que acolhi pediu-me permissão para o clube dela poder ensaiar na mansão.

Yomi olhou para Saori, escondendo sua surpresa. “Um dos rapazes”?

—Milo Galanós. – disse a grega, advinhando o que poderia se passar na cabeça da morena.

Se lembrou do rapaz que escoltara sua filha e a estranha sensação que tinha ao vê-lo. Era como um mergulho num profundo e escuro lago de sua alma, de lembranças que julgava serem irrelevantes para si. Outros tempos, tempos que jamais retornariam.

—Morgana me disse que o clube estava em reformas, mas não me contou sobre a possibilidade de ensaiarem na mansão da senhora.

—Pode me chamar de modo informal, senhora Takagi. – disse com um sorriso gentil.

A militar tomou um gole da bebida negra como seus olhos, mais para umedecer a boca que por puro deleite. Abriu uma pequena brecha onde Saori viu que ali estava a mãe e não a militar.

—Se sente insegura da sua filha e as amigas ensaiar entre uma mansão cheia de rapazes? Se Milo se colocou a ajudar, ele faria tudo para proteger sua filha. Ele é muito leal aos amigos que tem.

—Sobre isso...

Saori olhou a mulher reestabelecer um pouco da postura de oficial.

—Eu e meu esposo somos militares, não é incomum termos inimigos e... atingir nossa filha seria algo muito fácil para vingar de nós. Morgana é muito doce e gentil, mas a treinamos bem para se safar de diversas situações... Espero que não se sinta ofendida, mas... Nosso agrupamento investigou Milo Galanós e os demais rapazes.

Atena não demonstrou, mas ficou surpresa com a atitude. Mas tinha plena confiança dos inúmeros firewall que protegiam a Fundação e, principalmente, a rede interna do Santuário. Isso seria um alerta para reforçarem principalmente essa rede.

—Não havia...

—Nada sobre o passado deles. Imagino que essa seja sua preocupação, sobre quem são esses rapazes. – completou a deusa de modo sério a olhar uma surpresa Yomi. – Eu te entendo, para proteger quem amamos, nos dispomos de tudo ao nosso alcance para tornar a vida deles seguras. – e ela voltou a sorrir de forma amorosa. – Não a culpo ou me sinto ofendida, Takagi Yomi. Eles realmente não tem passado e o que têm, guardam consigo mesmo.

—Como assim?

—São crianças de guerra. – não era bem uma mentira, claro. Mas ali Saori disfarçava o fato de serem guerreiros para vítimas. – crianças retiradas das mais diversas partes do mundo para fins nada dignos.

—Mas se fosse assim, a RETMAS...

—Eles foram resgatados por um grupo parceiro e secreto, até mais que o exército de vocês. Por favor, peço que não pergunte, pois é necessário o segredo para a manutenção da pouca paz que há no mundo.

—Mas se é segredo, vazar ele colocaria a senhorita...

—Não me farão mal. Mas é para a segurança do mundo. Como militar, deve saber que há muitas coisas a serem mantidas longe do grande público.

Sim, isso era óbvio. E talvez tal organização fosse de conhecimento da alta cúpula da RETMAS, talvez algo da liderança: as Supremas Ministras. Deixaria essa passar, mas apenas naquele momento, sentia que Saori não revelaria nem com o cano de uma arma em sua nuca.

—Eu apenas arranjei os papéis e aqueles que ainda se lembravam do passado receberam seus antigos nomes. Todos são crianças que não puderam encontrar seus lares novamente e são todos especiais para mim. Falar disso é doloroso para eles, por favor, peço que não os coloque contra a parede.

O terror da guerra. Ela conhecia bem aquilo. Quantos não matara em combate ou vira morrer? Incluindo as pessoas de seu próprio sangue. A mãe... o irmão... Mas ao imaginar o amigo mais próximo da filha, o garoto loiro de olhos azuis como céu sendo vítima... Seu coração apertou de um modo que jamais pensaria sentir apertar após tantos anos em um círculo fechado de amizades e laços.

Sempre conhecida no regimento como militar durona, mas uma mulher doce e amável, maternal. Mas até para si própria o sentimento de querer colocar aquele garoto, já tão mais alto e quase adulto debaixo de suas asas e proteger era surpreendente.

Talvez o cabelo loiro lembrando o marido em tempos de juventude, com o sorriso e o signo tão em comum? Ela não sabia.

Ela tomou mais um gole da bebida, tentando ordenar a enxurrada de sentimentos que resolveu invadir seu ser naquele momento.

—Não se preocupe, são boas crianças. Que cuidam de si desde muito novos. Tratarão sua filha e as amigas como se fossem de seu próprio sangue.

Yomi terminou a bebida e o bolo, em respeito a milionária, se levantou e a cumprimentou com continência.

—Obrigada pelo tempo cedido. Preciso retomar as minhas tarefas e você as suas, imagino.

—Por nada. Quando retomar, espero poder convidá-la para outro momento como esse, sem o peso de tantas revelações.

Yomi deu um sorriso sincero pela primeira e saiu. Saori suspirou.

“Ela sabe usar cosmo”. – pensou consigo a deusa.

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Em um cenário obscuro, onde a pouca iluminação era feita com algumas velas. Uma figura que parecia uma mulher, oculta pelas sombras observava o velho a sua frente.

—Alguma novidade no avanço da jovem Fukuzawa?

—Ela está preguiçosa, senhora Viúva. Mas logo estará no ponto.

—Shingen... Não irei admitir falhas. Maise Fukuzawa é o plano B se a escolhida ideal não puder ficar pronta.

—E a principal? Achou algum meio de ser o receptáculo de nossa mestra? – indagou um belo e andrógino rapaz loiro, pouco distante do velho.

—Ainda não. Ela sequer acredita nas histórias que lhe contei. Mas soube de algo curioso, ela está próxima deles. Não será difícil corromper seu coração. – respondeu a mulher oculta nas sombras.

—Mas logo em breve, Maise estará no ponto de ser receptáculo temporário de nossa mestra... Nêmesis. – riu o velho Shingen. – Afinal... O tempo urge.

—Sim... E quero que esteja pronto quando lhe der o sinal.

—Viúva, e aquela Assassina? – indagou uma outra voz, carregado de sotaque ibérico. – Não está aqui.

—Ela tem sua própria sede a alimentar... Huhu.

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A loira sequer se mexeu ao ouvir a porta ser aberta. Conhecia até como a melhor amiga abria a mesma ou o som dos passos com o coturno. Virou e olhou Yomi se sentar numa cadeira próxima.

—Conseguiu chegar a tempo? – indagou a que mexia num verdadeiro emaranhado de computadores, todos ligados, alguns com a tela negra do prompt, outros com câmera de vídeo, alguns com algum tipo de software.

—Consegui, Mika. Ela não me convenceu, mas decidi deixar passar.

A oriental suspirou, o olhar distante no teto. Mika era a esposa de Saga, o ruivo amigo de seu marido. Sargento como ela, especialista em tecnologia, mas também era sua melhor amiga e confidente.

—Crianças resgatadas de zonas de guerra. Foi o que a Kido disse. Eles criaram registros novos, do zero.

—Não está incomodada só com isso, né?

—Exato. Além disso, duas coisas me intrigam. O garoto e a Kido. Sinto vontade de querer ter aquele garoto sob meus cuidados de um modo tão intenso que não consigo explicar.

—Você não resiste a pessoas novas e quer tratar como filhos. Puxou esse instinto maternal da falecida Ministra Yone.

—Hmmm, assim você não me ajuda. Eu sei que puxei isso da minha mãe.

Yomi fechou os olhos, ignorando a loira levantar e ligar a cafeteira.

— De todo modo, Yomi, se for uma amizade sincera, não há problemas. Morgana nunca conseguiu fazer amigos de verdade. E sobre a Kido?

—Se lembra das histórias que lhe contei do Vaticano? – com a amiga afirmando, a morena continuou. – Eu senti por um breve instante aquele universo, o cosmo, emanar dela de forma que assombrou. Se fosse comparar, é como se eu fosse um velho Volkswagen e ela um Porsche bem equipado e próprio pra velocidade.

—Deve ter sido só impressão.

—Não foi. E Milo também emana. Não, minto. Toda aquela mansão parece transbordar cosmo.

Mika olhou séria para a amiga.

—Você não está achando...

—Que tem um grande mistério? Estou.

—Yomi, descanse. Eu vou tentar de novo burlar a proteção daquela imagem, você está criando teorias malucas.

A oriental até fez menção de sair ao ver a amiga voltar para a tela, iniciando o trabalho com o prompt, enquanto uma da telas mostrava o símbolo de Nike. O som do teclado sendo parado e uma chuva de dados caindo junto de um resmungo da alemã fizeram Yomi voltar sua atenção.

—Mika?

—Reforçaram o sistema. Nunca vi um firewall tão potente!

Se reforçaram...

—Tem algo estranho! Esse símbolo, a minha conversa...

Uma mensagem em grego surgiu na tela. Mika conseguiu resgatar antes da mesma se perder num apagão que deu ao anotar correndo em papel. Leu com calma, do que se lembrava de grego, mas traduzir foi sofrido, era grego arcaico.

—O que era, Mika?

— Trecho de Palas Atena, proibido invasão.

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Ruginhas se formavam na testa da ruiva, que parecia muito se concentrar. Mas aquela concentração toda era uma baita de uma fachada engraçada, pois ela fazia careta ante seu “mestre”, sereno e pacífico sentado a sua frente no tapete estendido no jardim da mansão.

—Deve limpar sua mente e serenar, Kay. Meditação não é algo que se força. – disse solenemente o virginiano.

—Bah! Qual é a graça de ficar dormindo sentada fazendo esses barulhos bizarros!? – bradou Kay abrindo os olhos, inclinando o corpo de forma “ameaçadora” para Shaka.

O loiro sequer mudou de posição ou fez qualquer movimento.

—Seu temperamento explosivo é um problema para que aprenda a controlar o cosmo.

—Mas não tem graça, cabelo de miojo.

Shaka abriu os olhos, encarando com sua indecifrável expressão a ruiva a sua frente. Ela fazia um biquinho engraçado, mas o indiano não se comovera com aquilo.

—Se perder o controle... Seu cosmo que se molda em uma arma... Você pode matar alguém sem querer.

Kay largou de manha, os olhos avermelhados como cerejas estavam arregalados. Sua pose engraçada se desfez e ela se levantou, deixando Shaka aturdido, chamando por ela. Sem resposta, ele se levantou e a seguiu, até alcançar a garota e a segurar pelo braço, mas ela bruscamente se soltou e seguiu rumo cabisbaixa.

Optou por não incomodar a enérgica garota. Ergueu a cabeça e franziu o cenho diante do céu límpido e azul.

—As ondas malignas parecem estar aumentando. Mas de quem será?