Naruto acordou assustado, com a mesa se mexendo sob seus braços, enquanto um baque surdo atingia seus ouvidos. Atingia, aliás, era uma boa palavra para expressar como o som foi captado pelo Uzumaki. Quando o barulho o alcançou, parecia que, de fato, ele havia sido atingido por algo. Uma bomba, por exemplo. Bem dentro de seu crânio.

— Bah, vocês vão dormir a semana toda? - Naruto ouviu Kakashi berrar ao mesmo tempo que sua cabeça latejava dolorosamente. Ele levantou o rosto, que segundos antes se apoiava dorminhoco em seus braços, e viu o sensei desfocado colocar duas xícaras sobre a mesa. Colocar não. Jogar. Somente jogando com muita força a louça faria um barulho tão grande contra a madeira - Se vocês já têm idade pra beber, têm idade pra lidar com a ressaca.

— Para de gritar, Kakashi-sensei! - pediu Naruto, esfregando os olhos, tentando focalizar o mundo ao seu redor. Vista embaçada, cabeça dolorida, corpo moído. Então isso era ressaca. O jovem fez uma anotação mental de que nunca mais, por todo lámen do mundo, beberia novamente - E foi você quem nos deu saquê!

— Você colocou um pote de mel aqui, Kakashi? - reclamou Sasuke, a quem Naruto esquecera totalmente. Ele se virou para encarar o amigo e, se não tivesse tido sua cabeça atropelada por uma manada de elefantes, teria rido até explodir. O Uchiha estava com o rosto inchado, com enormes bolsas sob os olhos, fazendo cosplay de panda. A expressão fria e entediada que exibia normalmente, e que por algum motivo desconhecido do Uzumaki deixava as meninas caidinhas, havia cedido espaço a uma careta, consequência do que quer que estivesse dentro da xícara oferecida por Kakashi. Por fim, os cabelos arrepiavam-se em todas as direções, como se Sasuke tivesse se dado um choque com o próprio chidori. O jovem poderia facilmente estrelar uma campanha contra o abuso de álcool. O antes e depois seria chocante - Tá me olhando por que, idiota?

— Queria que a Sakura-chan te visse agora, nesse seu estado estonteante - brincou Naruto, recebendo um olhar mortal do Uchiha.

— Queria que o pai da Hinata te visse agora, seu babaca - respondeu Sasuke. Naruto parou de rir.

— Tá, tá… - interrompeu Kakashi, enquanto empurrava a xícara para Naruto e fazia sinal para ele tomar. Naruto virou o chá de dentro dela em um só gole. E imitou a careta de Sasuke. Era o chá de camomila mais doce da história - Eu indo… Vocês podem tirar o dia de folga. Tão precisando…

Naruto e Sasuke se entreolharam rapidamente e o Uzumaki percebeu que o amigo pensava a mesma coisa. Como assim Kakashi iria trabalhar hoje depois do que acontecera? O sensei deveria tirar folga, não os alunos. Se bem que Naruto duvidava conseguir fazer qualquer coisa naquele estado.

— Sensei, - começou Naruto, fazendo Kakashi se virar para encará-lo. O jovem sentiu o coração apertar ao fitar o sensei. Não havia no rosto do ninja - ou na pequena parte que se podia ver desse - qualquer sinal de que ele passara a noite enchendo a cara. Muito menos de que o fizera porque perdera a filha e a ex-namorada de uma só vez. Qualquer um que o visse na rua acharia que estava tudo muito bem, obrigado. Mas Naruto conhecia o Hatake bem demais. Ou pelo menos o suficiente para ver, dentro dos olhos escuros do homem, a tristeza agoniante que ele enfrentava. Por isso, continuou, fraquinho, sabendo que não seria atendido - você quem deveria tirar folga…

— Se você quer ser Hokage, Naruto, aprenda logo isso: não há folgas para o Kage - respondeu Kakashi que, virando-se, foi em direção à porta. Quando a alcançou, o Hatake acrescentou - Comam alguma coisa. Tem lámen no armário.

Naruto viu o sensei fechar a porta atrás de si e, novamente, o coração apertou. A vida ninja era marcada por perdas, sempre soubera disso. Ele mesmo perdera para o mundo shinobi algumas das pessoas mais importantes para si. O pai. A mãe. O Ero-sennin. Vários companheiros ninjas, como Neji. Lembrava-se muito bem da dor daquele tipo de perda. E a vira claramente por trás dos olhos do sensei.

— Ele vai superar, Naruto. A gente sempre supera.

O Uzumaki virou-se e viu que Sasuke o observava de canto de olho. Não reparara, mas passara os últimos minutos encarando o fundo da xícara que lhe foi dada por Kakashi. Se assustara, levemente, com a voz do amigo o tirando do transe.

— Era a filha dele, Sasuke - argumentou Naruto, baixinho - O amor por filhos é diferente, não? É… maior.

Sasuke não respondeu. Naruto o viu brincar displicente com a asa da xícara, com o olhar perdido em algum ponto sobre a madeira da mesa. O Uzumaki entendeu o amigo. Ele também já perdera muita coisa.

— Por que a Sakura-chan foi embora? - Naruto perguntou, tentando mudar o rumo dos próprios pensamentos. Estava depressivo demais.

— Foi ela quem viu os corpos - respondeu Sasuke, distraído - Acho que ficou impressionada. Ela é muito sentimental…

— Ha, ela sempre foi - concordou Naruto, lembrando-se das inúmeras vezes que vira a amiga chorar, geralmente pelo próprio Sasuke à sua frente - E você costumava achar isso uma fraqueza…

— É… Eu ainda acho que isso vai da merda...- murmurou Sasuke, depois de um instante em silêncio. Ele continuava brincando com a asa da xícara, mas não parecia mais displicente. Parecia intencionalmente concentrado em algo inútil.

— Isso o quê? - repetiu Naruto, sem entender.

— Esse drama... - respondeu Sasuke.

— Da Sakura-chan?

— Humph. Ela demonstra demais as emoções. Sequer tenta contê-las… Qualquer idiota sabe quando ela com raiva, triste, feliz. É fácil manipulá-la… É fácil descobrir os pontos fracos dela. Como ameaçar, como torturar, fazê-la sofrer…

Naruto não respondeu. Aquele lado de Sasuke era inédito para ele e, talvez, fosse inédito para o próprio Uchiha. Obviamente, sabia que o amigo se preocupava com seus companheiros. E sabia que ele arrastava uma asa para Sakura. Eram amigos no fim das contas. Irmãos. Em meio à zoação, pescavam as verdades nas falas um do outro. Mas nunca imaginara Sasuke colocando tudo aquilo para fora. Expressando quase que um medo.

— Eu mesmo a fiz sofrer sabendo exatamente onde era o gatilho… - continuou Sasuke, em um murmúrio quase inaudível, ainda brincando com a xícara.

— Mas isso porque você a conhece bem, uai! - interrompeu Naruto, consciente que estava mentindo. Tudo o que Sasuke falava era verdade. Sakura era transparente quanto às emoções. Assim como ele próprio. A diferença era que ele se garantia. Ela não.

— A merda é que - prosseguiu Sasuke, ignorando o amigo - ela pode ser manipulada por algum inimigo e acabar indo de cara pra uma armadilha… Pode acabar acontecendo alguma coisa enquanto a gente não por perto… Tipo essa porra toda com a Nana.

Sasuke parou e Naruto entendeu. O Uchiha tinha medo que Sakura fosse a próxima Nana. Ele tentou consolar o amigo, dizer que isso não aconteceria, que no caso do Kakashi e da Nana foi diferente, mas não conseguiu. De repente, ele mesmo estava com medo. Pela Sakura, como Sasuke. E por Hinata. Então, ele compreendeu um pouco mais a dor do sensei.

— Ele ainda gostava da Nana? - perguntou Naruto, mas não era uma indagação de fato. Era uma afirmação. Ele sabia a resposta. Assim como Sasuke, que acenou a cabeça positivamente. Naruto respirou fundo, o coração apertado, a cabeça prestes a estourar. Sentiu-se um idiota. Ele deveria animar o amigo, e não se deixar abater com ele.

— Bem, se não gostava, sentia alguma coisa por ela… - afirmou Sasuke, rindo meio de lado.

— Como não sentir… - concordou Naruto, lembrando-se da mulher. Um espetáculo. Os dois sorriram tristemente e ele continuou - Como Kakashi-sensei conseguiu uma gata daquelas? Ele nem mostra a cara.

Sasuke imediatamente voltou-se ao amigo, desistindo de brincar com a xícara e encarando-o com os olhos esbugalhados. Naruto levou um segundo para entender o porquê daquele comportamento repentino. Então, de repente, foi atingido em cheio na cara com o motivo. Cara.

— Você lembra da cara dele? - perguntou Naruto, quase chorando. Passara a noite toda bebendo com o sensei e não se ligara em aproveitar a oportunidade para vê-lo sem máscara. Burro!

— Não… - respondeu Sasuke, num muxoxo. Ou seja, a noite toda tinha sido um grande desperdício de tempo.

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Ele estava parado à frente do distrito dos Hyuuga há quase meia hora, mas não tomara coragem para entrar. Desde a conversa com Sasuke, sentia-se deprimido. Tinha vontade de correr para Hinata, abraçá-la e implorar para que o tempo parasse. Mas não podia. Ele sabia que não tinha nada com ela. Voltara da guerra e passara a se encontrar com a jovem sempre que ambos estavam em Konoha, o que era raro já que viviam em missão. Mas nada acontecera. Sequer conseguira se declarar. Seus encontros se resumiam a ficar sentados na grama em algum lugar, com ele falando sobre a missão que fizera e ela ouvindo. Não que o Uzumaki não gostasse. Era incrível dividir qualquer segundo do seu dia com a garota. Mas queria algo mais. Queria dividir tudo. E o papo que tivera com o amigo o fizera perceber algo. Que ele também tinha medo por Hinata. Tinha medo de perdê-la.

Naruto estava tão concentrado em tentar encontrar um motivo para entrar no distrito que levou um susto quando ouviu passos se aproximarem atrás dele. Virou-se de supetão, quase tendo um ataque do coração quando viu aquele par de olhos perolados o encararem com extrema curiosidade. O byakugan poderia ser bem mais assustador que o sharingan, na opinião do Uzumaki.

— Naruto-san? - chamou a voz dona daqueles olhos, enquanto ele se recuperava do susto, triste. Queria se deparar com a outra irmã - O que você está fazendo aqui?

— Ah… - começou Naruto, sem graça. Hanabi era bem mais extrovertida que a irmã e, consequentemente, mais atrevida. Não havia rodeios com a garota. Era sempre absolutamente direta no trato com o pretendente a cunhado, o que o deixava nervoso. E se falasse besteira e ela fosse correndo contar ao pai? Hiashi já não gostava do jovem o suficiente apenas pelo fato dele estar a fim da filha mais velha. Imagina se ele desse motivos mais sérios? - Eu.. Eu.. meio que… tava de passagem e…

— Vou chamar a Hinata - informou Hanabi, virando-se - E não adianta se esconder, Naruto-san. Todo mundo lá dentro tem Byakugan.

Naruto sentiu o estômago despencar enquanto via a menina caminhar tranquilamente em direção à entrada do distrito. Esquecera que poderia ser visto. Burro. Mas, de qualquer forma, estava feliz. Conseguiria se encontrar com Hinata.

Ele não precisou esperar muito até ver Hinata aparecer a frente do distrito, caminhando tão rápido que por um segundo ele temeu que a jovem tropeçasse nos próprios pés. Quando o viu, a Hyuuga acelerou ainda mais a passada, correndo com um sorriso estampado nos lábios, as maçãs do rosto vermelhas como sempre. Era incrível como uma menina tão introvertida, a quem ele levou anos para reparar de fato, de repente, tinha o poder de iluminar sua vida como um raio de Sol. Seria poético dizer que ela era como o amanhecer quebrando o breu noturno. Mas era mentira. Para Naruto, Hinata era o Sol do meio dia. Quando ela estava por perto, não haviam sombras. Por isso, ao vê-la se aproximar radiante, o Uzumaki não se importou nenhum pouco que todos os pares de Byakugans dentro do distrito estivessem virados para o casal. Ele simplesmente correu ao encontro dela e a abraçou, encaixando a própria cabeça nos cabelos azulados dela, sentindo o cheiro suave dos fios o envolver. Poderia passar a eternidade ali.

— Naruto-kun? - murmurou Hinata, e Naruto teve certeza que ela estava roxa de vergonha. Ele sorriu. Ela era muito fofa mesmo.

— Vamos pra beira do rio? - convidou o jovem, soltando Hinata lentamente, contra vontade. Ele viu o rosto da menina e alargou o sorriso. Parecia que ia pegar fogo.

— Uhum - concordou a Hyuuga.

Os dois caminharam lentamente até a colina a beira do rio que se tornara, praticamente, um recanto privado do casal. Naruto queria segurar a mão de Hinata durante o caminho, mas temeu que ela saísse correndo desesperada. A timidez da garota era quase patológica, mas, na opinião do garoto, era um charme. Quando chegaram ao destino, os dois sentaram-se na grama em silêncio. A Hyuuga sorriu tímida enquanto Naruto a observava, e ele retribuiu o sorriso.

— O que houve, Naruto-kun? - perguntou Hinata, a voz serena como sempre, os olhos bondosos confortando o Uzumaki. Quanto mais ele ficava com ela, mais tinha certeza de que era ela. Só ela acalmava seu coração.

— Nada não, Hinata-chan - mentiu Naruto, não sabendo se podia falar a verdade.

— Eu guardo seu segredo - falou Hinata, percebendo a mentira do garoto - Pode confiar.

Naruto sorriu, triste. Sim, ele podia confiar nela. Então por que não contar? Só para ela...

— Você lembra da missão que eu fiz semana passada? Com o Kakashi-sensei, o Sasuke, a Sakura-chan…? - começou Naruto, decidindo que, só para ela, ele contaria. Contaria tudo. Tudo que ela quisesse saber. Sobre qualquer coisa. Só para ela.

— A que vocês descobriram sobre o golpe? - perguntou Hinata. Naruto confirmou.

— Nós encontramos uma pessoa durante a missão… - continuou o Uzumaki - A guardiã da fronteira norte. Bem… acontece que ela era… ah… uma ex-namorada, ex-caxo… Alguma coisa do Kakashi-sensei…

— Kakashi-sama? - surpreendeu-se Hinata, arregalando os olhos. Naruto também se surpreendeu. Era a primeira vez que ela o interrompia. - Kakashi-sama tem uma namorada?

— Ah… Tinha. Anos atrás… - respondeu Naruto, achando um pouco de graça da expressão mista em curiosidade e espanto de Hinata - Bem, de qualquer forma, essa kunoichi, Nana, era a guardiã do norte. E foi ela quem sofreu o ataque que nos permitiu saber sobre o golpe. Kakashi-sensei queria que ela voltasse para Konoha com a gente, mas ela achou perigoso por causa da relação deles e talz… Achou que quem tá por trás do golpe poderia usar Aiko contra eles e tudo mais…

— Quem é Aiko?

— Ah, é a filha do Kakashi-sensei com essa Nana…

— Quê? - espantou-se Hinata, arregalando ainda mais os olhos. Vendo a expressão da jovem, Naruto percebeu que contara a história de um jeito errado. Contou o início, o fim, e esquecera do meio - Kakashi-sama tem uma filha?

— Uhum… - confirmou Naruto, triste.

— E onde ela está? - perguntou Hinata, recompondo-se do espanto. Naruto respirou profundamente. Narrar aquela história tornava-a estranhamente real, ao contrário do geralmente acontecia. E, agora que pensara em Aiko, seu coração apertara novamente.

— Kakashi-sensei soube ontem que elas morreram… Os caras do golpe as assassinaram…

Naruto viu Hinata levar as mãos à boca, tapando sua expressão de susto. Em seguida, ela as abaixou e deixou a tristeza tomar conta de seu rosto. Ela era extremamente sensível. Sempre tomava a dor para si, compadecendo-se do sofrimento alheio.

Ele a observou por um segundo e, involuntariamente, pensou em como seria perdê-la. Insuportável. Mesmo imaginar rapidamente era insuportável. Ele queria passar a vida ao lado dela, cuidar dela, fazê-la feliz. Era completamente inexplicável o porquê de todo aquele sentimento repentino por Hinata. Não sabia quando começara. Só se lembrava de um dia ter acordado pensando nela e, desde então, ela ser a primeira coisa que ele lembrava ao levantar. A última antes de dormir. A campeã no ranking de seus pensamentos diários. Ele só queria ela. E ela precisava saber disso. Precisava saber o que ele sentia. E ele precisava garantir que não a perderia.

Naruto segurou a mão de Hinata, fazendo-a voltar o rosto para si. Ele a viu corar levemente e entendeu que ela previra o que ele faria. Mas, não sendo impedido, continuou. Aproximou-se ainda mais dela até sentir seus narizes se tocarem. Percebeu os olhos da Hyuuga se fecharem e, quando seus lábios se encostaram, ele a imitou. Era seu primeiro beijo, descontando, claro, o que dera em Sasuke (acidentalmente!). Sentiu o calor da boca dela e, com a mão livre, acariciou os cabelos da menina, lentamente. Queria aprofundar o beijo, puxá-la para mais perto, nunca mais deixá-la sair do seu lado. Mas era Hinata no fim das contas. Por isso, calmamente, a soltou. Não queria assustá-la.

Ele sorriu para a menina que, completamente vermelha, sorriu de volta. Passou os cabelos dela para atrás da orelha e manteve seus olhos azuis dentro dos dela. Teve vontade de beijá-la novamente, mas se conteve. Pretendia ir devagar.

— Hinata, - começou Naruto, o coração acelerado tentando sair pelo próximo buraco que encontrasse. Mas não conseguiu terminar. Quando abriu a boca novamente para falar o que quer que se passava em sua mente, sentiu um estrondo atingir seus ouvidos. Ele arregalou os olhos e viu Hinata ativar o Byakugan, atravessando-o com ele.

— Naruto-kun, - começou ela, o pavor dominando seu rosto - a Academia Ninja tá pegando fogo.