Glory and Gore

This love is good, this love is bad.


Quando Clove finalmente notou a saliência em sua barriga, um ofego desesperado deixou seus lábios como se ela houvesse acabando de descobrir que tinha alguma coisa vivendo dentro dela. Ela se curvou para vomitar uma última vez antes de deixar o banheiro com olhos assustados e um coração que parecia querer pular sua boca afora.

Ela ouviu gritos virem da rua debaixo. Ela viu tudo de novo; Rhea Bonatz crescer em frente às câmeras e ser mandada pros Jogos no minuto em que completou dezessete anos, seu pai como mentor e sua mãe devastada trancada em uma casa vazia.

Clove viu as mãos gordinhas, os olhos azuis e o flash de olhos de urso espreitando há poucos metros de distância. Mais um embate perdido e eles todos deveriam voltar, com suas peles coloridas e seus olhos alterados e mãos sedentas pelo bebê crescendo em sua barriga. E aí Cato e ela ficariam despedaçados demais pra serem consertados.

— É tudo sua culpa, seu filho da puta – foi como ela cumprimentou o garoto loiro que tinha sido filmado enquanto liderava um grupo para sufocar alguns Pacificadores na Curia.

— Arruma as sentenças – ele respondeu, sorrindo um pouco, se sentando à mesa da casa de Dom depois de colocar uma mão em cima do estômago de Clove e ser empurrado mais uma vez. – Teve um dia legal?

— Não, vai se foder, Cato. Está ficando difícil fazer as coisas por aqui sem querer colocar a porra das minhas tripas pra fora Clove estrilou, jogando um mapa em cima da mesa. – Eu não tenho certeza de quanto tempo mais eu vou conseguir parecer útil. Ou esconder isso.

— Eu não estava falando com você, amor. E fala baixo. Eu vou falar com a Lyme que você está doente – ele sussurrou, se curvando para que ela pudesse absorver toda sua postura calma, seus olhos firmes. – Vocês vão ter que aguentar mais um pouco, a gente está perto de conseguir a Capital. Eu vou dizer que você está ajeitando as coisas aqui na Patrus.

— O que você diz não importa desse tanto. Tem relatórios e ligações importantes pra serem feitas e se alguém sequer insinuar que a gente não está engajado de verdade nessa porra, o 13 vai... – Clove estava acabando de correr a mão pela testa fria quando Iana e Attico adentraram o cômodo. Eles todos ficaram em silêncio, como a etiqueta do 2 mandava, e só acenaram com a cabeça brevemente uns para os outros.

— Vocês vão passar pra Dardelia amanhã, não é? – Iana perguntou, mordendo uma maçã solitária na fruteira grande demais. Clove assentiu com a cabeça, cruzando os braços e aproximando seu corpo da mesa. – O que você vai fazer lá?

— Eu vou ver o Anteu, ele disse que ouviu que alguns legalistas estão por lá – ela respondeu secamente.

— Então eles vão te filmar fazendo isso? Você vai executar alguém pras câmeras de novo?

Clove sacudiu a cabeça em silêncio, não muito fã de Iana.

— Graças a Deus. Porque se não o 13 ia finalmente reparar que você está meio redondinha e adeus pra essa ideia de esconder essa pobre alma aí.

Não tinha havido nenhum jeito de esconder aquilo das pessoas de casa. Clove se agachou para vomitar uma vez e a declaração havia sido feita por uma Iana levemente transtornada com toda aquela ideia. Contudo, ela passou a informação para frente com muita firmeza, sem sequer esperar uma confirmação.

“Clove finalmente conseguiu o que tanto queria”, Iana tinha anunciado.

Então Attico riu um pouco da raiva silenciosa de Clove e reparou no jeito que Cato corria as mãos em suas costas como um hábito antes de ver tudo com clareza. Eles se encaixavam agora. Daquele jeito, convertidos em nome daquela pessoa em que tinham depositado todas suas esperanças, eles eram tudo que o 13 realmente queria naquele exato momento.

— Vocês deviam ir pro 13 enquanto a gente resolve as coisas aqui – ele declarou, apesar de conhecer os argumentos de Clove. – Colocar fim nessa história de esconder o bebê, daqui a pouco não vai colar mais e só vai ser pior. E lá é menos perigoso e vocês podem ajudar com os pontoprops, garantir pra todo mundo que isso é sério. O tipo de vocês anda sumindo.

— Eles me colocariam para ficar exibindo isso pra cima e pra baixo, não vai funcionar. – Clove sentenciou, virando o rosto levemente para o lado como fazia quando ordenava alguma coisa.

— Funciona sim – Cato objetou, após um tempo, a voz firme. – Essa é a melhor opção. A gente acha que vai ser mais útil lá, a Lyme libera a gente daqui. Essa porra de ficar indo executar gente não vai dar certo por muito mais tempo pra você, de qualquer jeito. O trabalho deve ser menos pesado lá.

— Não. – Clove disse, já saindo da cozinha. – Nem fodendo que eu vou para o 13 pra ficar sendo exibida que nem...

— Você fez isso a vida toda, Clove, você ama ser exibida. É melhor ser exibida lá sem precisar se preocupar com a porra de um tiro acertando sua cara.

— Eu estou falando, não me interrompa, Cato. Eu não vou – foi como Clove encerrou a discussão, subindo as escadas para seu antigo quarto antes que alguém pudesse verbalizar qualquer outro argumento perfeitamente plausível. Clove sabia que não tinha como esconder aquilo por muito mais tempo. As coisas tinham mudado, agora, para sempre. As pessoas saberiam cedo ou tarde.

Ela preferia que fosse tarde, claro. Ela não queria ser exibida agora, não queria ter as pessoas da Capital a observando, vendo o relevo em sua barriga e pensando, porque ela sabia como a mente deturpada deles funcionava, que talvez aquele bebê fosse deles. Que, talvez, eles pudessem tê-las uma vez que toda aquela palhaçada de guerra acabasse.

Então Clove se levantou e vomitou mais uma vez.

Cato permaneceu sentado no mesmo lugar, pressionando as têmporas com as mãos.

— A gente vai – ele afirmou para os rostos vazios de Attico e Iana.

Antes que qualquer um de seus decretos pudesse ser validado, contudo, uma convocação oficial chegou a suas mãos. Finnick Odair e Annie Cresta iriam se casar no 13 e eles deveriam ir, fortalecer as presenças ilustres que eram a categoria dos Vitoriosos em uma guerra que estava oficialmente os varrendo do mapa mediante qualquer menção à uma possível dualidade. O tácito era simples. Eles deveriam estar lá em toda sua glória se não quisessem ser acusados por traição, também.

Providências foram tomadas. O aerodeslizador deixou o terreno de casa e eles estavam dentro dele, braços cruzados um para o outro porque eles eram praticamente atrelados por sangue, mas não gostavam desse tanto um do outro.

Cato sabia que, mesmo sem a convocação, Clove eventualmente iria mudar de ideia e acabaria aceitando ir para o 13 assim que percebesse que não poderia conhecer a pessoa nova se continuasse ali no 2, se expondo a todos os legalistas que queriam o pescoço da pior traidora de Panem. Clove sabia que odiava aquele lugar cheio de cinza e de pessoas-formiga e de memórias com um amante perdido e uma culpa que corroía suas entranhas dia após dia.

A despeito dos gritos da noite passada e do silêncio tenso da viagem, eles saíram lado a lado e adentraram aquela terra estranha.

— Agradeço a ajuda – Coin disse enquanto os recebia em sua sala, cercada de seus assessores como sempre. – Como estão? Cato?

— Bem, senhora, obrigada por perguntar.

Cato seria sempre o perfeito garoto de ouro. Ele era grato ao 13 por tê-lo resgatado e grato por eles terem o deixado ficar lá antes de ser autorizado a procurar Clove (porque só Deus sabe o que aconteceria se ele tivesse encontrado). Clove, contudo, tinha sido uma hóspede desafiante, com suas ideias extravagantes para derrubar a Capital e todos os moradores se afastando um pouco rápido demais quando ela adentrava um espaço.

A presidente deixou seus olhos neles por alguns segundos antes de acenar com a cabeça cordialmente e começar os negócios, rodeando a mesa para ficar de frente para eles.

— Eu preciso que vocês apareçam em alguns pontoprops individualmente. Contando histórias, depoimentos sobre suas vidas na Capital, coisas nesse sentido. A gente precisa que as pessoas se identifiquem com vocês. O que quer que forneça a ideia de vulnerabilidade. Vocês obviamente vão estar no casamento. E então...

Seus olhos estranhos pararam de escanear suas figuras firmes. Agora, eles pairavam exatamente acima dos braços cruzados de Clove.

— Você está grávida.

E foi uma sentença firme, sem espaço para contestações fúteis. Então Clove não viu necessidade de responder, medindo a mulher a sua frente com olhos cautelosos, um sorriso frio e um único meneio com a cabeça.

— Eu não assumo que... – Coin insinuou em um tom vazio, se dirigindo a Cato.

— É.

— Eu não sabia que vocês estavam juntos. Não desse jeito, pelo menos – ela comentou, só pelo prazer de fazê-lo. Como se Clove não tivesse passado a porra de todos os dias de sua estadia ali implorando que ela conseguisse ele de volta. – Isso muda nossos planos, então, eu temo. Você não tem condição de ir a combate. Ou de ficar em seu distrito em guerra, pelo visto.

— Eu estou bem – Clove declarou.

— Você vai ficar melhor aqui. – Coin tinha olhos opacos, cinzas de um jeito que Clove nunca tinha visto antes, em nenhuma pessoa de distrito nenhum, em nenhum cliente da Capital, em ninguém em toda Panem. Então ela preferia não falar muito com aquela mulher, calma e distante como se sequer fosse uma pessoa real, capaz de controlar uma sala inteira com sua voz asséptica. Ela devia ficar quieta, esperando que ela pudesse se esquecer de sua existência, como funciona com alguns predadores muito silenciosos. Mas Coin não parecia ser realmente a pessoa que desviava o olhar primeiro e Clove certamente não faria isso nessa vida. Cato emitiu um som esquisito com a garganta e Coin finalmente se virou para ele. – A gente tem esse esquadrão especial, composto por alguns Vitoriosos e estávamos esperando que pudéssemos encaixá-los lá. Contudo, não temos condições de seguir com esse plano frente a esses desdobramentos, temos?

— Temo que não – Cato respondeu, já que Clove obviamente não iria o fazer.

— Vocês dois têm feito um bom trabalho no 2, tenho que admitir – ela comentou, imitando um tom leve. Algumas cenas passavam agora pelos monitores que cobriam as paredes da sala como evidências em um tribunal muito discreto em seu julgamento. Eles viram Clove discursar e executar legalistas como a discípula de Bellona era. Eles viram Cato liderar grupos e demolir símbolos poderosos do distrito.

E, graças a Deus, eles não viram seus olhos estatelados pela madrugada sem fim porque os Jogos nunca acabavam e Clove sabia que não estava mais na Capital mas ela ainda via todos eles em um canto do quarto e Cato sabia que estava traindo seu povo de novo e a punição precisaria chegar e ele tinha medo que conseguisse odiar Clove de novo e o bebê ainda nasceria num mundo errado.

— Nós temos nos esforçado – Clove afirmou, sem qualquer entonação.

— Contudo, conquistar a Capital é nosso novo objetivo e é pra isso que temos trabalhado ultimamente. E nós sabemos como a Capital funciona, nós sabemos o que irá atingi-los. Dessa forma, eu proponho que vocês gravem os pontropops individualmente, participem do casamento e que permaneçam aqui enquanto nós tomamos a Capital. Cato, obviamente, é bem vindo para se juntar a nós em nossas investidas. Clove pode se refugiar aqui enquanto a ação se desenvolve e ajudar com os Cérebros, como fez em sua estadia prévia. Não podemos nos arriscar a prejudicar a segurança de uma mulher grávida, certo?

Clove sentiu alguma coisa afiada perfurar seu coração com todas aquelas sugestões. Algo muito primitivo despertou em sua mente enquanto ela apertou o pulso de Cato.

— Eu não vou ter ela aqui no 13, Cato – ela se ouviu sussurrar, quando eles foram deixados em um daqueles compartimentos brilhantes. Ele sorriu muito brandamente, como sempre tinha sorrido, a despeito da besta em seus olhos. A dele não era ele o tempo inteiro, nunca tinha sido. Então Cato era o único que devia mexer com isso, o único que sabia de verdade. Ele não devia participar de nenhuma investida e Clove não devia ficar presa de novo no 13 e tudo estava dando um pouco errado.

E ele não sabia mentir direito, então não respondeu nada.

— Vai descansar. Eu já volto – foi o que ele disse, correndo a mão brevemente pelas costas de Clove.

Naqueles tempos, alguém mantinha uma garra bem apertada ao redor do coração de Cato, ele tinha certeza. Não era pra ele ter um, claro, mas ele tinha sido colocado de volta lá, só para apimentar mais as coisas, desde que Clove tinha sorrido muito timidamente pra sua mãe. E, desde então, tudo doía sempre, a toda vez que ele respirava, a toda vez que ele se olhava no espelho, a toda vez que ele via Clove matando o menino do 7 e sorrindo muito rapidamente quando sentia o bebê se mover.

E Cato não era fã de revólveres, mas ele podia jurar que se não fosse porque ela (elas, agora) era muito divina pra ser deixada sozinha, não haveria nada que ele faria com mais felicidade do que arranjar um e estourar seus miolos de vez.

Mas tudo ficaria bem. O bebê seria novo. Era a outra chance.

Eles estavam trabalhando agora com outro ângulo.

Cato assistiu enquanto Clove derrubava lágrimas (daquelas que ninguém podia saber se eram falsas ou reais) em frente a uma câmera.

Eu fui enganada. A gente do 2 costuma ser. Eles me ensinaram a matar meu próprio povo, a amar meu próprio carrasco. Eu tinha nove anos quando matei alguém pela primeira vez. Era um prisioneiro da Capital. Eles falavam pra gente que era alguém horrível que tinha tentado destruir toda nossa nação. A gente fazia isso em dupla porque era uma atividade prática, você sabe? Foi quando eu conheci o Cato. Ele era minha dupla. E, por causa disso, não deu pra gente se separar mais. Quando você assassina uma pessoa com alguém, você é literalmente ligada a ela por sangue. A gente sela um pacto que não pode mais ser quebrado, a despeito das tentativas do Snow, da Capital, de todo mundo. E adivinha?, agora eu estou grávida. Isso não é ruim contanto que a gente vença essa guerra. Porque eu não vou colocar ninguém mais pra fazer o serviço sujo do Snow.

Clove era boa nisso, também, o 13 logo descobriu. Todos se reuniram ao redor de sua figura imprecisa, hipnotizados com seus olhos verdes gélidos e o bebê em seu estômago como se encarassem o que havia de mais terrivelmente formidável. Ninguém sabia se ela iria sorrir com sarcasmo assim que alguém dissesse “corta” ou se um lenço deveria estar sendo oferecido.

Cato sabia que ela não estava mentindo, não sobre aquelas coisas.

Ele se lembrava de sua mão fria segurando a dele enquanto eles voltavam para a Academia, se lembrava de que ela tinha dito que eles não podiam ir pro inferno por fazer um dever.

Aquela garota se parecia com a Clove de quatro anos atrás. Seu cabelo preso, o corado em suas bochechas, o jeito que as palavras sempre pareciam mordazes quando saiam de seus lábios. Cato ficou um pouco hipnotizado, também. Ela deixou um pequeno riso irônico escapar, secando uma de suas lágrimas ambíguas, e cruzou os braços por cima de sua barriga antes da câmera parar de gravar.

Porra, ele suspirou, porque tudo aquilo era demais e ele era só um garoto que ainda gostava de encarar garotas bonitas. As garotas bonitas, contudo, eram assassinas e agora carregavam seu filho.

Ele ligou pra Gaia no dia do casamento e deu a notícia, antes que o pontoprop fosse ao ar. Ele ouviu seu choque, sua alegria. Gaia e Teo sempre tinham sido melhores que ele, ele sabia. Teo disse que eles estavam se mantendo bem, que eles estavam sufocando alguns poucos grupos, que eles estavam começando a organizar quem iria participar dos esquadrões para tomar a Capital. A voz impessoal de seu irmão foi cortada brevemente por um suspiro curto.

“Você acha que ela vai parecer com a Gaia?”, seu irmão perguntou e era sempre estranho quando Teo fazia perguntas e quebrava seu silêncio estranho.

“Vai. E com a mamãe também”, ele respondeu, cerrando os punhos porque aquilo doía.

Ele ainda conseguia ver Gaia correndo pela casa carregando uma boneca rosa e ouvir sua voz a mandando catar suas bagunças antes do pai deles chegar.

E, nesses momentos, ele sabia que tinha falhado com a Gaia, falhado com o Teo, falhado com sua mãe. Não tinha nada que dizia que ele não iria falhar com aquela pessoa que crescia dentro de Clove, com quem ele tinha falhado, também.

(Gaia sempre pedia para falar com Clove).

Ele ficou tenso quando a viu entrando no salão, usando rosa, sempre tão distante, mas entrelaçada a ele por todo o sempre.

— Eu vi a Mason – Clove declarou, parando ao seu lado.

— É? Como ela está?

— Péssima. O Finnick tem estado ocupado.

Cato se virou para ver que Clove encarava as costas das pessoas na frente deles, retorcendo levemente o colar em sua clavícula. Ele não queria forçar a barra, mas tudo aquilo era um pouco engraçado porque a Clove estava bem ali meio que se preocupando com alguém.

— Tem, é? E daí? O que é que eu tenho a ver com isso? – ele se ouviu dizer, quase rindo. Clove desviou seus olhos escuros para ele, seu rosto parecendo entediado e... aquilo era embaraço?

Uau.

— Você devia passar lá e ver ela, aberração, já que vocês são amiguinhos— ela se forçou a responder, entredentes. – E vai se foder, Cato.

Era tudo muito estranho, tudo vindo de um mundo estranho e surreal. Cato mais uma vez quis rir da guerra que eles enfrentavam, do sangue em suas mães e do bebê que dois monstros iriam criar. Clove suspirou um riso curto, sacudindo a cabeça. Quase como eles faziam antigamente.

O casamento aconteceu, então, e eles eram as presenças solenes do 2 no canto mais escuro do salão, conversando muito baixo, só entre eles, sorrindo cordialmente quando a câmera se aproximava de seus rostos. Annie Cresta tinha olhos selvagens que fitavam Finnick como se ele fosse a salvação e tudo aquilo parecia um pouco demais. A música, as pessoas com seus olhos calorosos, as plantas sintéticas que preenchiam o salão, Katniss Everdeen dançando para as câmeras.

Ela te largou aqui. Você sabia que não devia confiar naquela vadia, não sabia, Hadley? Ela está lá em casa, toda tranquila, e você está aqui. Então. O que você me diz?

Ela não estava dizendo nada, agora, mas sua mão direita torcia um pouco a manga da camisa de Cato enquanto eles observavam as pessoas do 13 dançarem. Eles se fitaram por uns segundos e, naqueles tempos, não havia muitas palavras. Eles aguardaram firmemente o fim da cerimônia e Cato ainda tinha aquela sensação esquisita em sua garganta porque Clove era uma assassina e Clove ia ser uma mãe e Clove conseguia fazer tudo se acalmar – e Clove tinha deixado ele na Capital, tinha fodido toda sua vida e era a rainha das mentiras.

— Parabéns – ele disse a Finnick e Annie Cresta, quando as câmeras precisaram daquela cena. Ela estava bem ao seu lado e Finnick sorriu muito quando observou o relevo no estômago de Clove.

— Obrigado. Obrigado por terem vindo. Tenho certeza que o Distrito 2 precisa muito de vocês no momento – Finnick respondeu, sacudindo sua mão, o mesmo sorriso maravilhado preenchendo seu rosto. – Clove.

Cato nunca pôde realmente entender o que havia de fato na aura de Clove que fazia as pessoas a olharem daquele jeito. Para eles, ela era uma deusa, claro, ele tinha descoberto havia algum tempo, mas um tipo de deusa que não perdoava, um tipo frio que dobrava joelhos a seu bel-prazer. Para ele, ela era uma outra coisa. Outra coisa que ele não conseguia realmente falar a respeito, uma coisa que conseguia rir de suas piadas às três da manhã na Academia vazia e que conseguia apertar seus dedos até que seus demônios se acalmassem.

Contudo, olhando para Finnick, ele quase pôde entender o que havia na aura de Clove. Ela não era só a deusa impiedosa para ele, também. Ela era a garota que tinha chorado toda noite depois de seu primeiro cliente, a que invadia seu quarto toda noite com seus olhos vermelhos.

E parecia que Finnick sabia disso.

Então Clove era uma assassina e Clove seria uma mãe e Finnick colocou as mãos em seu estômago, seu olhar divertido quase a desafiando a empurrá-lo. Ela ficou parada, entretanto, o desafiando um pouco também, e tudo mais uma vez se acalmou quando ela sorriu um sorriso muito pequeno antes de anunciar que estava cansada e sair.

E Cato a seguiu, como ele sempre fazia.

Clove ouviu seus passos atrás de si, ouviu seus batimentos cardíacos, sua respiração pesada e, por último, a voz de Naevio ecoando no quarto escuro.

Não é nada, ela afirmou para a pessoa que ela queria conhecer.

Você nem gosta dele, amor, pra quê tudo isso? Acaba logo com o sofrimento daquele coitado, era a alegação firme da voz, a voz sem corpo que ganhava força na imensidão daquele labirinto de terra porque ela ainda era a mesma que tinha sido na Capital, a mesma boneca sem coração, a mesma que tinha sido vendida a um homem com olhos do urso que tinha tentado matar seu verdadeiro amante.

Eu gosto. Eu amo ele.

Você nem sabe como que faz isso, sabe?

Mas ela sabia, agora, ela estava aprendendo. Um arrepio correu por sua pele e ela se aproximou mais de Cato, prendendo seu corpo ao dele porque era a única coisa que conseguia espantar as sombras sem corpo que falavam com ela às vezes.

Clove não era a maior fã desse tipo de coisa, especialmente agora que Cato tinha aquela relação estranha com o sono, mas sua mão sacudiu o braço dele antes que ela pensasse sobre o que estava fazendo.

Levou um tempo. Os remédios de Cato eram fortes. Ele acordou alarmado, como sempre.

— O que aconteceu? – ele sussurrou, ainda se situando no cômodo estrangeiro.

— Eu meio que... – Clove parou por um segundo. – É que...

— Você está com medo – Cato tentou adivinhar, seus olhos presos no rosto pálido de Clove, que ficou em silêncio, mordendo a bochecha. – Está? Eu já vi pior, Clove. Fala logo aí o que diabo é que você tem.

— Eu não consigo dormir – ela começou. – Tem alguma coisa estranha.

— Um monte, amor. De qual você está falando?

— Do Naevio – Clove desentalou, sua voz saindo em um tom esquisito. Uns segundos se passaram e Clove mal conseguia enxergar o rosto de Cato, mas ela sabia que ele estava estático e que sua voz não sairia por alguns segundos porque ele nunca tinha falado sobre o que tinha acontecido naquela noite. – Ele...

— Ele está morto, Clove.

Eles todos – ela se corrigiu, deixando as palavras sobrevoarem o quarto escuro. Clove não falou mais nada por um tempo.

Nesses momentos, Cato não via a deusa. Ele via a garota da Patrus que a Capital tinha destruído. E via seu coração ser esmagado abruptamente quando ele não conseguia achar o que dizer. Ele não conseguia salvar Clove, nunca tinha conseguido.

— Ele está morto. – Ele declarou mais uma vez, porque era isso que ele sabia fazer. O mundo teria que se curvar à sua força bruta e a única coisa que ele podia prometê-la era toda morte que pudesse executar.

— Eu sei – Clove sussurrou, retorcendo o colar. – Mas se eles voltarem, Cato, eu não vou conseguir. Depois dessa merda que a gente fez. Se a gente perder essa porra, eu...

Sua voz soava como os uivos de um animal ferido. Seus olhos o fitavam como se ele fosse a última mão antes de queda. Ele sabia do que ela estava falando. Ele se lembrava daquela tarde na Capital; da água fria, dos pulsos roxos, da decepção quando ele a puxou.

— Eles não vão voltar, aberração. Eu juro.

E foi tudo que Cato pôde dizer. Clove ficou em silêncio, seus olhos ainda escaneando o dele naquele mesmo desespero quieto, até que finalmente se fecharam, suas mãos retorcendo o tecido de sua camiseta, agora.

Naquela noite, os olhos de Cato permaneceram abertos.

Você sabe, o problema era que Cato não podia realmente quebrar as promessas que fazia para Clove. E como ele podia a fazer tais garantias se não se pudesse se certificar pessoalmente que tudo aquilo acabaria do jeito certo? Então, quando a manhã chegou, Cato Hadley assinou seu nome em um papel.