Os dias passaram devagar, Elsa havia mergulhado em profunda depressão desde a noite na floresta. Deixou que Anna pensasse que suas atitudes estranhas se deviam ao vexame com seus poderes, e fez Kristoff jurar pela própria vida que não comentaria absolutamente nada com a princesa sobre o que realmente estava acontecendo. Suas horas se arrastavam em torno dos livros científicos que ela pediu que um servente de confiança, sem questionamentos, lhe trouxesse. Provavelmente estaria em grande débito com as bibliotecas locais, pela quantidade que estava alugando.

– Hormônio, do grego ormao que significa evocar ou excitar. – sibilou a mulher absorta, em uma das madrugadas que passara no escritório, deslizando o indicador por cada linha do livro de biologia.

Esse conceito sempre remexia em sua mente. Embora hormônios tivessem variadas funções, aquilo se destacou para ela. Evocar. Excitar. Teria Hans algum estudo sobre isso? Naquela mesma noite, após um ávido gole em seu chá mate, suas mãos frenéticas puxaram um grosso dicionário amarronzado, e abrindo-o sobre o livro anterior, procurou na letra E, e confirmou suas suspeitas de que excitar possuía sentido também sexual.

Dali em diante, a curiosidade aflorada da moça a induzia a pesquisar cada expressão nova que lia naqueles livros. E o fato de que suas análises estavam clareando sua mente sobre perguntas que entalaram em sua garganta e sobre sensações antes sem fundamento que sentira por anos, que sentira inclusive enquanto Hans a tinha nos braços, isso tudo, a estava levando a uma obsessão em estudar até que pudesse finalmente entender seu corpo e o que se passa com ele.

Em outra noite, quando já não havia mais informações novas para absorver, a rainha sentiu novamente o aconchego de seu colchão de plumas. O corpo era algo perigoso, pensou. Após suas extensivas leituras percebeu que o príncipe das Ilhas do Sul sabia muito bem como evocá-la e excitá-la. Ao contrário dela, ele era muito mais do que experiente.

Cada eco daquele nome em seus pensamentos correspondia a uma leve queimação na área onde o joelho dele havia pressionado da última vez em que se contataram. Área essa que se manteve dolorida por uns três dias após o incidente. Elsa mordeu o lábio, seus dedos passearam por sua cintura até descerem ao local onde latejava a dor confortável. Lembrou-se naquele momento vagamente de seu mordomo batendo em sua porta anunciando que o gelo do fiorde havia diminuído de espessura, e que seja lá o que ela estivesse fazendo para amenizar o inverno, que ela continuasse.

Céus, e- está de fato funcionando.

Balbuciou, engasgando-se nos próprios suspiros, os olhos apertados, os dentes machucando os lábios e as imagens de Hans ferindo o pensamento. Aquilo era culposo. O príncipe havia se tornado seu prazer culposo, então? Estava cada vez mais difícil não pensar no que ele era capaz de fazer com ela, a começar pelo delírio a que ela estava se submetendo naquele momento, pensando naquele homem daquela forma estranha, dessa vez, sem se preocupar tanto com isso.

Pabbie nunca falha em suas afirmações.

Passaram-se quantos dias? Uma semana talvez, desde o beijo naquela árvore? E seu corpo já estava reivindicando por mais, fazendo da rainha uma perfeita inconsequente. Mesmo que fossem apenas pensamentos, ela não deixaria de se castigar por isso.

Ele era um homem atraente, ela não podia simplesmente ignorar isso, não seria tortura se entregar às sensações que ele atiçaria nela.

– Elsa?

As batidas agitadas de Anna em sua porta a despertaram como um soco, fazendo-a perceber o quanto já havia acariciado demais a região da coxa que o joelho de Hans parecia ter demarcado nela. Elsa se levantou em um salto para atendê-la, deixou de bom grado que a irmã dormisse com ela naquela noite. E foi vendo-a dormir, sentindo-a abraça-la como se fosse uma espécie de heroína, que a rainha percebeu que estava sendo egoísta.

Aquele homem, atraente e experiente, havia magoado sua irmã e feito dela um brinquedo descartável, tanto que a descartou para a morte quando sua vida estava congelando. Ele foi um verdadeiro canalha. Anna, juntamente com toda Arendelle, dependiam do sacrifício dela para que o inverno desse espaço às outras estações e melhorasse as condições de vida no reino. Dela dependiam vidas, que seriam facilmente destruídas caso ela fosse dominada por seus poderes e eles se tornassem completamente irrefreáveis.

Ela precisava fazer aquilo, não porque Hans era atraente e seria fácil se render à carne. Não. Ela precisava sacrificar suas primeiras experiências porque aqueles poderes eram responsabilidade dela, e ela não poria ninguém em risco com isso. Agora a rainha tinha consciência, faltava-lhe apenas coragem. Respirou pesadamente, enquanto brincava com os fios ruivos da mais nova. Anna continuaria sem ter conhecimento de nada, seria algo entre ela e Hans. Estava decidido, teriam uma séria conversa ao entardecer do amanhã.

– Boa noite, Anna. – sussurrou enquanto sentiu sua caçula se remexer preguiçosamente sem acordar.

Ele não tem noção da seriedade da situação, pensou. Ela tinha que desenvolver todo o seu potencial de resistência para isso. Quando fosse preciso, a moça o chamaria e depois, não precisariam nem sequer manter qualquer contato.

Naquela noite Elsa dormiu aconchegando-se a Anna, como se fosse a última noite em que teria descanso. Embora já tenha problemas em excesso, ainda era rainha e possuía deveres. Como se não bastasse, estava cheia de convidados. Desde que prometera à Anna que nunca mais fecharia os portões do castelo, muitos bailes eram promovidos pelas duas, tanto para entreter a todos, quanto para receber alguns representantes de reinos vizinhos que iam para Arendelle visitar as irmãs, alguns movidos à curiosidade, outros, a interesse. No entanto, no ocaso de sua recaída, muitos súditos, príncipes e reis foram sua plateia e com o congelamento do fiorde, os que vieram pelo mar ficaram presos no reino, e a rainha já havia sido informada de que dariam apenas alguns dias para que ela se recompusesse e depois, deveria se manifestar a respeito. E o prazo havia chegado ao fim, no dia seguinte teria de enfrentar vários olhares acusadores sobre ela.

Ao amanhecer, após o atordoamento ao acordar, Elsa logo sentiu um enorme calafrio a percorrer, típico de quando seus poderes estavam agitados. Levou uma mão ao estômago, e outra aos fios platinados que lhe caíam sobre a testa. Olhou para o lado, apenas para certificar-se de que Anna ainda permanecia ali, ressonante e ainda fora deste mundo. Voltou-se para a borda da cama, seu desjejum já se encontrava a sua espera, ultimamente se resumia a chá de camomila, mas desta vez devorou algumas frutas e bolinhos de leite.

Solicitou que as serventes entrassem silenciosamente para que pudessem arrumá-la sem que a caçula acordasse. Adornou-se com as vestes justas, pesadas e com cores fechadas que há muito havia deixado de usar, além de seu costumeiro coque, queria passar a seus vizinhos impacientes a ideia de total seriedade. Enganaria a todos com facilidade ao utilizar de suas expressões neutras, era o que tentava pensar, que desta vez não seria diferente esconder o que estava fervilhando dentro de si. Suspirou mirando-se uma última vez no espelho sua face de, para não dizer desespero, preocupação, converter-se em uma enorme passividade; seus ombros caídos, se curvarem para trás em uma postura perfeita.

Eles a estavam esperando. Ele estava também. A Rainha Elsa de Arendelle. Ouviu o lacaio anuncia-la da forma mais bajuladora possível. Seu olhar percorreu o salão, estavam todos distribuídos em mesas, exceto Hans, que por ser o único das Ilhas do Sul, preferiu não ficar em uma mesa, sozinho. Arqueou levemente a sobrancelha ao perceber que ele estava tomando uma dose do que ela reconheceu ser conhaque, à altura das 8h da manhã, acostado a uma das colunas de mármore que compõe o lugar. Ele lentamente se virou para ela, seu olhar escondia uma malícia tão grande que fez o coração da jovem descompassar, ergueu o copo ligeiramente na direção dela, brindando, enquanto todos se curvavam e repetiam em uníssono. Rainha Elsa de Arendelle. A mulher desviou o olhar bruscamente, limpou a secura que lhe tomava a garganta e prosseguiu a cerimônia com seu discurso.

– Caríssimos, minhas mais cordiais saudações. É de sua forte recordação o incidente em que todos nos encontramos na noite do baile dias atrás. Sim, o que se passou comigo foi puro descuido de minha parte. E venho assegurar-lhes que estou trabalhando duro para evitar que jamais sequer se assustem novamente. – Elsa deu graças por sua voz não ter falhado quando seu olhar encontrou de relance o do rapaz, ela estar trabalhando duro, ambos sabiam, sugeria muito a respeito de sua decisão sobre o processo de seu aquecimento.

– Alteza. – Levantou-se um senhor de idade avançada, com sotaque arrastado, acrescentando um chumbo à consciência da mulher ao analisa-lo, percebendo que ele provavelmente estava longe de casa e pela idade, precisava de cuidados extras. – Quanto tempo irá levar? – Perguntou sem qualquer impaciência na voz.

– Bom, estou disposta a concertar isso o mais rápido possível. Não levará muito tempo, não se preocupe. – Respondeu em igual tom. Olhar para onde Hans se encontrava era a última coisa que faria, pois sentia que naquele instante os olhares dele estavam brilhando em curiosidade.

Não tardou a desviar seu foco de brilhos dos olhos, ou qualquer coisa. Zumbidos e até vozes mais exaltadas ecoaram pelo salão após todos terem assimilado as declarações da rainha. Ela estava certa de que, como não ofereceu números como garantia, ou um prazo mais concreto do que “Não levará muito tempo”, eles iriam devorá-la viva.

– Como pode garantir que não ficaremos presos aqui por mais tempo? Preciso de garantias! – Exaltou-se um homem, trajado como um duque ou um varão qualquer. Este por sua vez, já não se preocupou em ser delicado.

Elsa arregalou os olhos levemente, antes de voltar a sua feição costumeira. Esteve evitando a todo custo responder esse tipo de pergunta.

– Infelizmente... eu não posso lhes oferecer garantia. – Seu corpo enrijeceu enquanto esperava a reação de todos, e não foi diferente do que imaginava. A atmosfera do lugar agitou-se consideravelmente.

– ISSO É UM DOMÍNIO, ABUSO DE PODER! EXIGO QUE REVERTA ISSO! – Esbravejou um homenzarrão de aparência tão carrancuda, e voz tão grossa que fez a mulher saltar de susto.

E dali em diante tudo o que a jovem sentia era a maldita sensação de sua magia gelada percorrer cada centímetro de seu interior, enquanto mais palavras de indignação ecoavam em sua cabeça. Ela não se achava no direito de pedir para que parassem, afinal, eles estavam naquela situação por culpa dela e tinham razão em estarem impacientes. O velho temor retornara, com as velhas e insuportáveis sensações. Desta vez, pôde sentir inclusive ódio. Eles estavam tão insistentes, ordenando que ela desse um jeito na situação, que já a estavam irritando. Embora devesse ser compreensiva, ela estava enraivecida. Ninguém percebeu o frio repentino, talvez porque estavam ocupados demais protestando, e com o sangue fervendo nas veias. Exceto Hans, que não conteve a mesma raiva que a mulher nutria no momento. Uma vez que ele viu o quanto aquilo a consumia, o quanto era cansativo sentir o gelo se agitar e ter dificuldades para ocultar, ele não pôde deixar de compreendê-la. Ela parecia um pedaço de carne jogada para aqueles cães em cólera. E o príncipe foi o único que acompanhou a mudança dela, seus delicados punhos serrados, sua fronte lisa franzindo sob a franja loira, e a temperatura caindo, os cantos do teto brotando gelo. Ela não passaria por tudo aquilo outra vez.

– BASTA! – Hans jogou seu copo com força no chão, fazendo-o estilhaçar e emitir um som agudo que chamou a atenção de todos. – SENHORES, PAREM DE AGIR COMO PREDADORES SEGUINDO INSTINTO DE SOBREVIVÊNCIA! – Rosnou.

Elsa ficou a observá-lo surpresa, com o ar ainda rarefeito para ela. De qualquer forma, não saberia se deveria interrompê-lo, mesmo que aquelas palavras pudessem enlouquecer os ouvintes revoltosos, de alguma forma, ela não seria mais o alvo e poderia se recompor.

– Como ousa... ? – Um dos reis ali presentes, após o silêncio de surpresa de todos, finalmente começou.

– Como vocês ousam? – Cortou-o Hans, já não mais gritando, visto que tinha os olhares de todos sobre si. – Será que não veem que estão infligindo o código de boa convivência entre reinos? Onde está a obediência à parceria e cordialidade?

– A situação é extraordinária – Outro rei tentou argumentar.

Hans balançou a cabeça e sua risada sarcástica calou mais um.

– É claro que é extraordinária. – Ela tem poderes, pensou. Dito isso, suspirou antes de continuar já assumindo seu tom sério – E me pergunto se os senhores estão tão temerosos diante das habilidades da rainha no momento, que resolveram abdicar de seu cavalheirismo.

Puderam-se ouvir alguns silvos e exclamações, aquelas palavras certamente desafiaram a masculinidade de todos ali. Rainha Elsa teria rido se não estivesse ainda atordoada. Porém, estava atenta o suficiente para admitir que aquela jogada fora digna de mestre, e totalmente persuasiva. Não houve respostas desta vez.

– Agora que se acalmaram parcialmente, por favor, me uno à causa da Rainha Elsa e apelo para que colaborem. Ela deu sua palavra de que está se esforçando. – Elsa piscou embaraçada quando ele a fitou profundamente ao emitir tal declaração. – Não duvidem disso.

O mordomo aguardou tempo o suficiente até se certificar que a conversa estava finalizada. E por fim anunciou que iriam servir alguns aperitivos. Ao perceber que todos, embora ainda tomados pelo conflito de minutos atrás, estavam começando a se entreter na música ambiente e na variedade culinária, Elsa respirou aliviada. Sentiu seus músculos doloridos, desta vez lutara em silêncio contra seus dons, enrijeceu-se muito para ocultar sem vacilar sua postura real. Sentiu uma leve tontura quando o cansaço finalmente a tomou por completo, e ao dar um passo para trás involuntariamente, em sinal da fraqueza existente, sentiu dedos grossos abarcarem seu braço.

– Vossa majestade tem um minuto? – Solicitou Hans, que sorrateiramente já havia chegado a ela e apontava para detrás das cortinas, e mesmo que fosse visível o efeito do álcool no príncipe, ela já se dispunha a assentir.