Vi encarava o teto de seu quarto. O sol estava querendo aparecer e mostrar a ruína da cidade. Ela estava aflita. Nós dias que se passaram, viu pessoas morrerem de formas trágicas. Viu sua cidade virar pó. O que mais a pertubava era o fato de que Ezreal quase os deixou.
Ele não era seu amigo como Jayce, ou até mesmo Caitlyn, mas Vi entrou em desespero. O garoto era uma companhia agradável. Tinha um humor inteligente. Aliás, ele era inteligente.
Ezreal estava correndo entre os corpos. Haviam ligado para o quartel dizendo que havia um bebê preso em seu berço, abaixo da sua antiga casa, que havia desmoronado. Como ele era o menor da equipe, se ofereceu para o resgate. Ezreal usou sua translocação arcana para entrar no cômodo e voltou da mesma forma. Assim que Vi pegou o bebê, que não passava de um recém-nascido, um lado do que restou da construção se soltou. Vi gritou para ele, mas não rápido o suficiente. Ezreal viraria uma geléia, se não fosse por Janna. Ela, que é uma aliada de Piltover, usou seu escudo de vento antes que o concreto esmagasse o garoto, porém, não conseguiu magia o suficiente para deixá-lo completamente protegido.
Vi entregou a criança à outra garota, que estava em pânico temendo que não tivesse conseguido salvar Ezreal, e o tomou nos braços. Vi era assim. Alguém se machucou? Ela mesmo se encarregava de levar para o hospital. Carro era para os fracos.
Segundo Caitlyn, que ligou no ínicio da noite, ele não havia acordado ainda, mas estava bem, tirando as fraturas.
Mesmo assim, Vi passou a noite em claro. Ela suspirou e se sentou. Não queria mais ficar deitada. Olhou pela janela. A mensagem da noite anterior, deixada bem em frente à sua janela, ainda estava lá:
"Viu o que posso fazer sem nem estar presente? Imagine se eu toco em um de seus amigos com a intenção de ferí-los! Vejo você amanhã, irmãzinha"
Vi respirou fundo. Teria que se controlar naquela noite. Seus sentimentos por Jinx não poderiam influenciá-la a acabar de uma vez com isso. Caitlyn estava certa: ela não merecia perdão. Se colocou de pé e foi tomar banho. Vi fechou os olhos e jogou a cabeça para trás. A água quente queimava-lhe um pouco, mas ela não se importava com isso.
Cada vez que Vi piscava, seu pesadelo voltava. Via Ezreal numa poça de sangue. Janna desesperada. Ouvia Caitlyn chorando, pensando que estava sozinha. Prédios caiam por todos os lados. Quando ela abriu os olhos, o mormaço a assustou. Lembrava a poeira que tomava conta das ruas. Pensou que estava mais uma vez de volta ao inferno lá fora.
— Vi? — Perguntou Caitlyn assim que ela pisou no quartel. — O que faz aqui tão cedo?
— O mesmo que você.
— Eu estou só por estar.
Vi ergueu as sobrancelhas.
— Eu também, Cupcake. Jayce está aqui?
— Sim. Já sabe onde achá-lo.
Vi assentiu e foi para a oficina. Jayce estava lá, consertando seu martelo mais uma vez. Essas explosões estavam acabando com eles. Isso sem falar nos bandidos, que aproveitavam a baderna para sair às ruas. Vi já havia perdido a conta de quantos socos deu só no dia anterior.
— O que vai fazer em relação à X? — Ele perguntou ao ouvir o barulho na porta.
— Chame-a de Jinx, Jayce.
— O que vai fazer em relação à Jinx?
Vi sorriu e se deu a liberdade de ajudá-lo com o martelo. Ela encaixou um gerador de energia hextech no cabo.
— Vou ir sozinha, mesmo com a Cupcake não concordando. Não posso mais arriscar nenhum de vocês.
— Sabe que não me importaria em arriscar minha vida por você, certo?
Vi corou. Isso era bem raro.
— Oh...
Jayce riu e transformou o martelo. O canhão também precisava de reparos.
— Conseguir deixar você sem reação deve ser algo inédito.
— Cale a boca, Jayce — Vi não conteve o sorriso. — Bem, eu agradeço, de verdade, mas não. Você já quase morreu por culpa minha, agora Ezreal, não quero acabar matando um de vocês.
— Ez não foi culpa sua.
— Se eu não tivesse entrado na vida de vocês, com toda certeza, nada disso estaria acontecendo.
— Drama de adolescente isso, Vi. Estranho vindo de você — Ele estava sério. — Realmente não foi culpa sua. Foi um acidente. E isso tudo aconteceria de qualquer forma. Jinx odeia esse lugar.
Vi concordou com a cabeça. Ele estava certo.
— Pode manter segredo? Fingir que vai comigo?
— Eu adoro você, Vi, mas jamais mentiria para Caitlyn. Nós crescemos juntos, não posso traí-la assim.
— Tudo bem, eu te desculpo.
Jayce riu outra vez.
— Não vou me meter no meio de vocês duas. Vocês que se entendam — Ele pegou seu canhão transformou outra vez. — Está pronto. Obrigado, Vi.
— Vai para o hospital?
— Sim — Jayce beijou-lhe a testa. — Acredito que não a verei mais hoje, então, cuide-se. Amanhã quero vê-la inteira.
— Pode deixar — Vi apoiou-se na mesa e sorriu. Jayce retribuiu o sorriso e logo ela estava sozinha.
Preferiu não conversar com Caitlyn. Ela ia querer a cabeça de Vi numa estaca. Passou o dia vagando por o que restou da cidade. Estava triste. Como isso acabaria hoje, eles teriam bastante trabalho. E logo Piltover voltaria a ser bela como sempre foi.
Quando a noite caiu, Vi foi vestir sua armadura. Estava calçando as botas quando Caitlyn entrou.
— Qual o motivo da armadura? Não tivemos ataques hoje.
— Caitlyn, não comece.
— Não vou deixar você se matar assim!
— Qual é, ela não é nenhum titã. Você está superestimando ela.
Caitlyn passou a mão nos cabelos. Estava impaciente.
— Eu vou.
— Não. Se não deixei Jayce ir, você também não vai.
— Você não manda em mim!
— Pare de agir como uma criança birrenta! Se torrar minha paciência eu vou enfiar meu punho na sua cara!
— Vá em frente!
Vi riu ironicamente.
— Acha que não derrubo você, senhora perfeição?
Caitlyn não respondeu. Apenas deu às costas e deixou Vi sozinha outra vez.
Vi saiu pelas ruas escuras, ainda sem as manoplas, e se dirigiu ao hospital. Lux, a namorada de Ezreal, estava no quarto. Ele ainda estava pálido. Havia perdido muito sangue, dissera os médicos.
— Acha que ele ficará bem? — Uma voz rouca veio do canto do quarto. Lux devia ter se matado de tanto chorar.
— Com certeza — Vi se ajoelhou e envolveu a mão livre do garoto. — Quando você acordar, loirinho, isso tudo vai ter acabado. Não que você me escute, mas...Só vim dizer que estou indo.
— Vai encontrá-la agora, Vi?
— Sim.
— Se precisar de algo...Pode contar comigo.
— Obrigada, Lux, mas isso é algo que tenho que fazer sozinha — Vi olhou para a garota com simpatia. A julgou mimadinha no primeiro encontro, mas mudou de ideia. Ela era quase a versão feminina do próprio Ezreal. — Vejo você por ai.
Tentou entrar no quartel em silêncio para ninguém mais encher o saco, mas deu de cara com Orianna. Os olhos azuis da robô estavam sem o brilho comum.
— Onde está Caitlyn?
— Não retornou.
— Ninguém está aqui?
— Jayce retornou.
— Oficina?
— Sim.
— Obrigada, Orianna.
— Quer que eu finja que nunca a vi aqui?
Vi sorriu.
— Obrigada. Novamente.
Orianna apenas assentiu e a deixou.
Ao entrar na oficina, pegou-se pensando se Jayce havia danificado o martelo outra vez. Mas apenas o encontrou sentado. Estava com as mãos unidas e de olhos fechados.
Ele abriu os olhos e se mostrou surpreso.
— Estava preocupado com você. Ninguém a viu o dia inteiro e suas manoplas estavam aqui.
Vi pegou uma manopla e a encaixou. Estava mais pesada que o normal. Ela esticou os dedos e pegou a da mão direita.
— Estava dando uma volta. Fui ver o loirinho, também.
Jayce se levantou e a ajudou com a outra manopla. Às vezes Vi se perguntava como aguentava esse peso todo sem danificar a coluna. Ela deu uns socos no ar e pediu para ele apertá-las um poucos mais.
— Agora você vai mesmo?
— Sim.
Jayce colocou ambas as mãos nos ombros de Vi e a encarou nos olhos. Ela sentia o medo dele. Ele apenas deu um sorriso encorajador e um tapinha em seu braço.
Parte de Vi queria ficar ali com ele. A outra parte queria acabar com a vida de Jinx.
Não podia ser covarde. Jinx não era nada.
Vi seguiu para o banco em silêncio. Ninguém estava nas ruas, mas isso não era nenhuma surpresa. As poucas luzes que iluminavam as janelas estavam fracas.
Não era para menos. O gerador de energia de Piltover estava danificado.
Vi chegou ao banco, ou caixa-forte como os cidadãos costumavam chamar, e se encostou em uma parede.
O tempo passava lentamente e nada de Jinx. Ela já estava perdendo a paciência, quando uma enorme trança surgiu em sua cabeça.
Vi olhou para cima e Jinx estava de cabeça para baixo. Seus pés estavam presos em um castiçal.
— Quanto tempo, irmãzinha.
Vi puxou a enorme trança da menina e a derrubou no chão. Quando ia dar-lhe um soco, a garota pulou e se empoleirou em uma das manoplas.
— Nanana. Nada de violência.
— Cale sua boca! Você destruiu a cidade!
— Oh, não foi minha intenção.
As bochechas de Vi ardiam. Os olhos elétricos de Jinx davam a entender que ela estava se divertindo muito.
Jinx estava muito diferente. Ela estava bem maior que Vi, um tanto mais magra, e suas tranças azuis eram quase do seu tamanho.
— Cansei de seus joguinhos, Jinx.
A garota fez um beicinho e pulou da manopla de Vi. Ela pousou no chão com uma delicadeza surpreendente.
Vi tentou aplicar outro golpe, mas Jinx era muito rápida. Ela girou o corpo e apoiou-se em um braço. E, aproveitando a posição, deu um chute na cara de Vi.
Então, ela riu.
Aquela maldita risada novamente.
Jinx desatou a correr e Vi foi tomada pela fúria. Ela quebrava parede atrás de parede tentando pegá-la, mas ela simplesmente desaparecia.
Uma vez ou outra ela chegava perto o suficiente para rir outra vez e desaparecer.
Vi estava estranhando. Jinx nem tocou em suas armas. Então, uma explosão ocorreu na sala onde estava e ela usou as manoplas como escudo.
O teto desabou. Alguns fragmentos bateram com força em seu braço, mas ela mal sentiu. Seus olhos já estavam lacrimejando com a poeira, e Jinx sumiu outra vez. Não tinha nem mesmo vestígios de risada.
Vi chutou a porta e xingou todos os palavrões que ela se lembrou. Quebrou outro corredor para entrar em uma sala trancada, e Jinx estava lá, sentada na mesa. Ela brincava com a ponta de seu cabelo.
Vi se jogou contra ela, partindo a mesa no meio. Ela apertava o pescoço de Jinx, que nem assim deixava de sorrir.
Tudo que ela sentiu foi uma onda de choque. Ela ficou imobilizada, e então Jinx a empurrou para o lado e se colocou de pé.
— O gato comeu sua língua? — Ela deu uma risada histérica e aumentou a intensidade do choque. Vi não conteve o grito. — Isso machuca você? Coitadinha...
E aumentou mais um pouco. Vi gritava de dor. Maldita hora que criou isso.
Jinx riu outra vez e tirou uma adaga do cinto. Ela pressionou na bochecha de Vi, ainda mantendo-a imobilizada.
— Sua traidorazinha de merda — Jinx pressionou um pouco mais. O sorriso desapareceu, dando lugar para uma máscara psicopata. — Você me abandonou.
Vi sentiu-se a pele rasgando e soltou outro grito. E outra onda de choque passou por seu corpo, fazendo-a gritar mais ainda.
— Seus gritos me incomodam — Jinx passou a lâmina por toda a bochecha de Vi e sentou-se sobre ela. — Como está sua namoradinha? Como é mesmo o nome dela? Caitlyn?
Vi cuspiu em Jinx.
— Ela não é minha namoradinha, sua estúpida.
Jinx mordeu os lábios. Seus olhos estavam fechados. Ela limpou o cuspe e bateu com zapper na cara de Vi. Ela sentia o sangue enchendo-lhe a boca.
— Eu vou matar todos eles. Você ficará sozinha, assim como eu fiquei.
— Isso tudo é rancor? Você poderia ter saído comigo!
— Não sou tão baixa ao ponto de procurar perdão da polícia.
— Eu não procurei!
Jinx deu-lhe agora um tapa.
— Você é uma covarde. Precisa me imobilizar para me agredir — Vi riu e o sangue escorreu de sua boca até o pescoço.
Jinx apenas sorriu e se levantou. Vi recuperou os movimentos do corpo e se colocou de pé em um salto. Quando ia enterrar sua manopla na garota, ela pulou em seus ombros.
Vi ficou com ódio. Tentou puxá-la outra vez, mas quando assustou, ela estava bem na sua frente. Jinx se inclinou e a beijou. Vi ficou sem reação.
A garota se afastou rindo e lançou bombas. Quando viu tudo rachando, Vi pensou que acabaria ali. Morta, inútil, enterrada em escombros, sem conseguir deixar um roxinho naquela vagabunda.
Ela não sabia o que aconteceu depois disso. Tudo ficou escuro, ouvia a risada maníaca e o barulho do prédio desabando.
Quando conseguiu abrir os olhos, viu Caitlyn. Ela estava ajoelhada ao seu lado.
— Ela acabou com você.
— Obrigada por lembrar.
Caitlyn abaixou a cabeça.
— Por que você veio?! — Vi gritou, e se arrependeu. Sentiu uma fincada forte nas costelas.
— Eu...Eu fiquei preocupada, vi o prédio desabando e acertei um tiro nela. Mas, ainda assim, ela fugiu. Pensei que estivesse morta, Vi.
— Quem me tirou?
— Jayce. Eu o arrastei até aqui, não o culpe. A ambulância já deve estar chegando.
Vi suspirou. Estava destruída. Para evitar que lágrimas escapassem de seus olhos, ela olhou para o céu. Piltover estava tão escura, que não havia poluição visual alguma. Pela primeira vez, ela conseguia ver as estrelas.