Garotos não choram

Feche os olhos e eu vou te beijar


Essa era a única noite no Recanto das Nuvens em que os alunos podiam sair impunes das muitas violações ao código de conduta que regia o local. O internato misto, anualmente, na noite de formatura da turma mais antiga fazia uma festa que parecia compensar todos os anos em que os alunos passaram reprimidos e sob intenso e duro regramento. O baile era o momento mais esperado de todos os alunos da instituição, todos se preparavam intensamente para o dia e as histórias de ex-alunos sobre a festa eram de assustar os calouros: quando é que Mestre QiRen iria permitir que todas essas coisas acontecessem no calmo e regrado Recanto das Nuvens? Mentiras, as histórias com certeza eram todas invenção!

Era, aos olhos dos alunos, como uma noite do crime, onde nenhuma regra valia e os inspetores fechavam os olhos para qualquer atrocidade que seria cometida - era um dia para se colocar à prova tudo o que os egressos falaram. Nesse clima de impunidade, até carregado de certa mágica, Lan WangJi se sentiu afetado pelos sentimentos envoltos na comemoração quando aceitou a requisição de Wei WuXian.

“Vá ao baile comigo, Lan-er-gege”, o gremlin pediu num dia aleatório, no meio do corredor do terceiro ano, enquanto saíam de uma das últimas aulas do período.

Surpreso, WangJi não conseguiu se segurar e disse um sim alto, claro e rápido. Parado no corredor, viu WuXian sorrir diabolicamente e correr para junto de seu irmão, Jiang Cheng. Chocado com a pergunta e mais incrédulo ainda com sua resposta, o Lan ficou parado no local até processar o que tinha acontecido - um misto de sentimentos confusos apertavam seu peito e o fizeram questionar muito do que tinha suposto sobre o rapaz.

Hoje, no dia do baile, ele ainda se perguntava o que diabos tinha acontecido, pois o garoto sempre tinha tido um comportamento odioso para com ele: puxava seu cabelo, criticava seus modos, implicava com seu desempenho na escola, fazia troça de qualquer coisa que estivesse ligada a ele. Desde sempre, o garoto tinha sido o que definem como um pé-no-saco e foi natural para WangJi odiá-lo. No início, surpreso com os atos e o comportamento diferente de Wei WuXian, ele se voltou para seu irmão, sem entender o que estava acontecendo, mas os conselhos do Lan mais velho de nada serviram, pois WangJi somente enxergou sentimentos negativos e infundados no que WuXian fazia.

Além disso, há que se ressaltar o fato de que o garoto era um perigo para a sociedade: as normas não eram nada para ele, WuXian desprezava o sistema e os que se submetiam a ele; seu maior prazer parecia ser quebrar todas as convenções sociais possíveis. Em verdade, de tudo, o que ele mais parecia apreciar era irritar WangJi até que ele chegasse ao seu ponto de ruptura e cometesse alguma infração às normas de conduta do Recanto das Nuvens.

A confusão de WangJi ante o que aconteceu se deu principalmente por ele esperar qualquer coisa de WuXian, menos uma pergunta simples e sem nenhum fim malicioso. Suas emoções ficaram ainda mais complicadas quando, sem pestanejar, ao invés de responder um “não” robusto e direto, o “sim” saiu como o bater de asas de uma borboleta, natural.

Desde aquele momento, o Lan revisitou as inúmeras interações que teve ao longo do Ensino Médio com Wei WuXian, todos os momentos em que o garoto o irritou, todas as vezes em que conversaram, todas as vezes em que sentiu seu corpo esquentar e seu coração acelerar ao ver o rapaz quebrar as regras da instituição, todas as vezes que se sentiu incomodado com a voz alta e a risada estridente de WuXian. Ele viu, momento a momento, os sentimentos que o acompanharam enquanto o menino era insuportável, uma dor de cabeça para ele e para toda a sua família.

Ao final de muita reflexão, ele ainda não compreendeu a origem daquele “sim”.

A partir daquele dia, WangJi notou também que Wei WuXian parecia ter desaparecido, ele não ouviu a voz do outro em nenhum local, não viu o rapaz andando pelos corredores com seu irmão e o Nie mais jovem. Em cada canto que ia, seus olhos procuravam automaticamente o longo cabelo preto e a característica fita vermelha, mas tudo o que via eram os uniformes inalterados dos estudantes.

Decerto, a pergunta de WuXian tinha sido mais uma brincadeira dele, pois não tinha sentido algum ter provocado WangJi dessa forma e ter desaparecido logo em seguida. O Lan, raciocinando, chegou a conclusão de que aquilo seria a última “brincadeira” do menino antes que eles possivelmente nunca mais se vissem. O desaparecimento repentino certamente era porque ele estava usando todo o tempo disponível para fazer a maior e mais cruel pegadinha imaginável.

Seu coração, diante desses pensamentos, se encheu de ódio. Sua cabeça só conseguia visualizar os acontecimentos ruins dos últimos anos e nada conseguia tirar o pressentimento ruim que tinha no peito. O que será que Wei WuXian estava aprontando?

Lan WangJi não sabia a resposta para essa pergunta e, mesmo sem ter ideia do que seria, ele gastou dias procurando o melhor terno, consultou o irmão sobre penteados legais que poderia usar, até mesmo chegou a conversar com o tio sobre perfumes e loções boas. Apesar de consultar a família, WangJi se manteve silencioso sobre o motivo das perguntas.

Hoje, dia do baile, na frente do prédio de seu dormitório, sob a luz da lua cheia, ele suspirava enquanto esperava o aparecimento de seu par. Ele viria? Deixá-lo esperando no sereno fazia parte de suas maquinações? Seu objetivo era fazê-lo de idiota? WangJi pensava, prevendo todos os piores cenários possíveis.

— Lan Zhan! Preto fica bem em você — o gremlin, vindo de forma sorrateira, o abordou.

— WuXian — o cumprimentou.

Com seus cabelos negros em uma trança bagunçada mantida no lugar somente por uma fita vermelha, Wei WuXian tinha uma flor também vermelha na mão. Ele parecia nervoso, WangJi supunha que esse nervosismo provavelmente estava relacionado com o que ele estava planejando fazer.

— Eu trouxe um arranjo para você.

Surpreso, WangJi pegou o boutonniere e colocou em sua lapela após verificá-lo em busca de alguma coisa que não existia. O arranjo era bem simples, tinha um grande cravo vermelho e alguma outra flor pequena, branca, numa quantidade maior. Ao verificar as mãos de WuXian, ele viu um semelhante no pulso do rapaz.

— Eu não avisei antes porque pensei que você não iria querer — disse ele passando a mão pela trança desalinhada. Uma mecha do cabelo preto se soltou, caiu em seu rosto e, curiosamente, WangJi se viu colocando-a atrás da orelha de WuXian. O rapaz, tão logo a aproximação aconteceu, adquiriu um tom de vermelho semelhante ao do cravo do arranjo.

— É lindo, obrigado.

— Acho que devemos ir, o baile já começou — Wei WuXian falou depressa, já andando e indo à frente sem deixar escolha à WangJi.

Na breve caminhada ao local da festa, o Lan, vendo a fita vermelha de seu companheiro balançando a sua frente, se pôs a pensar. WuXian normalmente preenchia os silêncios de WangJi com suas conversas intermináveis e assuntos variados, porém hoje ele estava silencioso, o que deu mais lenha para a fogueira de desconfiança que queimava em seu coração.

Refletindo sobre seus últimos atos, o Lan tentou expurgar aquele pressentimento de seu ser. Ele precisava curtir aquela noite, dado que em breve os Recantos das Nuvens e todas aquelas pessoas seriam somente memórias que ele guardaria, pois o curso de graduação que iria fazer a seguir era longe, distante o suficiente para que retornar a qualquer momento fosse penoso, um gasto pecuniário e enérgico exorbitante.

Dinheiro, para sua família, não era um problema. Os Lans eram um clã antigo e seus recursos financeiros eram infindos, mas, apesar de terem os bolsos cheios, a vida era regrada, nada de gastos desnecessários - os preceitos da fundadora do clã, milhares de anos depois, ainda eram seguidos à risca por seus membros. Ainda que a modernidade tenha chegado e o pensamento de grande parte da sociedade tenha mudado, os Lans eram como a rocha mais densa, pois mantinham as tradições bem firmes à sua volta.

Mesmo que essa rigidez trouxesse certa segurança para WangJi, havia certas coisas relacionadas à sua família que lhe eram extremamente desgastantes, retrógradas e infundadas. Certos preconceitos, assim como os preceitos, se mantiveram ao longo dos anos e se enraizaram na árvore familiar Lan.

Suspirou. Ele deveria aproveitar bem a noite, pois quando é que iria ver novamente essas pessoas? Se tudo fosse conforme ele havia planejado, dificilmente se veriam, talvez somente em encontros promovidos pelas famílias influentes da região e olhe lá, porque WangJi sequer era o filho principal, aquele que herdaria a liderança do clã. Portanto, sua presença não era indispensável. Ao menos, com essa distanciação, ele poderia finalmente explorar aspectos de sua existência que se mascararam para que o equilíbrio e paz da família não fossem afetados.

— Você está pensando demais, Lan Zhan.

Desviando os olhos do céu noturno, WangJi os colocou sobre WuXian.

— Hoje você vai tomar ponche comigo, né? — sorrindo, ele perguntou.

— Eu não bebo.

— Não seja chato, vamos nos divertir!

O caminho até o salão principal estavam bem iluminado, mas em nada se comparava com a grandiosidade da arrumação do local: luzes coloridas no teto, cortinas de seda nos arredores, mesas com comidas nos cantos, um DJ remixando músicas do momento e… Jovens adulterando as bebidas da festa com álcool. WangJi tentou se acalmar, hoje ele não estava aqui como inspetor, não daria advertências a ninguém, mas era difícil.

— Opa, vamos para outro local — WuXian, notando a sutil mudança em seu humor, pegou sua mão e o direcionou a outro canto do salão.

Estranhamente, ele não repugnou aquele toque como normalmente fazia. A mão quente do rapaz na sua, as peles macias se tocando; o contato fez seu coração dar um salto engraçado. WangJi, no momento, certamente estaria com as orelhas vermelhas. O que Wei WuXian estaria aprontando?

Caminhando com o rapaz caótico pelo salão, WangJi provou de todas as comidas que estavam sendo servidas, comeu doces até que sua garganta estivesse doendo, provou as comidas picantes que WuXian praticamente o obrigou a comer, experimentou de tudo um pouco. Ao final da primeira hora de baile, ele estava cheio, divertido e surpreso com o quão maldoso o garoto podia ser.

“O pavão realmente parece um pavão, olha como ele reluz com aquela roupa dourada, todo bufante”, havia dito apontando para o canto onde o herdeiro Jin estava rodeado com outros membros de sua seita.

“Alguém vai ter que dar um jeito naquele ali, a festa nem começou direito e o cara já tá mamado”, falou apontando pra Jin Zixun, um desprezível rapaz que andava com o herdeiro do clã, mas que, no momento da fala, estava apoiado em uma parede com uma cara estranha. WangJi esperava que ele não vomitasse ali, seria muito deselegante.

“Se Jiang Cheng não parar de olhar pra gente com aquela cara azeda, eu vou ter que conversar com o Tio Jiang sobre umas coisas que ele fez”, nesse ponto, seguiu-se uma narração de coisas que o dito cujo havia feito. Aqui, importante frisar que WangJi não havia pedido para ser confidente de tais atos, ele somente ficou calado, ocasionalmente expressando sua incredulidade e acompanhando WuXian na degustação que ainda faziam.

Inacreditavelmente, WangJi estava se divertindo e detalhe: se sentindo feliz ao lado de WuXian e por causa de Wei WuXian! Se ele voltasse ao passado, mais precisamente à semana passada, e contasse ao seu eu daquele período o que estava acontecendo, era certo que aquele WangJi iria chamá-lo de louco e falar que isso era outra pegadinha sem graça de Wei WuXian.

A noite estava sendo tão diferente do que ele havia imaginado que talvez, só talvez, seu irmão estivesse certo sobre WuXian: ele era uma boa pessoa e fazia bem para WangJi, não havia nada de maldoso em seus atos e os problemas surgiam somente porque seu espírito livre não conseguia se moldar às regras do Recanto das Nuvens. É, talvez WangJi tenha julgado extremamente mal o rapaz e agora, como um presente de despedida, WuXian estava mostrando-lhe como ele tinha errado. Dada a personalidade do rapaz, esfregar um erro tão bobo em sua cara era algo que certamente ele faria.

— Ah, tem algo que eu quero falar pra você, Lan Zhan.

A seriedade do tom utilizado pelo garoto fez WangJi olhar com mais atenção para ele: o nervosismo que ele havia visto no início da noite estava lá novamente, parecia até que tinha se intensificado, pois o rosto de WuXian estava vermelho, sua mão meio suada e gelada (estavam de mãos dadas há algum tempo). Os olhos negros do rapaz não paravam quietos, olhando cada canto do salão e em nenhum momento pousando sobre o rosto de WangJi.

Seu coração se apertou, algo parecia errado.

Em todos esses anos, o Lan nunca tinha visto Wei WuXian tão hesitante, a falta de confiança não lhe caia bem.

— Está tudo bem? — perguntou, genuinamente preocupado.

— Está sim, mas vamos lá pra fora, preciso respirar um pouco.

Ainda receoso do que poderia vir, WangJi o acompanhou pelo caminho que haviam feito há algumas horas atrás. Ao invés de irem para o rumo dos dormitórios, a caminhada os levou ao lago da propriedade, o qual, assim como todos os lugares naquela noite, estava iluminado pela luz do luar e pelas luzes estrategicamente colocadas em virtude do baile.

— Eu amo essa música — WuXian disse, olhando para seus pés quando pararam. Ainda que estivessem fora do salão onde ocorria o baile, a música que tocava era audível se ficassem em silêncio. WangJi viu WuXian morder o lábio de forma nervosa e, num sussurro, dizer “dança comigo?”

Envolto pela mágica da noite e pelas emoções que o dominaram nos últimos dias, o Lan nem sequer respondeu, somente colocou as mãos na cintura de Wei WuXian e se aproximou. Peitos colados, respirações sendo compartilhadas, o rapaz, mesmo com seu nervosismo palpável, não pode olhar para outro local que não fosse a sua frente.

Aquela, não que WangJi estivesse contando, foi a terceira vez em toda a noite que WuXian o olhou nos olhos e, caramba, o que havia com o seu coração? Os orbes tão escuros quanto o céu noturno carregavam uma emoção estranha, um sentimento que WangJi não sabia interpretar, mas que o atingiu como um tiro atinge um alvo a centímetros de distância: certeiro, direto, bem no fundo da alma.

Sem desviar o olhar — ele não conseguiria nem se quisesse, pois havia ali um magnetismo intenso que o estava trazendo para mais e mais perto do rapaz —, WangJi sentiu as mãos de WuXian em seu pescoço, acariciando sua pele e acorrentando-o ao que quer que estivesse acontecendo.

Balançando levemente para os lados, aquilo não poderia ser chamado de dança, a valsa que dançavam em nada se assemelhava ao que tinham ouvido anteriormente. Os dois, muito envoltos num emaranhado de emoções não ditas, sequer ouviam a música ou os grilos cantando, pois a única coisa que tocava agora em seus ouvidos era uma melodia feita por seus corações.

— WuXian — ele sussurrou, como se falar alto fosse um crime e pudesse fazê-lo ser condenado à morte.

— Me chame de Wei Ying — pediu o outro, diminuto, encolhido, mas sincero — E feche os olhos — os seus próprios semicerrados, partilhando pouco de sua escuridão.

— A-Ying.

Sob o luar, Wei WuXian beijou Lan WangJi.

Não foi um beijo faminto, foi tímido, receoso, pequeno. A coragem que o motivou parecia frágil e, uma vez que os lábios se tocaram, mil borboletas voaram entre os dois, libertando os estômagos ansiosos e enchendo WangJi de um fogo desconhecido. Numa lentidão não programada, os dois saborearam a boca um do outro como degustariam um bom vinho.

O tempo, se é que existia, pareceu congelar por um momento. Surdos para o que ocorria à sua volta, o tato era o único sentido que estava na ativa, era o único que precisava estar. Mãos, dedos, pele na pele, o contato deixava rastros de fogo por onde passava, tentando descongelar os segundos e mostrar que muitos minutos já haviam se passado.

Tão singelo, tão pequeno, bastou um toque de Wei WuXian na fita de testa de WangJi para que ele despertasse desse roçar de lábios intenso que compartilhou com o caos personificado. Enquanto recebia selinhos demorados, salpicados por seu rosto, o Lan não mais correspondia àquele afeto silencioso, pois sua mente, antes encharcada com a calidez do momento, agora estava afogada em pensamentos sombrios.

— Idiota, mas nunca cruel — disse com os dentes cerrados, cortando a névoa dócil que ainda envolvia o ambiente. A rigidez de seu corpo em muito contrastava com a maleabilidade de alguns instantes atrás.

— O que… Lan Zhan? — Wei WuXian perguntou confuso, abrindo a cortina de seus cílios e premiando WangJi com o mesmo olhar de antes (a emoção, teria sido ela nojo? Ódio?). Tocando as bochechas de WangJi e demonstrando uma preocupação que, para o Lan, parecia fingida, Wei WuXian transbordava confusão. Em seu ódio, os olhos sempre tão analíticos, não viam nada além de perfídia e manipulação.

— Era isso que você queria? Fazer graça da minha sexualidade? — respirando com dificuldade, WangJi se separou de WuXian, empurrando-o e se afastando — Vai me expor para o meu tio? Sua última brincadeira sem graça é essa? Você ia fazer o quê, levar minha fita?

— Não, eu…

Fechando os olhos com força, WangJi buscava não ver algo que antes ele pensava que era certo e que, ao longo de poucas horas, julgou como loucura sua. Tinha sido tudo manipulação? Wei WuXian tinha sido agradável, legal, o tinha beijado somente para zoar com a sua cara? Ele iria expor isso para alguém? Isso é, se já não o houvesse feito. Sua sexualidade não era novidade para Xichen, seu irmão, mas para o tio seria como o início da terceira guerra mundial, um sacrilégio para todos os seus antepassados. Lhe era estranhamento doloroso que WuXian pudesse ter pensado em algo tão maléfico.

Como nunca antes, WangJi se arrependeu amargamente do momento em que confidenciou ao garoto, num ímpeto de loucura há alguns meses, que era homossexual. Ele, no entanto, mesmo consciente da inimizade que tinham, nunca imaginou que WuXian poderia utilizar isso para ferí-lo, para prejudicá-lo.

— Eu nunca pensei que você fosse cruel a esse ponto.

Sem olhar para o rapaz, WangJi foi para seu dormitório, o baile não tinha mais nenhum apelo para ele e agora tudo o queria era que a noite terminasse logo. Caminhando a passos rápidos, o aperto em seu peito continuou forte, impedindo-o de respirar corretamente. Sua garganta parecia seca, apertada, amarga — a memória da docilidade de alguns minutos atrás fez seu estômago revirar. Era possível vomitar sentimentos?

Passando a mão por seu rosto na tentativa de recobrar a sobriedade e reordenar suas emoções, WangJi, com incredulidade, constatou que lágrimas desciam por suas bochechas, caindo sem parar. Por que ele estava chorando? A brincadeira sem graça de WuXian só teria efeitos se algum dos amigos dele os tivessem acompanhado e tirado fotos — Jiang Cheng não estava mirando-os com olhos de falcão a noite toda? O tio provavelmente não acreditaria na palavra de WuXian, mas ele teria visto os dois andando de mãos dadas… Onde WangJi tinha estado com a cabeça?

Respirar estava sendo uma atividade dificílima.

Em seu quarto, com as costas encostadas na porta, WangJi escorreu como as lágrimas que ainda banhavam seu rosto, sentando-se no chão e se lambuzando na miséria que sentia. Tantos anos se controlando, tanto tempo regrando sua conduta, tanto tempo se impedindo de sentir e tudo foi jogado no lixo em um ato, uma noite. Quão irônico era que agora, no fim, ele se desse conta disso? A flor vermelha anteriormente em sua lapela e agora em sua mão parecia rir da sua cara. Um cravo vermelho: respeito, amor, paixão… Quando foi que ele se apaixonou por Wei Ying?

Idiota, a linha entre o ódio e o amor era tão tênue assim que ele sequer notou quando ela se enrolou em seu dedo e o ligou ao garoto caótico? Imbecil, não importava o quão fortemente ela tenha se apertado ao seu redor, não há sentimento que a distância e o rancor não possam minar, certo? Esperança, ele precisava disso para poder sufocar essa emoção.

Certamente, o aperto no peito, o amargor na boca, a pressão na garganta, as lágrimas infindas e a intensa vontade de gritar iriam parar em algum momento e ele poderia, racionalmente, processar o beijo, o amor, Wei Ying. Soluçando como uma criança abandonada pelos pais, WangJi se permitiu sentir mais do que somente aquele amor recém-descoberto, deu permissão para sofrer pela solidão que sempre sentiu, para chorar tudo que havia guardado em seu peito.

Chorou por si, pela paixão que nasceu, mas que logo morreria; cada soluço degradante era uma ode aos amores que não pode alimentar, que não puderem florescer. Em sua tristeza, lamentou pela infelicidade de nunca poder chorar por sua paixão no colo de seu tio, nunca poder sentir a mão anciã acariciando-lhe a cabeça e dizendo “vai passar, tudo vai ficar bem”. A garganta estava a cada lágrima ainda mais apertada, seria o grito de infelicidade entalado o que estava cortando sua respiração?

Talvez, só talvez fosse a indignação por saber que se ele fosse o que era, nunca seria acolhido pelas mãos carinhosas que limparam seu rosto, endireitaram suas roupas e o guiaram pela infância, adolescência. A condenação era a única coisa que receberia, então ficar calado e suprimir parte de seu ser era a única coisa que poderia fazer agora.

Segurando o cravo entre os dedos, respeito, amor, paixão, WangJi rezou pela primeira vez em muitos anos, orou pedindo para que a noite acabasse e que com ela fossem embora todos esses sentimentos. As lágrimas infelizmente não lavaram sua alma, tão condenada à danação ela estava e, deitado no chão frio, a única coisa que ele queria era algo que nunca iria receber dos seus: compreensão, perdão, aceitação.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.