Fúria dos Deuses

Iliofáneia parece nome de planta, mas não é


A foice no meu pescoço não descansa, e eu tento arrumar algo para contra atacar, mas não há o que fazer. O brilho da minha pele continua fraco e meu cetro está longe demais para alcançá-lo. Chuck está parado há alguns metros de distância, empunhando uma espada que deve ser menor que o dedo mindinho de Cronos. Mas, de alguma forma, Cronos parece temê-lo mais do que eu temia ele.

— Criança. Você pode repensar o que disse. Eu posso prender essa menina. Você fica vivo apesar da sua burrice, e eu te dou o comando do exército. - Cronos murmura, e Chuck me encara, aflito.

“Eu preciso do meu cetro”

Chuck me encara sem entender. Cronos continua imóvel. Eu ainda estou no chão com um foice no meu pescoço.

Chuck, sou eu. Diga que sim. Aceite a proposta. Finja que vai entregar ela pro Cronos e me joga a porcaria do meu cetro!

Blair, esse negócio tem 4 vezes o meu tamanho, como eu vou carregar ele pra você?

Só precisa de um empurrãozinho, confia em mim.

— Criança?

— Sim.

— O que?

— Sim, eu vou te entregar Gaia. Mas antes você precisa deixar Blair ir antes.

— Jamais! Você me toma por tolo, criança? A palavra de um titã é uma promessa. Entregue-me a estátua primeiro, depois eu libero a Deusa.

Chuck se aproximou lentamente, Cronos aliviando o peso da foice em meu pescoço. Eu consigo respirar novamente. Minha cabeça volta a funcionar. Eu sinto minha pele esquentar enquanto o brilho aumenta. Chuck se aproxima do meu cetro e rapidamente Cronos percebe nosso plano e chuta Chuck como um inseto, mas é tarde demais. Eu já me recuperei o suficiente para lançar um raio de luz e atrair meu cetro de volta para minha mão. Antes que Cronos entenda o que aconteceu, eu o acerto na cabeça, e ele sai de cima de mim, me dando a chance de voltar a ficar de pé.

Eu procuro Chuck pela sala e o encontro próximo ao trono de Zeus, caído. Quero correr até ele e ver se ele está bem, mas simplesmente não posso.

— Crianças estúpidas.

— Você nos chamava assim, lembra Pai? - Zeus está atrás de nós, com Hades e Poseidon, todos em suas formas divinas, ondas e sombras e raios flutuando pelo lugar.

Eu aproveito a distração para agarrar o tal boneca de Gaia do chão.

— Sim, e com razão. Nunca entendi, porém, porque chamam vocês de “os Três Grandes”.

— Bem, vai entender agora. - Poseidon ataca como quem mergulha em um mar violento. Eu me posicionei para auxiliar na luta, mas Hades me impediu.

— Liberte Gaia. Ela é a única que pode parar Cronos. - Eu olhei para a estátua. Ela parecia um totem de barro. Corri para perto do trono, onde Chuck estava. Ele me olhou, se levantando.

— Foi uma pancada e tanto, você tá bem? - Eu pergunto, vendo ele passar a mão em um machucado na cabeça.

— Estou. O banho no Estinge serviu para algo no fim do dia.

— Eu preciso libertar Gaia. - Chuck me olhou assustado e depois encarou a batalha que acontecia a nossa frente. Poseidon estava suado ou era apenas água mesmo? Acho que nunca vamos saber.

— Precisa de um juramento.

— Como assim?

— Você é uma deusa. - Ele cospe as palavras sem muita intonação, e eu não consigo decifrar as sentimentos dele sobre isso. - Tente falar com ela. Presa ou não, ela deve ter força o suficiente para se comunicar.

Fecho os olhos. Não sei exatamente como fazer isso. “Errr, Gaia? Você me escuta?”. Espero alguns segundos, sem resposta. Cronos joga Zeus contra uma parede, enquanto Hades flutua em fumaça negra. “Gaia, estou meio sem tempo aqui”.

Deusa nova. A que devo o prazer?”. Eu chacoalho a estátua olhando para Chuck, e ele revira os olhos e faz sinal para que eu continue.

Estamos com um problema e você pode resolver. Mas preciso que você jure pelo Estinge que não machucará ninguém além de Cronos”. Sinto um clima pesado e cheio de terra molhada.

Bem, é uma promessa e tanto. A terra nunca controla 100% os impactos do que faz.”

— Blair! Estamos ficando sem tempo. - Eu olho para meu avô no campo de batalha, segurando a foice de Cronos com uma grande onda. Zeus está caído e Hades está ao lado de Poseidon, desarmado, em tamanho humano.

“Não tem saudades do mundo fora dessa bonequinha?” Silêncio.

Eu juro pelo Estinge”.

— Tenho o juramento. - Digo sorrindo para Chuck, e ele olha freneticamente para os lados. Jogo a estátua no chão, e nada acontece. Chuck revira os olhos.

— Não vai conseguir quebrar a prisão de Gaia desse jeito, cabeça de alga.

— Alguma ideia melhor, raiozinho?

— Não. - Eu olho ao redor da sala.

— O quanto você acha que seu banho no Estinge pode aguentar?

— Bem, em teoria, tudo.

— Você precisa pegar o Raio Mestre. - Ele arregala os olhos.

— Você é maluca. Usar esse negócio mata qualquer um. - Eu sorrio.

— Você não é qualquer um. - Eu poderia arriscar, mas algo me diz que um deus usando uma arma de outro deus é uma péssima ideia (será que adquiri conhecimentos de etiqueta divina? Seria engraçado se sim).

Chuck corre em direção ao Raio. Quando o agarra, Cronos se vira automaticamente, e Zeus é levantado do chão por raios. Chuck corre até mim, acertando o Raio direto na estátua, que se dissolve em pó.

Gaia não é descritível. Ela é uma grande massa de terra e folhas, flutuando. Aquele cheio que senti antes, de terra molhada, agora é a coisa mais notável da sala. Cronos parece pequeno perto dela. Eu consigo ver que eles estão discutindo e o tempo parece passar de maneira mais lenta, mas não para os dois. Para minha tranquilidade, todos a minha volta parecem tão horrorizados e confusos quanto eu.

Não posso dizer quanto tempo aquilo dura, se são segundos ou horas. Mas posso dizer que, a menos que você estivesse lá, não é algo que dá para descrever. Gaia atravessa Cronos, não como uma lança, mas como se as partículas de terra fossem capazes de penetrar na pele cinzenta e explodi-la por dentro. Quando Cronos explode, tudo para por alguns segundos, e seus pedaços ficam lá, congelados no tempo. Depois, tudo volta ao normal.

Obrigada por me libertar, Iliofáneia. Cumprirei minha promessa em toda sua extensão, mas preciso ir agora”, e como ela apareceu (e me chamando por esse nome bizarro), ela some.



A celebração no Olimpo é algo que você nunca esperaria. Tudo foi limpo tão rapidamente que você jamais adivinharia que o mundo quase acabou há algumas horas atrás. Os deuses estão todos em seus tamanhos normais, comendo e bebendo como qualquer um de nós. E eu estou aqui, com minhas roupas humanas rasgadas e sujas, bebericando vinho sob protestos de Atena.

— Você fez um bom trabalho. - Ela diz, enquanto coloca mais um pouco de ambrosia na boca. - Espero que tenha discernimento para o que vem a seguir.

— O que vem a seguir? - Pergunto, sem entender muito bem o que houve.

— Qual o seu lugar no Olimpo, Iliofáneia.

— Eu não podia odiar mais este nome. - Atena ri, encosta no meu ombro e se aproxima um pouco.

— Bem, você pode continuar sendo Blair por enquanto. - E desta maneira, ela vai embora, deixando um cheirinho de livros antigos no ar.

— Espero que ela não tenha te assustado. - Zeus se aproxima, parecendo muito melhor do que há algumas horas atrás (o que não é tão difícil, agora ele simplesmente parece vivo).

— Bem, acho que hoje nada mais me assusta. Mas você acha que eu deveria ficar assustado? - Ele dá de ombros, tomando um gole de algo que não consigo saber o que é.

— Talvez. Acho que ninguém te quer por aqui, na verdade. Não sei se você quer ficar por aqui também. - Eu o encaro, e vejo que ele está falando sério.

— Não sei.

— Pense com calma, temos tempo. Hoje vamos apenas comemorar esta vitória, antes da próxima batalha chegar.

— Próxima batalha? - Ah não, não consegui nem hidratar meu cabelo ainda!

— Gaia é argilosa. Vamos ouvir falar dela em breve. - Zeus agarra outro copo de uma das bandejas flutuantes que passam por nós. - Mas não hoje. - Ele pisca para mim e vai em direção a Hera, que grita com algumas Harpias.

Finalmente me permito sentar. Todo meu corpo dói. Eu ainda sinto minha pele brilhar um pouco. Serena está no meio da pista de dança, sozinha. Ninguém sabe o que aconteceu com Dan. Quíron mandou uma mensagem de íris dizendo que alguns chalés foram destruídos no acampamento e temos alguns semideuses feridos, mas nenhuma baixa. Eu só quero tomar um banho e dormir.

— Tenho que medir minhas palavras agora que você é uma deusa? - Chuck pergunta, se sentando ao meu lado. Ele parece bem, os olhos em um azul escuro de fim de tarde, um pouco cansado.

— Já tinha que medir antes, mas isso nunca te impediu.- Nós rimos. O clima pesa. Não sei o que dizer, e parece que ele também não. - Fico feliz que estamos vivos.

— É, bem, você mais do que eu, talvez. Não tenho para onde ir. Aposto que todos no acampamento me odeiam.

— Não mais do que já odiavam antes. - Eu o encaro. Ele está com um sorriso leve, mas vejo que não acha graça. Está falando sério. - Nate vai te perdoar de cara. O resto pode demorar um pouco, mas vão entender. Você ficou do lado certo no fim do dia.

— Zeus veio falar comigo. Me pedir desculpas. Por tudo. Foi estranho.

— É um começo. - Eu sorrio. Chuck desvia o olhar.

— Eu quero te beijar agora. Na verdade, quero fazer mais do que isso. Então é melhor eu ir embora. - Levanto em um pulo, sem entender muito bem o que houve.

— Quem está te impedindo?

— Não sei como me sinto, Blair. Você é… bem, você é uma deusa. Não sei como isso deixa a gente.

— Eu te amo, Chuck. Isso não mudou. - Chuck me encara com aquele sorriso zombeteiro que senti tanta falta. Sinto alguns olhares reprovando nossas palavras trocadas, mas eu ignoro.

Chuck se levanta e estende a mão, me arrastando para a pista de dança. Nesse momento, não estamos no Olimpo, não somos filhos e netos de deuses, não passamos por uma guerra. Somos só um garoto e uma garota dançando juntos, um pouco mais perto do que o socialmente aceitável.

— Eu quero te levar para meu quarto hoje. - Ele diz no meu ouvido, e eu me arrepio.

— Você pode me levar para onde quiser hoje, Bass. Só não se acostuma.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.