Fúria dos Deuses

A profecia e o feitiço virando contra o feiticeiro


- Você deveria tirar os sapatos. - Chuck falou, enquanto corriamos desesperadamente e sem rumo pela floresta.

- E você deveria calar a boca. - Nossa situação já não era nenhum pouco boa. A alguns metros dali, talvez até um quilômetro, a Medusa estava lutando com cerca de uma dúzia de meio-sangues. E eu, preferiria mil vez estar lá do que no meio da floresta com alguém que quer me matar.

- Já que eu não posso te matar, poderia ao mesmo tentar ser um pouco mais agradável, embora eu saiba que isso deve ser difícil para você. - Senti tontura por um minuto. Acho que nunca tinha corrido tanto, mas não demonstraria fraqueza na frente dele.

- Pena que a sua visão de agradável envolve roupas no chão. - Eu disse em tom irônico.

- Você tem razão. - Ele gargalhou, divertido.

- Eu sempre tenho. - Ele parou, de repente, observando em volta, como se procurasse alguma coisa em especial.

- Acho que estamos perto. - Ele falou, mudando nossa direção para oeste. Pensei em perguntar perto do que, mas ele parecia tão concentrado que imaginei que não me responderia.

Mais uns 20 minutos de corrida e eu estava pronta para pedir clemência. Minha pernas doiam, meus braços estavam arranhados de galhos a cada passo parecia que eu pisava em espinhos. Estava escurecendo, aos pouco, e eu conseguia ver o pôr-do-sol a nossa frente.

- Chegamos. - Ele anunciou, parando um frente a um grande buraco, coberto de galhos. Ele os afastou e abriu um tipo de portinhola improvisada. Ele se apoiou em nos pedaços de madeira, cravados na parede de terra bruta, formando um tipo de escada. Chuck passou a mão por um pequeno buraco, pegando uma caixa de fósforos acendendo uma tocha que estava acoplada a parede enquanto eu descia as escadas.

- Você construiu isso? - O lugar era sujo, por ser um buraco abaixo da terra, mas era de alguma maneira, acolhedor. Tinha tudo que se podia precisa, inclusive uma geladeira com água, um pequeno armário com roupas bem leves e despojadas e várias armas. Ah, e é claro, alguns sacos de dormir, uma coberta e um rádio a pilha.

- É. Com o Nate, na verdade. Fomos ao acampamento sozinhos na época, tivemos que improvisar alguns esconderijos. - Ele supirou enquanto desenrolava os sacos de dormir.

- Perseguidos? - Ele assentiu silenciosamente.

- Quer ligar o radio? - Disse que sim, enquanto estendia o coberta no chão e ligava o pequeno rádio, levando um susto ao ver que funcionava. Algumas músicas de violão estavam tocando. Nada que me agradasse, mas o silêncio parecia muito pior.

- Vire pra lá. - Ele pareceu confuso. - Eu quero me trocar. - Ele sorriu pervetida e divertidamente.

- Você realmente vai usar as roupas que estão nesse armário? - Eu olhei e cheguei a uma conclusão: eram terríveis. Mesmo assim, a que eu usava está suada e suja, além do mais, não conseguiria dormir com elas.

- Desculpa, mas metade do mundo me odeia e quer me matar, a última coisa que eu estou preocupada agora é se a minha camiseta combina com a minha calça. - Ele se sentou no saco de dormir, virado para a parede enquanto trabalhava em algum tipo de flecha. Puxei do armário uma camiseta larga branca, um short jeans, que parecia ser uma calça, rasgada, e um tênis marrom. Também deixei de lado uma mochila para colocar algumas coisas que poderiamos usar na volta.

Tirei a minha saia, e depois o meu corpete, com um pouco de dificuldade. Admito que quando coloquei aquela camiseta, larga, confortável e fresca, senti um alivio. Vesti o short e calcei o tênis, percebendo que ele cabia no meu pé no mínimo duas vezes. É, não era exatamente digna de um prêmio de moda, mas era melhor do que cheirar a floresta. Era um roupa até que... usável.

Me virei e constatei que Chuck ainda estava virado para a parede.

- Pode virar. Se quiser. - Eu disse e ele se virou. Para minha surpresa, nenhum comentário irônico, nenhuma gracinha. Ele me jogou uma flecha e eu a peguei desajeitadamente.

- Segure isso do lado quando dormir. - Eu lembrei de um detalhe importante que Quíron deixará escapar.

- O que a tal profecia dizia, e o que eu tenho a ver com ela? - Ele me olhou com um sorriso diferente. Ele era pouco torto, pouco sarcastico.

- Sabe, os deuses vão ficar com raiva de mim ser eu contar. Mas eu não ligo. - Ele deu de ombros. - Você já pensou na possibilidade de ser uma deusa? Por mais que isso me incomode e você seja insignificante demais para isso? - Eu abri e fechei a boca várias vezes tentando formular uma resposta aceitável, ou até mesmo um \"Quem é insignificante aqui, raiozinho de araque?\", mas absolutamente nada saia da minha boca. - Qual é, você é neta de Atena, esperava que pelo menos soubesse um pouco das Leis de Mendel... - Meu cerébro começou a funcionar novamente. Eu acho. Porque na próxima vez que abri a boca, as palavras sairam em uma ordem desenfreada dela.

- Eu teria cerca de 25% de chances de ser uma mortal, pegando a parte mortal do meu pai e da minha mãe, que são meio-sangues. Já sabemos que isso não aconteceu. Eu poderia ser uma meio-sangue se pegasse um gene normal do meu pai ou da minha mãe e um gene dos deuses de um dos dois, o que é possível, e o mais provável. E poderia ter pego os dois genes dos deuses dos meus pais e... - Ele me interrompeu.

- Seria uma deusa. - Ele sorriu lateralmente.

- Ah. - Eu murmurei, um pouco nervosa.

- É por isso que você precisa ser morta. Seria melhor para todos assim. Para o Olimpo, para o Mundo Inferior, para os Monstros e até mesmo para a nereides. Paratodos. - Eu olhei para ele, torcendo que minha voz não falhasse e que minha face estivesse séria.

- Não fuga do assunto Bass, o que tem a profecia? - Ele analisou a flecha, parecendo pensar se devia me contar, ou não.

- Bom foco. - Ele sorriu um pouco mais. - Eu consultei o Oráculo. Quíron já havia o feito, mas eu sempre vou lá, então.. - Ele deu de ombros. - Juntando o que foi falado para Quíron e para mim, temos isso:

O futuro será o espelho do passado.

O trabalho de dois opostos poderá resultar em destruição ou restauração.

O Mundo Inferior nunca pareceu tão profundo, e ameaçado, por uma força.

Uma ameça surgirá para acabar com os tempos.

Inimigos geracionais retornarão.

Serás traido por quem menos imagina.

Caíras na maior e mais perigosa armadilha de todas.

As últimas foram dadas a mim. - Ele parou e eu tentei processar.

- Obrigado, está tudo claro na minha mente agora. - Eu disse irônica, mas pausei. - Você acha que a força destruidora sou eu? - Ele gargalhou.

- Destruídora, não, mas com certeza não é uma força salvadora, ao contrário, não tentaria te matar. - O olhar dele passou a ser frio e percorreu um lança. - Durma. Eu fico de olho nas coisas. - Ele não podia estar falando sério.

- Eu não sou uma donzela indefesa que precisa de cuidados. - A maneira que ele sentou me fez entender que não seriam admitidas argumentações.

- Na verdade, é. E se algo te acontecer, a culpa será minha, então apenas deite e durma. - Me senti desconfortável com a rispidez dele, mas estava realmente cansada. Acabei dormindo.

Meu sonho não foi assustador. Foi apenas... confuso. Eu já estava acostumada com sonhos bizarros, e foi uma surpresa sonhar algo quase normal. Eu estava sentada, sozinha em uma capina, quando começou a chover. Mas não chovia agua. Pedaços de pedra voavam para todos os lados, enquanto eu tentava me esconder atrás de um tipo de arbusto. Os deuses te pegarão, uma voz maquiavélica dizia zombeteira, enquanto eu olhava para os lados, sem fala. Você está sozinha, foi a última coisa que eu ouvi antes de acordar.

Me levantei com um solavanco, e acabei estourando o zíper do meu saco de dormir. Olhei para os lados e não vi ninguém. Lembrei do meu sonho e senti dor, mas logo depois foi substituída por ódio. O Chuck realmente tinha me deixado sozinha? Senti meu estômago roncar, e me levantei. Não havia nada a não ser agua na pequena geladeira. E ela estava desligada, provavelmente pela falta de energia elétrica. Me levantei e comecei a andar pela floresta, a procura de alguma coisa que eu pudesse comer. Levava comigo a mochila, com Contracorrente, um espelho, o elmo, um pouco de água e um arco e flecha. Não que eu realmente soubesse usar um. Vi algo em movimento em uma clareira, logo a minha frente. Me aproximei e ouvi uma discussão.

- Eu não quero a você, filho do Deus dos Céus, quero a filha de Perseu e Annabeth. Eu quero ela. Onde está ela? - Chuck olhava para baixo, enquanto segurava um escudo, parecido com Aegis. E na mão esquerda, estava a espada talhada em couro.

- Você não imagina o quanto eu gostaria, mas acho que devo ficar com ela por enquanto. - O tom dele era sarcastico, de maneira visível. Me aproximei por trás de Medusa, que tinha suas lindas madeixas reptilianas.

- Não se dê ao trabalho Bass, eu estou aqui. - Na hora que ela se virou, eu abaixei o olhar, embora por algum motivo, tivesse vontade de ver a cor dos seus olhos, apenas por curiosidade.

- Querida... é um prazer vê-la. Vim te fazer um favor. O que acha de uma morte rápida, sem dor ã? - A voz dela era suave e convidativa. - Que lhe ajudar. Se cair nas mãos de alguém como ele, - Ela apontou para o Chuck. - Terás uma morte lenta e dolorosa. Estou lhe propondo uma eternidade calma.

- Realmente parece... parece uma boa escolha. - Eu olhei para Chuck, enquanto fingia arrumar minha mochila, porém pegava algo de dentro dela.

- Isso querida, olhe para cima. - Subi a vista um pouco.

- Posso apenas... tocar sua face? Parece tão... suave... - Eu perguntei me aproximando, e ela pareceu não se importar.

- Blair. Se. Afaste. Dela. AGORA. - Chuck falava irritado. Cheguei a frente da Medusa. Era minha unica chance. Abri a mão para passar no rosto dela, mas rapidamente, coloquei minha palma na frente dos seus olhos, e vi apenas uma estátua em tamanho real. Chuck correu até mim, com uma expressão indignada no rosto.

- O que você fez? - Eu mostrei a palma da minha mão.

- Quem disse que um espelho não pode salvar vidas? - O pequeno acessório estava lá, impecávelmente no centro da minha mão. - E agora? Me desculpe, mas não quero uma estátua de jardim em tamanho real, obrigada. - Ele gargalhou, e parecia mais aliviado.

- Devemos quebra-lá. - Ele disse, ameaçando empurrá-la.

- Hey, essa é a Medusa, deve haver algo interessante a fazer senão quebrar ela. - Ele revirou os olhos e a empurrou, fazendo com que a estátua se chocasse contra a rocha. - Droga!

- Vamos, temos que voltar e torcer para que o ônibus ainda esteja lá. - Nesse momento Quíron apareceu na nossa frente.

- Quíron! Graças aos Deuses! Eu acabo de matar a Medusa! - Exclamei apontando para os pedaços de pedra no chão.

- Ele não está aqui, é só uma mensagem de Íris, cabeça de alga. - Cabeça de alga? Que porra de apelido é esse?

- Que bom Blair, mas tivemos que partir. Já estamos no acampamento, preciso que você venham em direção a nós, mandarei Argos os encontrar. - O que?! Mais tempo com esse idiota?