Os sons dos latidos de Vicente se misturavam com os das risadas de sua família, aquela algazarra tão familiar coberta de alegria invadia seus sentidos provocando-lhe uma aconchegante sensação de paz e felicidade. Sentado no chão e sentido a areia fina por entre seus dedos enquanto o sol do fim da tarde batia em sua face, Niko sorria largamente ao contemplar a bela imagem de Félix brincando com os filhos e Vicente na praia. Os dois filhos mais velhos corriam de um lado para o outro jogando a bola para Vicente, enquanto Félix carregava Fabrício em seus ombros já que o pequeno não conseguia acompanhar Jonathan e Jayme.

Mesmo que seus olhos já tenham presenciado inúmeras vezes momentos como aquele, Niko nunca deixava de admirar e até mesmo se emocionar com aquelas cenas tão maravilhosamente perfeitas á seus olhos. Ele muitas vezes pensava que se pudesse escolher o seu próprio paraíso, o seu céu, seria exatamente aquele. O lugar em que estava naquele exato momento, em sua casa em Angra dos Reis junto com sua família, aquele era seu paraíso. Niko fechou os olhos ao sentir o vento cálido daquela tarde em seu rosto, lembranças de como ele e Félix imaginaram seu próprio paraíso vieram lhe fazer companhia.

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A mão macia de Niko segurou a de Félix, quando este estava prestes a pegar a garrafa de vinho para encher a taça do loiro novamente. Félix, que estava sentado no sofá com Niko entre suas pernas deitado de costas sobre o peito dele, o questionou com o olhar.

– Eu acho que pra mim já chega amor. – Disse Niko.

Quando o loiro tentou se levantar Félix o puxou pelos ombros o abraçando carinhosamente e fazendo-o voltar para sua posição de antes.

– Você sabe como eu fico quando bebo demais. – Ressaltou.

Ele ouviu a tímida risada de Félix, se virou para poder encará-lo, o moreno mantinha um sorrisinho no canto dos lábios enquanto enchia as taças que estavam no chão com vinho.

– Você ta fazendo isso de propósito Félix? – Questionou Niko perplexo.

– Não... – Negou com seu sorriso sínico finalmente estampado por completo em sua boca.

Félix estendeu uma das taças á ele, porém o loiro apenas continuava sustentando seu olhar que buscava pela verdade. O encarava de uma forma que Félix não conseguia esconder nada daqueles olhos verdes por tanto tempo, o moreno finalmente teve que admitir.

–... Talvez.

– Eu querendo manter distancia de bebidas e você fazendo isso. – Disse ao pegar a taça que ele lhe entregava. – Muito bonito da sua parte.

– Hoje é uma exceção Niko, pode beber a vontade. Se você ficar soltinho, como sempre fica, vai ser junto comigo... – Chegou mais perto do ouvido dele e sussurrou. - lá no nosso quarto.

– Você desde sempre se aproveitando de mim quando bebo demais. Você é um safado sabia? – Falou fingindo indignação.

– Sabia... – Confirmou após dar-lhe um beijo no pescoço e brindar sua taça na dele.

– É dia de comemorar carneirinho, a inauguração do nosso primeiríssimo restaurante foi um sucesso, como eu disse que seria. – Afirmou orgulhoso.

– Ta bom Félix... Mas só mais essa taça e já chega ok? Porque eu já bebi mais do que deveria.

Desde que chegaram ao apartamento, eles conversavam sobre tudo o que havia acontecido naquele dia. Como já haviam jantado lá mesmo no restaurante junto com a família, eles agora apenas degustavam de uma ótima garrafa de vinho enquanto assistiam algo na TV.

Niko aproveitou o momento de quietude para conversar sobre algo que, como seu tempo corrido no restaurante, ainda não havia tido oportunidade de conversar com Félix.

– Porque você não me contou que estava procurando o Edgar? Meu coração quase pulou pra fora do peito quando dei de cara com ele... – Afirmou Niko. – Eu conversei pouco com ele, mas do pouco que ele me falou deu pra perceber que as coisas não estavam nada fáceis pra ele no tempo que estava sumido... - Félix conseguia identificar uma certa melancolia na voz dele. – Isso faz eu me perguntar se eu fui um péssimo amigo em não ter me esforçado mais pra achá-lo.

– Ei... olha pra mim. – Niko fez o que ele pediu, e ele pode perceber a angústia em seus olhos. – Carneirinho... você tem que parar de se culpar por coisas que você não tem culpa, você fez o melhor que pode. Você sabe disso, eu sei disso e o Edgar também... o que importa agora é que ele está aqui e está tudo bem.

Félix sorriu tentando encorajá-lo a sorrir também, mas havia uma angustia muito maior por trás daqueles olhos que impediam seus lábios de sorrir.

O assunto Edgar, que consequentemente fazia Niko se lembrar de Gustavo, despertava fantasmas de seu passado que ainda o assombrava. A morte do amigo ainda era uma ferida que vez ou outra doía, era algo que precisava ser cicatrizado e Félix estava disposto a ajudá-lo nesse processo.

Quando Félix passou a dormir todas as noites com Niko, ele pode perceber os constantes pesadelos que envolviam nomes como Gustavo, Alexandre e outros mais pronunciados por Niko que ele não conseguia compreender. Em seu inconsciente Niko revivia os instantes mais traumáticos de sua vida, como se ainda estivesse preso naquele passado. Félix não gostava nem de pensar nos anos que Niko teve que enfrentar tudo aquilo sozinho, sem ninguém por perto para poder abraçá-lo quando despertasse suado e assustado no meio da noite, sem alguém para dizer a ele que foi só um terrível pesadelo e que tudo ficaria bem.

Félix passou também a compreender melhor porque Niko era com era na época que o conheceu. Ele estava começando a entender os mistérios que aqueles olhos verdes carregavam; mistérios esses que ele queria decifrar desde aquela noite no jardim da casas dos pais de Niko. Olhos verdes que eram tão fascinantes e hipnotizadores, mas que ao mesmo tempo, quando se fechavam, proporcionavam momentos terríveis para seu dono.

Por isso seu apoio foi total quando Niko contou sobre a idéia de homenagear Gustavo no nome do restaurante. Pois tudo que amenizasse um pouco daquela dor que ele carregava era bem vindo. Mas Félix queria fazer bem mais por ele, e foi quando teve a idéia de procurar por Edgar, amigo no qual Niko sempre falava tão bem, quem melhor para ajudá-lo a curar uma dor senão aquele que também já a sentiu?

Félix o apertou mais em seus braços e beijou a cabeça de cachos loiros aspirando seu perfume. Ele então começou uma longa explicação de como conseguiu localizar onde Edgar estava. Contou a ele que a procura demorou certo tempo, foi um processo lento e de muita espera. Explicou que muitas das vezes parecia que finalmente o encontraria e de uma hora para outra, tudo voltava à estaca zero. Félix disse que conhecia bem como Niko era e explicou o porquê de não ter contado nada á ele.

– Mammy tem um amigo detetive que me ajudou bastante. Quando eu comecei a procurar por informações que pudesse me levar até o seu amigo, eu tinha consciência de que eu poderia não achá-lo. Eu só não queria te dar falsas esperanças carneirinho, por isso mantive tudo em segredo até encontrá-lo de fato.

Niko se acomodou de uma forma que pudesse olhar para Félix, a mão gentil pousando no queixo dele em um leve carinho e o olhar doce demonstrando que entendia perfeitamente os motivos do companheiro ter guardado segredo.

– O que será que eu fiz para merecer alguém como você? – Perguntou Niko pensativo.

– Eu não sei... mas deve ter sido uma coisa muito ruim mocinho, pra você ter que aturar isto. – Apontou para si mesmo.

– Não, não fala assim de você mesmo, nem de brincadeira... – Niko deixou de lado a taça que tinha para segurar o rosto de Félix com as duas mãos. – você sabe que é maravilhoso... A melhor coisa que aconteceu na minha vida.

Depois do sorriso os lábios se juntaram em um doce e sereno beijo, que era uma pequena forma de demonstrar o intenso amor que cada um carregava dentro de si.

– Eu te amo... – Foi à resposta que Niko recebeu em um sussurro sigiloso, como se Félix estivesse lhe confidenciando o maior de seus segredos.

Após mais um beijo, só que dessa vez mais intenso, Félix virou a taça de vinho inclinando sua cabeça para trás, bebendo de uma vez só o último gole que havia nela. Deixando propositadamente, um pouco de vinho escorrer por sua boca seguindo caminho até seu pescoço, tudo isso sobre o olhar atento de um certo carneirinho.

Niko entendendo perfeitamente o que o moreno queria, começou a beijá-lo desde o pescoço, colhendo as gotas de vinho em seus lábios até chegar à boca de Félix onde o beijou profundamente.

Quando as mãos de Félix enfim começará a levantar a camisa de Niko para tirá-la, eles ouviram o som alto vindo do apartamento acima do deles, ao mesmo tempo eles olharam para o teto e depois se encararam.

– Acho que a nossa nova vizinha barulhenta está dando uma festinha... – Niko falou divertidamente tentando amenizar a irritação que sabia que Félix tinha com aquilo.

– De novo carneirinho? – Questionou já estressado. – É o apocalipse.

– É só ignorar amor. – Sugeriu e voltou a beijá-lo.

Niko distribuía beijos no rosto do moreno, e este até tentou concentrar-se apenas em seu carneirinho. Mas para ele, ignorar a música alta que vinha do apartamento acima era algo pouco provável e tudo apenas piorou quando a música parou e voltou a tocar outra ainda mais irritante.

– Não ta dando para deixar pra lá Carneirinho. – Disse com seus lábios ainda colados no de Niko, e este apenas sorriu. – Ahh você rir é? Você parece não se incomodar nem um pouco com esse barulho que aquela criatura chama de música.

– É por que... eu to pensando aqui no quanto você odiaria ser meu vizinho. Eu me incomodo com a música mas... não me sinto no direito de reclamar porque... – Niko falava como uma criança que confessava uma travessura. - antes de te conhecer, quando eu vinha pra cá, eu escutava música exatamente nessa mesma altura e não me importava se incomodava os outros ou não.

– Então quer dizer que você, Sr Nicolas Corona, era tão barulhento quanto à criatura lá em cima.

– Acho que eu era até pior. – Confessou em voz baixa.

– Bom, seu eu fosse seu vizinho eu daria o meu jeito de deixar você nos eixos... – O beijou.

– Então você me colocou nos eixos Khoury? – O loiro o beijo de volta.

– Coloquei... – Outro beijo. – e você á mim.

Niko apoio seu queixo no peito dele e se deixou ficar assim por um tempo, apenas o admirando. Félix estava distante e pensativo, quieto demais, concentrado em seus pensamentos, parecia até que havia esquecido o barulho.

– Sabe o que seria perfeito. – Disse por fim, olhando para seu admirador.

– Hum?

– Uma casa na praia... Um silêncio confortante, ter uma vista magnífica na janela do nosso quarto. – Enquanto Félix descrevia, Niko imaginava os dois em um cenário como aquele. – É o único barulho para se ouvir é o das ondas.

O loiro chegou até a fechar os olhos para que tudo parecesse mais real.

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Niko abriu os olhos quando uma mão de dedos pequenos tocou em seu rosto. Era o seu, como Félix sempre costumava chamá-lo, mini carneirinho.

– Oi meu amor... - Niko sorriu e pegou o filho em seus braços.

Logo depois ele viu Jonathan, seu filho mais velho, se aproximar com as mãos na cintura olhando para o irmão mais novo.

– E incrível como esse baixinho consegue se distrair tão rápido. Ele disse que pegaria a bola e levaria de volta pra gente... - Niko olhou para seu lado e viu a bola que eles jogavam esquecida pelo pequeno, que distraído brincava com anéis da mão dele. Jonathan sorriu, assim como Niko, apertou levemente as bochechas rosadas de Fabrício e perguntou:

– Você vem baixinho? Ou vai ficar aqui com o nosso pai?

Em reposta Fabrício apenas se agarrou mais a Niko, já estava um pouco sonolento, como era bem mais novo que os irmãos cansava bem mais rápido.

– Acho que ele vai querer ficar aqui. – Afirmou Niko sorrindo, Jonathan acenou concordando e voltou para junto de Félix e Jayme.

Enquanto passava delicadamente a mão pela cabeça de finos cabelos loiros, Niko pensava que mesmo tão novinho Fabrício já era tão parecido com ele. E pensar nisso foi o suficiente para ele ser capturado por novas lembranças.

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Niko observava o reflexo da lua na água, e ela balançando vagarosamente com o movimento da água. Ele, às vezes, ficava naquele jardim por vários e vários minutos apenas observando o cair da água pela bela escultura esculpida daquela fonte. Para Niko, quando ainda morava na casa dos pais, aquele era um dos seus lugares preferidos para passar o tempo.

– Eu ainda estou esperando pela minha resposta. – A voz calma de Félix e o hálito quente dele em sua nuca fizeram Niko se arrepiar todo, porém foi mais pelo susto do que por qualquer outra coisa, já que não o virá se aproximar.

– Ai Félix... – Niko empurrou levemente seu ombro quando viu que ele estava sorrindo da sua cara de espanto. – Me assustou.

– Ahh é? Assustei? – Félix agarrou Niko pela cintura, mas o loiro fazia manha e tentava se soltar do agarre dele fingindo ainda está com raiva pela brincadeira. – Engraçado!!

– Você acha engraçado assustar os outros?

– Não, acho engraçado você carneirinho. – Félix ainda o segurava em seus braços e sorria da expressão chateada dele. - Pelo que eu me lembro foi exatamente assim que eu conheci certa criaturinha de olhos verdes. – Ele beijou a testa de Niko enquanto ele finalmente sorria para Félix.

– Não tive culpa, você estava bisbilhotando o que eu fazia. – Declarou em sua defesa.

– Será que eu cobrei juros das trinta moedas de Judas para ouvir uma coisa dessas? Ta me chamando de bisbilhoteiro Carneirinho?

– Exatamente... – Reafirmou o que dizia.

– É o apocalipse.

Félix soltou Niko e caminhou até a fonte sentando-se na beirada, ele passava levemente os dedos sobre a água.

– O que você faz aqui sozinho? As pessoas estão sentindo sua falta lá dentro. – A pergunta ficou no ar, Niko estava tão meditativo que talvez nem tenha ouvido Félix. O moreno então o provocou. - Ah o Jonathan me perguntou quando é que você vai fazer o seu showzinho.

Félix sabia que ele ficava constrangido toda vez que alguém tocava naquele assunto.

– Félix!!! – Niko o encarou pasmo e Félix sorria satisfeito, pois finalmente conseguiu chamar a atenção dele. – Você tinha abrir a boca e contar pro nossos filhos sobre esse incidente do passado?

– Incidente? - Félix se controlava para não rir mais alto do que deveria.

Niko cruzou os braços e encarava o companheiro o repreendendo, o carneirinho só faltava bater os pés no chão para mostrar sua insatisfação.

– Carneirinho eu não tenho culpa, nossos filhos me perguntaram como o conheci você e foi assim ué. Queria que eu contasse uma historia diferente?

Félix bateu a mão no cimento frio em um pedido afetuoso para que Niko senta-se do seu lado.

– Além do mais, se eles não soubessem por mim, os seus pais contariam... Até mesmo a Anna contaria. Não tenho culpa de você ter ficado marcada nas festas familiares dessa casa. – Niko riu do comentário dele.

A aquela altura a única coisa que o loiro podia fazer era rir da própria situação, já que era isso que todos faziam quando ocorriam eventos na casa dos pais dele.

– Sobre o que você estava falando? – Niko mudou de assunto, Félix apenas o olhou sem entender a que ele estava se referindo. - Você disse que estava esperando uma resposta. – Niko foi mais claro.

– Ah sim... Eu tava falando sobre a fertilização. A gente não conseguiu terminar a nossa conversa e você ficou me devendo uma resposta. E então, o que você me diz?

– Você tem certeza que não quer que seja igual da primeira vez Félix? – Niko perguntou para ouvir da boca do companheiro algo que ambos já desejavam há certo tempo, ter mais um filho ou quem sabe dessa vez fosse uma filha. O detalhe dessa nova fertilização, que Félix propôs e esperava uma resposta de seu carneirinho, era de que não fosse com os materiais de ambos misturados e sim com apenas o de Niko.

– Aham! Eu quero que seja desse jeito Niko. Eu sei que da primeira vez a gente optou por misturar nossos materiais, porque assim ficaríamos sem saber qual seria o pai biológico. Mas você já olhou pro Jonathan? Ele saiu a minha copia exata, sem tirar nem por. – Brincou.

– Saiu mesmo... – Concordou com um leve sorriso ao pensar em quanto o filho mais velho era tão parecido com Félix.

A mesma cor de cabelo, o sorriso largo e espontâneo e os olhos escuros como a noite. Os traços eram tão parecidos que Niko se pegava observando os dois, completamente encantado. E tinha Jayme, que eles adotaram quando o pequeno tinha pouco mais de cinco anos, e apesar de que na aparência não era parecido com nenhum dos dois, Jayme cada dia mais puxava o gênio forte de Félix. Às vezes Niko sentia uma pontinha de ciúme quando encontrava nos filhos tantas coisas comuns de Félix e poucas dele, mas esse ciúme inocente não durava muito pois ele se sentia orgulhoso por seus filhos serem tão parecidos com o homem que ele mais ama naquele mundo.

– E então? – Ele pegou no queixo de Niko roçando carinhosamente o polegar na pele branca. – O que me diz de termos um mini carneirinho agora? Tão lindo quanto você.

– Mini Carneirinho? – Exclamou sorridente, parte pelo apelido que Félix dera ao futuro filho e parte por não está cabendo em si de tanta alegria.

– Eu sei que você ta louco pra trocar fraldas de novo Niko. – Comentou brincando com ele.

Niko nada respondeu, apenas o abraçou fortemente. E Félix não precisa mais ouvir uma resposta, ela já estava ali na sua frente estampadas nos olhos brilhantes de Niko, a resposta que Félix procurava estava refletida naqueles olhos assim como a lua era refletida na água.

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Niko voltou para sua realidade quando sentiu mãos molhadas segurarem seu rosto e os lábios molhados de Félix beijando os seus. Félix se afastou olhando divertidamente para Niko, assim como Jonathan, ele sorria de sua desatenção. Félix sentou-se na areia junto á Niko, ele estava todo molhado assim como Jayme e Jonathan, e até mesmo Vicente que vez ou outra se sacudia espirrando água para todo lado, eles tinham acabado de voltar de um mergulho no mar.

– Estava sonhando acordado carneirinho? – Niko sorriu envergonhado, devia está com cara de bobo pensava ele. – Parecia que você estava no mundo da lua, não é mesmo Fabrício? – Félix perguntou ao filho que estava sentado do lado de Niko brincando de cavar a areia com suas pazinhas.

– Só estava relembrando algumas coisas. – Disse Niko. - E vocês já se cansaram de jogar? – Perguntou a Jonathan que estava em pé perto deles.

– Na verdade eu e o Jayme queríamos continuar, mas o pai Félix ta ficando velho e não aguenta jogar por muito tempo, então a gente parou.

Jonathan e Niko sorriram, enquanto o moreno não tinha gostado nada de ser chamado de velho. Para ele isso era o apocalipse.

– Será que eu piquei salsinha na tábua dos Dez Mandamentos pra ser chamado de velho por você Jonathan?

– A idade chegar pra todos pai. – Jonathan provocou Félix e saiu dali antes de ouvir outra reclamação bíblica, assim como Jonathan Jayme foi para dentro da casa levando Vicente. Ficaram apenas Félix e seus Carneirinhos, e inclusive um deles ainda estava rindo.

– Você rir Niko? – Repreendeu Félix.

– O que você quer que eu faça Félix? Ele puxou pra você no quesito fazer piadas com os outros.

Félix pegou Fabrício no colo e falava com o menor como se Niko não estivesse bem ali do seu lado.

– Só você que me ama não é mesmo? O único que não rir de mim é meu mini-carneirinho, porque tem uns e outros aqui que rir de mim como se não tivesse quase a mesma idade que eu. Fala pra ele filho, fala que eu não sou o único quarentão aqui.

– Deixa de drama Félix. – Niko se levantou limpando a areia da roupa. – Vem, vamos entrar que vocês tão merecendo um belo banho.

Já dentro do quarto, depois de um banho e um jantar preparado por Niko, Félix era questiona pelo loiro quando ele encontrou uma foto antiga dele guardada em sua gaveta.

– Amor porque essa foto ta fora do álbum?

– É que essa foto é tão linda carneirinho que eu queria colocar ela em um porta-retrato.

A foto em questão era uma foto bem antiga de Niko, ele não sabia distinguir de qual, mas sabia que pela roupa que usava ele estava em uma festa, provavelmente aniversário de alguma de suas irmãs.

– Hum. – Niko a observou por um tempo e concluiu. - Eu a acho tão simples para colocar em um porta-retrato.

– Pois eu a acho linda. – Félix o abraçou por trás depositando um beijo em seu pescoço. – Você tá maravilhoso nessa foto carneirinho.

– Tá bom você venceu Félix, depois eu procuro um para colocar ela. Mas por enquanto é melhor deixar ela no álbum de fotos. - O loiro, que ainda continuava com a foto nas mãos, caminhou até o guarda roupa e de lá tirou uma caixa onde guardava objetos que tinham valor sentimental como o álbum com fotos antigas.

– Faça como você quiser carneirinho. - Félix o beijou na bochecha e saiu deixando um Niko concentrado olhando sua caixa de lembranças.

Niko retirou o álbum que procurava e começou a folheá-lo na procura do local vazio para colocar a foto. As primeiras folhas de fotos estavam bem desgastadas por conta do tempo, eram fotos de quando ele era criança e na maioria delas estava junto com as irmãs.

As fotos se tornavam mais recentes que as anteriores conforme ele ia folheando, e finalmente chegou ao local de onde Félix havia retirado a foto. Após recolocá-la em seu lugar ele fechou o álbum, porém quando ia colocá-lo de volta na caixa sentiu algo escorregando do meio das folhas.

Era a ponta de um pingente que estava para fora das folhas, Niko abriu o álbum na folha demarcada pelo objeto. O pingente pertencia a correntinha que Gustavo comprará de presente para ele, ela marcava a folha onde se encontrava uma foto dele junto com Gustavo, uma das poucas lembranças materiais que Niko tinha do amigo. Mas isso não importava muito, pois as lembranças boas eram infinitas.

Com o passar do tempo a culpa que o consumia, algo que ele sabia que não devia sentir porém sentia, foi desaparecendo aos pouco. Pois Niko contava com a ajuda das pessoas que o amava, ele conseguiu manter em seu coração apenas lembranças felizes, momentos que realmente valiam a pena serem lembrados. O remorso sumiu para dar lugar apenas á saudade.

Niko, se pudesse, usaria aquela conrrentinha consigo o tempo todo, mas ela tinha medo de perder ou até mesmo que ela arrebentasse acidentalmente. Por isso achava melhor deixá-la guardada juntamente com a foto que registrava um momento feliz.

Depois de tantos anos Niko já lidava melhor com a morte de Gustavo, porém Niko era o Niko e nunca deixava de se emociona ao relembrar dele. Gustavo estaria lá quando escutasse músicas cantadas pelos dois em certa noite, quando lê-se certos livros se lembraria do drama exagerado que ele fazia ao reclamar que o loiro dava mais atenção á folhas com letras do que a ele. E principalmente se lembraria dele por está ali vivo com uma família.

– Você um dia me disse que a sua vida não era interessante, que houve dor e tristeza na maior parte dela... que não valia a pena pois ela era calejada demais... mas ela era o que você tinha de mais valioso e mesmo assim você a entregou á mim e... – Niko respirou fundo para poder continuar. - e eu prometo que vou fazer valer a pena até o ultimo segundo. Eu sempre vou ser grato por você ter feito parte da minha vida Gus... – Niko sorria enquanto olhava para um Gustavo sorridente na foto. – Sempre meu amigo.

Já era tarde, o silêncio imperava na casa, Niko visitou o quarto de cada um de seus filhos para verificar se todos já estavam dormindo. Passou no quarto de Jayme que dormia tranquilamente, no de Jonathan que dormia agarrado á um de seus livros favoritos do qual Niko sempre o pegava lendo.

Cautelosamente retirou o livro da mão dele para não acordá-lo, o colocou em cima do criado-mudo e depois de depositar um beijo em sua testa apagou a luz do abajur. Félix com certeza zombaria por Niko ainda fazer isso com Jonathan, dizia que ele já estava velho demais para esse tipo de cuidados, mas Niko sempre discordava. Para o loiro seus filhos sempre seriam seus filhotinhos, e nunca abriria mão desse ato que ao que seu companheiro dizia era “mais doce que um pote de geléia”. Por fim foi até Fabrício, o pequeno estava quieto em seu berço, porém estava acordado.

– Hey meu amor... não consegue dormir? – Niko o pegou em seus braços e começou a balançá-lo de um lado para o outro enquanto andava pelo quarto. Cantarolava bem baixinho á musica que Félix usava para niná-lo, aos poucos Fabrício se deixava levar pela voz calma e doce do pai até pegar completamente no sono. Niko acomodou o filho no berço e antes de sair do quarto se deteve por alguns minutos o vendo dormir.

Niko deu falta de Félix quando retornou para seu quarto e não o encontrará, já que antes de ter voltado para lá não o viu na sala, nem na cozinha. Niko foi até a varanda, mas Félix também não estava, quando estava prestes a entrar na casa para procurá-lo em outros cômodos o avistou na praia.

De onde Niko o via, Félix era apenas um pontinho branco em um contraste de areia, mar e céu estrelado. De roupas claras, ele parecia está recluso em seus pensamentos, a água batendo em seus pés e o vento gélido da noite fazia sua camisa folgada movimentasse constantemente.

Niko retirou seus sapatos e enrolou sua calça como Félix havia feito com a sua, caminhou vagarosamente até ele com um sorriso de admiração.

Félix se matinha de costas á observar o mar com as mãos no bolso da calça, Niko já estava á alguns passos dele. À medida que se aproximava o barulho das ondas ficava mais alto e a água gelada começava a bater em seus pés. Quando chegou finalmente nele o abraçou passando os braços por sua cintura e descansando seu rosto na costa dele.

– Posso saber por que o senhor está aqui e não lá dentro na nossa cama? – Ele sorria enquanto acariciava os braços de Niko que estavam em volta de seu corpo.

– Estou apenas agradecendo por algumas coisas. – Disse pensativo.

– Que coisas? – Niko apoiou o queixo no ombro dele.

– Por você não está bêbado e querendo se jogar nessa água fria, por exemplo... Seria o apocalipse ir atrás de você nesse frio.

Sorriram por longos segundos ainda abraçados, pois se recusavam a permanecer longe um do corpo do outro naquela brisa fria. E Félix se deleitava com tamanho sorriso, fazê-lo sorrir, ver o sorriso de Niko em cada um de seus dias era sua meta. Quando Niko sorria, daquele jeito como estava fazendo agora, a gargalhada gostosa e os olhos verdes sorrindo tanto quantos seus lábios eram o que o motivava a ser feliz.

O som da risada dele o tirou de seu mundo mudo e o brilho daquelas esmeraldas verdes iluminou cada ponto escuro de sua alma.

O riso cessou quando Niko puxou gentilmente os cabelos negros e beijou os lábios de Félix. Aquelas almas tão distintas compartilhavam uma mesma necessidade, estarem juntas. Sorrisos de cumplicidade e olhares interligados um no outro eram consequências daquele amor.

– Dá pra acreditar?... – Disse Félix enquanto seus dedos longos passeavam pela pele de Niko. – no quanto eu tive sorte de ter encontrado você.

– Você nunca desistiu de mim Félix. – Afirmou Niko já emocionado. – Por quê? O que você viu em mim além de dor e confusão?

– Acho que isso não tem uma explicação e nem ‘’Por quês”, simplesmente você valia a pena... – Félix se aconchegou deitando a cabeça no ombro de Niko e mirou o céu. – Tá vendo essas estrelas? Elas não tem uma ordem ou um sentido, elas são uma confusão. E pra mim você era isso Niko... Uma bela confusão.

Aquelas palavras doces tiveram seu efeito em Niko, veio em formas de lagrimas. Félix virou de frente para ele depositando vários beijos em sua face molhada, por fim o beijou na boca demoradamente e com um sorriso terno perguntou:

– Você tem que sempre se emocionar com tudo é?

– Acho que esse é o meu jeito de demonstrar... - Niko lhe sorriu de volta. -... O quanto você mudou a minha vida.

Beijaram-se mais algumas vezes e depois voltaram à posição de antes, só que agora era Félix que abraçava Niko por trás.

– E por falar em estrelas... – Comentou Niko. – eu me lembro muito bem que alguém prometeu contá-las pra mim. – Félix sorriu e olhou Niko nos olhos.

– E eu conto Carneirinho, conto todos os dias.

Permaneceram assim, naquele abraço aconchegante e olhares apaixonados, porque era assim que suas almas almejavam ficar; em um abraço caloroso e interligadas pelo olhar sensível do amor, pois elas se pertenciam assim como as estrelas pertenciam ao céu. Félix prometeu contar as estrelas e Niko tinha um universo inteiro dentro de seus olhos.

****** FIM ******

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.