Fábulas de Sangue
Epílogo
Amarrada dentro de um tronco de árvore oco, numa floresta morta e terrivelmente habitada, Chapeuzinho Vermelho acordou pela vigésima vez em seu cativeiro. Perdera a noção do tempo naquele lugar e já trocava o dia pela noite, seu relógio biológico tão confuso quanto seu corpo faminto.
Era noite, ela soube quando acordou. Não conseguia precisar a hora porque sempre era um breu dentro daquela árvore. Porém, toda vez que o sol sumia pelo firmamento uma criatura medonha começava sua cantoria em algum lugar ao longe.
O seu carrasco abriu a portinhola e apareceu trazendo um lampião na mão. Ela apertou os olhos, incomodada com a luz súbita. Tratava-se de um troll de baixa estrutura, mas muito sólido. Pouco se comunicava com ela e tinha tendência a ficar furioso se Chapeuzinho não comesse a insólita refeição que ele lhe deixava duas vezes ao dia. Desta vez ele não estava com uma tigela na mão. Não era hora de refeição. O troll simplesmente deixou-a ali com o lampião e saiu novamente sem fechar a portinhola.
Alguma coisa diferente aconteceria. Ela não ficou nada confortável com isso.
Uma sombra tomou forma da saída do cativeiro e foi entrando agachada pelo estreito espaço. Vestia uma capa negra e um capuz igualmente misterioso. Chapeuzinho soube imediatamente quem era.
A sombra deixou de ser uma sombra quando revelou mais cores em sua negra vestimenta. Agachou-se diante da encarcerada fábula, retirou o capuz e abriu a capa. Um rosto lindo de menina, de intensos cabelos loiros, encarou-a. Sua roupa por debaixo do tecido preto era um vistoso vestido azul celeste vincado na cintura. Alice emanava uma aura pura.
— Me tire daqui. — Chapeuzinho Vermelho, sua equivalente em beleza juvenil, implorou.
Alice do País das Maravilhas cravou seus olhos azuis nela, parecia sentir pena.
— Aquele dedal não tinha valor, e muito menos o Chapeleiro.
Chapeuzinho começou a chorar.
— Por favor...
— Eu queria que a pista fosse verdadeira. Queria muito.
— Você não precisa me machucar... — Chapeuzinho soluçou desesperada tentando encolher-se para longe de Alice. As feridas da outra tortura ainda ardiam em suas costas.
A loira ajeitou a tiara de pano e balançou a cabeça. Sua voz era quase a canção de uma Lolita ingênua ao dizer:
— São tempos de guerra.
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