Despediu-se do xerife deixando-o com sua névoa de tabaco e a promessa de ligar para a irmã e averiguar o desaparecimento da Cigarra. Rosa Vermelha era a humana que administrava a Fazenda nos dias atuais. A localização do lugar ficava ao interior da cidade de Nova York, em dezenas de hectares arborizados responsáveis por abrigar as fábulas incapazes de viver entre os humanos devido suas condições morfológicas. Na Fazenda, por exemplo, a suspeita Cigarra podia ser apenas o inseto cantarolante que era.

Para adquirirem a aparência dos homens, os seres mágicos deveriam recorrer ao “glamour”. Uma poção púrpura, de valor significativo, que a daria uma forma humana para caminhar na cidade. Para Branca de Neve, e alguns outros membros da comunidade, pelo menos, não se precisava ser refém desta poção.

Ela voltou para o gabinete da prefeitura e Príncipe Encantado já não estava mais lá. Aliviada de não ter de olhar para ele nas próximas horas, sentou-se em sua mesa e organizou a papelada daquela manhã. Despachou memorandos, leu cartas de cidadãos insatisfeitos com o mandato do prefeito, cobrando promessas jamais compridas na época eleitoral, e buscou responder com grande compreensão (e satisfação) de que o prefeito em breve colocaria suas promessas em prática.

Por dentro sorria sarcasticamente, pensando na resposta mais justa aos antigos eleitores do ex-marido “Vocês o colocaram aqui, seus idiotas. Agora aguentem as consequências”.

A tarde chegou e o silêncio do seu trabalho foi interrompido por Papa-Moscas entrando com duas trouxinhas quadradas na mão. Depositou uma diante da vice-prefeita.

— Seu almoço, Srta. Branca.

— Obrigada, Papa-Moscas.

A mulher colocou os papéis de lado e pegou sua refeição, preparada diretamente da cozinha para os funcionários do edifício. Normalmente era só ela, o faxineiro Papa-Moscas, o Garoto Azul e os porteiros quem comiam as marmitas.

Príncipe Encantado gastava verba da prefeitura almoçando fora todos os dias, Bela e Lorde Fera comiam em seu próprio apartamento e Bigby se alimentava quando lhe era conveniente, e do que lhe era conveniente.

— Senta aqui comigo, Papa-Moscas. — convidou Branca. Sentia-se um pouco solitária aquela manhã e gostava da companhia do faxineiro.

O homem ruivo tirou seu boné, acomodou-se na cadeira adiante e colocou sua marmita no colo, abrindo-a.

— E então? Está ansioso pelo Baile dos Falcões? — puxou assunto, pegando a primeira garfada de sua salada.

— Não sei, Srta. Branca. Já tô é com preguiça de ter que limpar todo o salão.

— Vamos arrumar mais ajudantes. Quero saber se já fez sua máscara?

— Eu não fui convidado. — disse sem parecer chateado por isso.

— Como não?

— Príncipe Encantado, digo, o Prefeito, mandou eu ficar no meu lugar e cuidar da sujeira que for aparecendo.

Irritada, desfez a ordem:

— Ele é o Prefeito, não tem nada com que se importar com os convidados. Eu estou diretamente te dispensando de ficar na faxina durante a festa. Você vai procurar uma máscara e vai aproveitar a noite, Papa-Moscas.

Tímido, a desengonçada fábula sardenta sorriu.

— Obrigado, senhorita.

— Não precisa agradecer.

O Baile dos Falcões fora concebido por ela e pela princesa Bela para arrecadar fundos aos cofres da cidade. A maior parte seria usada para a instituição das Fábulas Enfermas e Desabrigadas. Príncipe Encantado fez favor de se intrometer no projeto, saindo do seu típico papel de galã farrista, e querendo descobrir o quanto realmente a prefeitura lucraria com o evento. Branca e Bela o ludibriou nos números reais para que o cretino não roubasse todo dinheiro em prol de sua corrupção. Ainda assim, ele continuava a se intrometer. Quis participar da lista de convidados, da decoração, da música, da comida... Vinha infernizando a mulher de todas as formas. Mas não iria brandir o dedo e dizer quem poderia ir ou vir no salão de festas. A ideia inicial fora de Branca, o desenvolvimento também, e ela convidaria quem quisesse.

— Vão tocar a música do Falcão Valente na festa? — Papa-Moscas perguntou subitamente.

— É a essência do repertório. Você gosta?

— Eu gosto, embora ache triste.

— É uma canção melancólica mesmo.

A festa toda tinha como temática a lenda do Falcão Valente. Uma canção popular nas terras mágicas, que as crianças e os animais aprendiam e os adultos não esqueciam. Todos deveriam estar usando máscaras da imponente ave no baile para ilustrar o tema.

Depois do almoço, Papa-Moscas despediu-se e Branca de Neve retornou aos seus deveres. Volta e meia pensava em Cigarra e no que a irmã teria a dizer sobre aquilo, mas ainda era cedo demais para contatar Rosa Vermelha. Como administradora da Fazenda, passava praticamente o dia inteiro fora de casa, só retornando no finzinho da tarde.

Foi no último horário do sol que Branca terminou suas tarefas e subiu para o próprio apartamento. Com o corpo moído e um pouco de dor de cabeça se rendeu aos medicamentos mundanos engolindo uma aspirina. Então tirou seu terninho lilás e entrou na relaxante água quente da banheira.

Refez o dia na cabeça, e por de trás da papelada e do insuportável Príncipe Encantado no início da manhã, vinha à imagem do xerife. Não era todo dia que se viam. Somente quando argumentos e desculpas calhavam que se reencontravam. Mantinham uma distância segura e estranha um do outro. Ela, acima de tudo. Depois do seu terrível casamento a um milênio atrás, relacionar-se amorosamente estava riscado terminantemente dos prazeres de sua vida. O que não a impedia de enxergar Bigby com constante interesse.

Olhar não fere! Pensou, recordando as palavras de Rosa Vermelha quando Branca a repreendeu por estar flertando com o larápio João das Lorotas.

A irmã lhe veio à mente nesse instante. Saiu rapidamente da banheira enrolando-se na toalha. Aquele era o horário ideal para ligar para Rosa Vermelha. E, independente da resposta, ainda possuía mais uma desculpa para falar com o xerife naquele dia.

Foi para sala, pegou o fone e discou...