No dia do baile, Branca de Neve acordou com uma estupenda dor de cabeça. O motivo, obviamente, era porque teria de voltar a encarar o prefeito depois de uma gloriosa semana sem ter de olhar para sua abjeta presença. A descoberta do desvio do dinheiro daquelas mãos ladinas, somado ao episódio brutal (e curioso) de agressão entre o Príncipe e Bigby, permitiu ao régio senhor de Woodlands toda a argumentação necessária para o afastamento dela do cargo. Ela continuava como vice-prefeita, mas agora não podia frequentar mais o gabinete da prefeitura. Certamente o Príncipe Encantado não queria encarregar-se das obrigações estabelecidas a Branca para aquele evento, portanto só a deporia do cargo ao fim do baile.

Ela levantou-se, pulou o café da manhã porque a dor a deixava enjoada, e encaminhou-se para o salão de festas no décimo nono andar. Logo no elevador confrontou o olhar hesitante de Lorde Fera, também conhecido como o novo xerife da Cidade das Fábulas.

— Bom dia, Srta. Branca. — ele sorriu cortesmente enquanto ela entrava.

— Bom dia. — respondeu azeda.

— Faz uma semana que não a vemos. Bela tentou entrar em contato com você, mas não atendeu a porta. Não estava no prédio essa semana?

— Vou dar um conselho, Lorde Fera. — disse perdendo a paciência. Refletiu muito durante os dias posteriores de solidão e chegou a conclusão de que não havia casal mais “morno” do que ele e sua senhora para se confiar ou desconfiar — Para que meus aliados de outrora se mantenham bem e confortáveis por aqui, o melhor, o mais inteligente, é pararem de tentar jogar dos dois lados.

Lorde Fera arregalou os olhos, surpreso por receber palavras grosseiramente sinceras. Depois pigarreou, coçou o pescoço, virou-se para frente e saiu afoitamente quando o andar em que ficava o gabinete do xerife chegou.

Satisfeita com seu desabafo, Branca de Neve entrou ao salão de festas com os ânimos mais flexíveis. Avistou os faxineiros e o pessoal contratado da decoração trabalhando arduamente para transformar o evento num acontecimento impecável visualmente. Embaixo do gigantesco chafariz, no centro do salão, a orquestra da noite afina seus instrumentos. No palco, Papa-Moscas e Garoto Azul pregavam a faixa dourada com os dizeres “Bem Vindo ao Baile dos Facões”. Vendo rostos amigáveis, ela aproximou-se.

— Como andam os preparativos, rapazes?

Garoto Azul sorriu da escada e respondeu:

— Tá tudo bem, Srta. Branca! Todos os convidados confirmaram presença. Daqui algumas horas teremos casa cheia.

— E estão fazendo empadinhas na cozinha. Dezenas de empadinhas! — exclamou Papa-Moscas exultante.

— Se a benfeitoria almejada não foi alcançada, pelo menos faremos algumas fábulas felizes esta noite. — ela disse em tom de reflexão.

Os dois terminaram de instalar a faixa e desceram das respectivas escadas.

— Srta. Branca, ainda vou poder frequentar o baile? — era a dúvida de Papa-Moscas.

— Claro, porque não iria?

— É que agora você brigou com o prefeito...

— Isso não tem nenhuma relação com o que eu prometi a você. Faça sua máscara e venha se divertir às dezenove horas. — o faxineiro ficou feliz.

— Obrigado! Terminei por aqui, posso ir fazer minha máscara?

— Tá esperando o que?! — Branca lhe piscou. O servente ruivo saiu agradecendo mais.

Agora era somente ela e Garoto Azul em cima do palco, vendo a movimentação no salão e escutando a orquestra ensaiar a melodia do Falcão Valente.

— Nunca vou entender porque ele foi tão estúpido a ponto de achar que seria invencível. — comentou o rapaz.

— Quem?

— O Falcão Valente. Ele era perfeito na rapinaria, mas daí se ver seduzido a disputar seus importantes dons por uma provocação de um forasteiro. Não me parece um ato... principesco.

— E o que seria um ato principesco? O normal seria dizer que é um ato estupidamente principesco. — ela contestou.

— Não é bem assim... — disse soturnamente — Robin Hood foi um príncipe e ele era nobre no verdadeiro sentido da palavra, Srta. Branca.

Branca sentiu-se consternada. Sabia que Garoto Azul vira o príncipe dos ladrões sucumbir para o Adversário e suas hordas assassinas.

— A verdade é que, embora haja o título, no fim das contas somos todos fábulas, não deuses acima do bem e do mal.

— Vice-prefeita, eu e Bufkin estamos convocando algumas fábulas que não estão de acordo com a forma leviana que o Príncipe Encantando vem administrando a cidade. Nós vamos pressioná-lo a não te destituir do cargo. Ele não tem esse direito!

Ela lhe sorriu com gratidão, embora achasse que sair definitivamente da prefeitura viesse a ser aquele peso nos ombros que há tanto tempo ela gostaria de tirar.

— Talvez não seja inteligente mostrar ao prefeito que está do meu lado, Garoto Azul. Aconselho-o ao inverso, aproximar-se dele e descobrir que falcatruas arma. Sempre te achei competente suficiente para assumir a vice-prefeitura.

— Obrigado pelo voto de confiança, mas a melhor fábula para assumir as rédeas da nossa comunidade sempre foi a senhorita. — o relógio do salão badalou anunciando a chegada das dez horas da manhã — Ah, está na hora de dar comida para meus canários!

— Se apegou mesmo a esse presente, não? Onde os conseguiu?

— Ganhei do Contador de Histórias. São das Terras Natais. Segundo o Contador, capazes de se transformarem em grifos, mas ainda não tive tempo para ir até a Fazenda testá-los. Vou indo, até a noite!

— Até a noite.