Madrugada. Deposito do Terraço.

Caio ficou com um dos últimos turnos, foi acordado por Kátia que o ameaçou várias vezes caso ele dormisse e deixasse todos desprotegidos. Sonolento ele ajeitou seus óculos e ficou com o machado perto da mão direita, caso algo acontecesse seria necessário agir rápido, já que todos estavam de certo modo indefesos.

O ferimento de Jonathan estava cicatrizando aos poucos. Kátia e Alice arranjaram um jeito de amarrar a camisa do uniforme em seu braço de um jeito firme, para parar o sangramento, mas ainda doía e elas estavam cientes que John corria perigo de vida naquele estado.

Caio quase fechando os olhos, eles estavam pesados e ele sentia como se não tivesse dormido nada, observando a pequena bailarina Caio sorriu. Karine abriu os olhos e devolveu o sorriso para o amigo de olhos cinzentos, ela simpatizou com ele mais do que qualquer um no grupo. Caio corou e desviou o olhar rapidamente virando seu rosto para o lado.

Os dois ficaram acordados até amanhecer, às vezes falavam alguma coisa, mas a maior parte do tempo ficaram calados. Quando o sol apareceu por completo, era cerca de oito da manhã, hora do grupo por o plano em prática. Todos acordaram e se prepararam para sair, alongando os braços e pegando as armas.

Kátia ficou com um pedaço de ferro, John indefeso devido ao machucado ficaria apenas no meio deles, Jake pegou o machado, Jorge a chave de grifo, Caio ficou com o taco de baseball, Alice e Karine ficaram desarmadas.

No momento que Jake abriu a porta de ferro, errantes se viraram para o deposito e começaram a andar, eles se moviam rápido, matando apenas o que se aproximasse demais, Kátia ficou de costas, apenas atacando os errantes que se aproximassem por trás deles.

No momento em que corriam, identificaram vários amigos, estudantes, professores, algumas pessoas eram irreconhecíveis a escola estava cheia deles, o grupo sabia que não seria fácil fugir ileso.

Chegando à saída, eles hesitaram.

No momento que começou a crise no dia anterior, devido ao pânico todos os estudantes tentaram sair de uma vez, causando tumulto na entrada, e lotando o lugar. Depois de uma noite, o lugar estava crítico, alguns errantes avançaram no grupo, o cercando, nenhum dos sobreviventes hesitou, até Caio e Jake que eram sedentários, usaram suas forças para esmagar aquelas cabeças fedidas, Karine agarrou a camisa por trás de Caio e ele pediu que não soltasse até que saíssem, para mantê-la segura.

Jake abriu a porta de entrada e eles saíram da escola sem pensar duas vezes, a rua estava quase na mesma situação, mas estava melhor do que lá, como era um lugar ‘’livre’’, as pessoas fugiram para lugares fechados, deixando as ruas quase vazias já que os zumbis as seguiram. Havia fumaça saindo de algumas lojas, e o silêncio dominava a cidade.

Kátia foi até as bicicletas e acertou a corrente que prendia uma delas, pegando e sobindo na bicicleta conforme o que o grupo tinha planejado, John se juntou a ela, e os outros pegaram outras bicicletas.

Pedalaram rápido, todos sabiam que o quanto mais demorasse em um lugar tão arriscado, pior ficaria.

Chegando à rua de Annie, ela era extensa e havia casas simples da cidade, mas uma delas era maior que o normal, cobrindo dois lotes, facilmente identificada, estava uma casa velha, porém elegante e bonita, a casa onde a jovem Annie morava.

–Ela é um pouco rica. – Comentou Jake sorrindo.

O grupo parecia ter se entusiasmado com a casa, pedalaram mais rápido, algumas vezes durante o caminho desviaram de vários errantes, Caio se divertia se sentindo num jogo de corrida.

Todos saíram da bicicleta, Jorge pegou uma pedra, e jogou na janela mais próxima da porta, já que a grade do portão era alta e estava trancada. Ninguém os recebeu, nenhum sinal de vida.

–Vamos invadir. – Falou John.

Karine esticou os braços e Kátia a levantou, subindo com facilidade, ela ajudou os outros e todos conseguiram, embora mais de uma pessoa tivesse que levantar Jonathan.

Jorge correu até a porta e bateu nela. Jake o seguiu, fazendo o mesmo.

Nada.

O ruivo olhou triste para o amigo.

–Eu não entendo, ela é tão, esperta... ela não pode ter perdido pra aquelas coisas...

A porta se abriu e todos levantaram as cabeças, eles sentiram vontade de gritar vivas, porém se calaram antes mesmo de falar, uma jovem alta, loira de cabelos ondulados apenas nas pontas, magra e bonita, com seus olhos negros e temíveis. Apontava a faca para frente segurando o objeto com as duas mãos de forma firme e determinada. Uma pequena garota estava atrás dela, com suas pernas tremendo, agarrando a blusa de Annie.

–Ah, são vocês, eu to tão feliz que estejam vivos, seus idiotas, deviam ter me atendido. – Disse Annie soltando a faca e abraçando Jake e Jorge ao mesmo tempo.

O grupo entrou e a irmã de Annie já não estava na sala, ela havia corrido para um dos corredores, a casa era grande de certo modo, havia coisas frágeis por todos os cantos, quadros lindos, o local era extremamente aconchegante. O grupo não pensou duas vezes ao ouvir o pedido ‘’sentem-se’’ de Annie, todos se aconchegaram no sofá e Annie tranou a porta. Jake explicou a situação.

– Eu havia faltado pra cuidar da Emily, já que ela tinha pegado um resfriado, fui ao mercado, e percebi o que estava acontecendo, corri para a casa de modo discreto e o resto eu entendi pelo que a televisão me informou. – Contou Annie para todos que estavam presentes na casa.

Emily era a irmã mais nova de Annie, olhos pretos, cabelos pretos e cacheados, e era extremamente tímida.

–Vamos acomodar vocês, afinal minha tia viajou, e você sabe que não vivo com meus pais, quando todos tomarem um banho e comermos algo, conversamos sobre o que vamos fazer. – Disse Annie séria, olhando para o estado de todos, roupas rasgadas, sujas, John estava machucado, ela percebeu o quanto deu sorte ao se comparar aos amigos.

Depois de um tempo, todos estavam limpos e de barriga cheia, Annie pegou um kit de primeiros socorros e ajudou Kátia a cuidar de John, seu braço estava começando a fechar por completo, John choramingou, a mão era absolutamente necessário em seu esporte favorito, o jovem notou que nunca mais jogaria como um dia jogou basquete.

Depois dos acontecimentos a cidade passou a ser silenciosa, o céu estava fechado, havia apenas uma mancha do sol, coberto por nuvens. Havia neblina no local, era possível ver alguns errantes nas grades do portão da casa, e eles pareciam estar se acumulando no portão.

Annie percebeu a situação lá fora e logo abriu os pensamentos para os amigos.

–Então não podemos ficar aqui? –Indagou Alice confusa.

–Olha podemos, mas a riscos dessas criaturas se acumularem no portão e o arrancarem. A casa é velha e não parece resistir a tanta força.

–Então pra onde vamos? – Disse irmã de Annie se esticando para pegar uma xícara no alto da prateleira, para beber café.

–Esse é o problema, alguém quer tentar algum lar de vocês?

–Vamos tentar a casa do Jack? – Nesse momento Jack engasgou com o suco que estava bebendo e Annie riu dele.

–Então vamos pra minha casa?

–Todos de acordo? – Perguntou Annie sorrindo.

Eles pareceram extremamente tristes em saber que deixariam a linda casa de Annie tão cedo, para ir para as ruas novamente, enfrentar a sociedade de forma ‘’diferente’’, porém assentiram.

–Amanhã. – Disse Kátia quebrando o silêncio, todos sorriram e concordaram.

A turma de pessoas se misturou pela casa, cada um foi para um canto diferente, Annie foi mostrar seu arco e flecha a sua nova amiga Kátia. Alice foi conversar com Emily enquanto assistiam aos filmes das prateleiras e devoravam um pote de sorvete.

John ficou na cozinha em um jogo de cartas com Caio, Percy e Jorge. Porém Caio se levantou e foi atrás de Karine e deixou os amigos jogando.

Depois de um tempo procurando Kátia ele a encontrou, no segundo andar, em uma sala vazia com um rádio, a sala era sem móvel algum, provavelmente o local não era usado, a parede virada para as ruas era formada apenas por janelas de vidro. Karine estava encostada na parede, com uma almofada olhando para a janela, enquanto escutava a rádio. Na rádio estava tocando músicas clássicas e a jovem bailarina nem notou a presença de Caio.

O garoto hesitou diante da situação, por um momento pensou que ela estivesse chorando, mas estava apenas sem expressão, admirando a música calma e sonolenta.

–Er... Karine... – Sussurrou Caio tentando agir de modo natural.

Ela virou a cabeça para o lado, e notou a presença dele.

–Caio! Er... Sente-se. – Ela disse sorrindo imitando o amigo.

Ele sorriu e sentou ao lado dela.

–Você gosta de música clássica? – A jovem disse prendendo seus cabelos pretos com mechas vermelhas.

–Minha mãe sempre ouve, eu me acostumei com a música.

–Quer que eu desligue?

Caio balançou a cabeça rapidamente para os lados. Fazendo-a sorrir mais uma vez.

A música mudou, agora era apenas uma música tocada por violino, fazendo Karine se levantar.

–Eu criei com uma amiga, uma coreografia para essa música. Quer ver? – Ela disse sem contato visual com caio, a jovem bailarina estava usando um short curto e uma camisa de mangas compridas listrada.

Caio assentiu várias vezes ajeitando os óculos e ficando tão vermelho quanto um tomate.

No momento que Karine começou a dançar, seus movimentos pareciam suavizar o clima, ela parecia estar conectada com a música, como uma boneca programada, mas de modo solto. Ela não fazia esforço algum em mover os braços e girar pela sala, de acordo com a música. Até que a música acabou e ela sentou mais próxima a Caio, Caio elogiou a música e a dança, enquanto falava percebeu que a jovem bailarina, dormia em seu ombro, ele se calou e apenas encostou sua cabeça na dela fechando os olhos.