Fraqueza

Capítulo Único — Ilusão e Realidade


Fraqueza

Por: Archie-sama

Capítulo Único — Ilusão e Realidade

Essa é minha palavra, esse é o meu caminho
Me mostre um sinal, me leve para longe
Essa é minha palavra, destruidor de corações, guardião
Eu estou me sentindo longe, estou me sentindo bem ali
Fundo em meu coração, fundo em minha mente
Me leve embora, me leve embora
Essa é minha palavra, criador de sonhos, ladrão de vidas
Abra minha mente
Tudo em que eu acredito é um sonho que desaba sobre mim?
Tudo o que eu possuo é apenas fumaça e espelhos?
Eu quero acreditar
Mas tudo o que eu possuo é apenas fumaça e espelhos?
Smoke and Mirrors — Imagine Dragons

“Desde que eu era criança... Mikasa. Eu sempre te odiei.”

Aquelas palavras ecoavam em espiral na cabeça de Mikasa, deixando-a tonta. E, embora fosse o tipo de pessoa que sempre tentava se manter firme, já não conseguia conter as lágrimas que surgiam nos cantos de seus olhos. Seu coração batia depressa cada vez que se recordava do olhar de Eren ao dizer aquilo — mas não de um jeito agradável.Eram batidas que doíam, que lhe tiravam o ar. Aquele olhar era duro, insensível. O olhar de alguém que não conhecia.

Aquele não era o seu Eren.

O rapaz que conhecia podia ser teimoso e impulsivo, mas se importava com os amigos mais do que com qualquer outra coisa. Ele também tinha um coração nobre e orgulhoso — ainda que a ideia de vingança contra os titãs o tivesse cegado por muito tempo — e não media esforços em favor da humanidade. Eren era alguém que sempre buscava dar o seu melhor, fazer o correto, apesar de tudo.

Mas ele não parecia o mesmo agora.

Aquele não era nem de longe o garoto que a salvou um dia... Ao menos não parecia ser.Aquele que via a sua frente era apenas uma sombra do que um dia foi Eren. Era alguém vazio, alguém que procurava esconder os sentimentos por trás de uma máscara de frieza. Aquilo não podia estar certo.

Havia algo de muito estranho acontecendo, Mikasa só não sabia o quê. Tudo parecia fora do lugar, nada fazia sentido. Por quê? Era o que se perguntava. Quando as coisas se tornaram desse jeito? Não conseguia nem imaginar... Eren jamais a chamaria de escrava. Não o seu Eren.

Fitou-o discretamente, enquanto era levada em direção a algumas carruagens — provavelmente onde encontraria o restante da Tropa. Eren estava bem mais alto do que se lembrava e os ombros dele, largos e rígidos, pareciam uma fortaleza impenetrável. Nunca havia visto tanta imponência em sua maneira de andar. O que havia acontecido, durante aqueles anos que passaram separados, que o tornara alguém tão diferente?

— Floch, leve-o com você — ditou Eren, jogando Armin, que estava com as mãos presas atrás das costas, com brusquidão para os braços do cúmplice.

— Tudo bem — o outro concordou, segurando o Arlert pela gola da camisa; tinha uma arma de grande porte em punho. Armin olhou para Eren com os olhos brilhando de ódio e incompreensão, e as narinas inflaram-se, mesmo que seu rosto machucado latejasse ao mínimo movimento. — Mas pensei que fosse levá-los você mesmo, Eren. O que te fez mudar de ideia? — Floch questionou, encarando o líder em dúvida.

O Jaeger lançou uma olhadela para Mikasa, que era segurada fortemente por outro membro de sua resistência. Preocupada com Armin, a Ackerman fitava Floch com intenção assassina, apesar de também estar presa e um tanto em choque pelo que havia ocorrido no restaurante instantes atrás.

— Eu vou levar um papo com essa daqui. — Eren foi sincero, apontando para ela com a cabeça. Em seu rosto não havia qualquer expressão que pudesse denunciar seus pensamentos.

Mikasa apertou os olhos, sentindo o coração praticamente afundar no peito. Quando havia deixado de ser “Mikasa” para ser “essa daqui”? Quando foi que a relação deles se tornou tão distante e quebrada? Não conseguia compreender. Não queria compreender.

— O que vai fazer com a Mikasa?! — Armin inquiriu, remexendo-se com raiva. As algemas só pareceram ficar mais apertadas, e Floch deu um puxão em seu cabelo, apontando a arma em seu rosto e negando com a cabeça como se dissesse“reaja e estará morto”.— Você já não a machucou o bastante, Eren?! — bradou mesmo assim, sem se deixar intimidar. — Se você tocar um dedo nela, eu juro que vou-

Ele foi interrompido pelo simples olhar de Mikasa, um sinal que ela lançou a ele. Assegurava que não deveria se preocupar, porque ela sabia se defender muito bem. E, a julgar pelo modo como a garota parecia irredutível, mostrava que ela precisava disso. Já Eren demonstrava somente indiferença, pois não importava o que fosse dito, nenhuma das ameaças de Armin fariam efeito nele.

O loiro ficou quieto e engoliu em seco, sentindo sua garganta arranhar. Tinha medo do que poderia acontecer. Medo de que os três nunca mais pudessem voltar a ser o que eram antes. Era um medo crescente e, do seu ponto de vista, cada vez mais real. Aquele não podia ser Eren. Não podia ser o seu melhor amigo, aquele com quem havia compartilhado sonhos e objetivos de toda uma vida. Quando foi que nos perdemos assim...? Era uma pergunta para a qual não tinha respostas.

Armin até poderia dar um jeito de se transformar no Titã Colossal, visto que Floch e os demais — o que não incluía Eren — não seriam páreos para ele. Mesmo estando preso, poderia empurrá-lo com força e dar um jeito de ferir sua mão, ativando, assim, o seu modo titã. Sabia que, se fizesse isso, não levaria dois segundos para que Mikasa também estivesse livre das algemas e lutando com impetuosidade ao seu lado — ela não morreria tão fácil.

Mas se conteve.Tinha que ser cauteloso, precisava levar em consideração a destruição que causaria. De qualquer forma, Eren possuía o Titã de Ataque e o Martelo de Guerra, o que dava a ele toda a vantagem. Ele venceria a luta em poucos minutos, afinal, além de o Titã Colossal ser gigantesco — precisava de uma extensa área aberta para se transformar — e extremamente lento em reflexos, Mikasa também nunca poderia atacar o Jaeger seriamente. Tanto por causa de seu sangue quanto pelo seu amor e devoção por ele.

Estavam sem saída.

O Arlert estava com muita raiva e tristeza acumulados em seu coração, era verdade, porém nunca fora um rapaz de se deixar levar pelo emocional. Depois de todos aqueles anos, podia dizer que também era um verdadeiro soldado. Podia não ser o mais forte, mas era inteligente, racional, perspicaz. E estava curioso. Muito curioso para saber quais eram os planos de Eren, e o porquê de ele estar agindo como um completo lunático.

Precisava de informações; tentaria bolar um plano mais para frente, algo que pudesse livrar sua pele e a dos outros daquela situação surreal. Por isso se acalmou, fazendo Floch soltar-lhe, e bufou, endireitando o corpo. Seu olho inchado doía e os outros machucados ardiam um pouco, entretanto procurou não se importar. Queria ver até onde aquilo iria.

— Nos vemos mais à frente. — Floch se despediu de Eren com um aceno de cabeça e agarrou Armin com certa violência — para mostrar que estava no comando —, obrigando-o a andar. Antes de ser levado, contudo, o estrategista lançou um último olhar para a amiga. “Cuide-se”, era o que queria dizer. Ela assentiu sutilmente, tentando passar a ele a certeza de que tudo ficaria bem. Sim, aquilo não passava de uma fase ruim.

E Floch seguiu com ele para uma das muitas carruagens cobertas, jogando-o lá dentro com brutalidade. Armin caiu e bateu o rosto no chão de madeira, protestando de dor e cólera.

— Armin! — alguém o chamou, alarmado. Ergueu a cabeça e deu de cara com Hanji, que o olhava preocupada. Jean, Connie e Nicolo também estavam lá, todos presos e sendo vigiados por homens armados do lado de fora, os quais mantinham uma expressão de seriedade. Até mesmo Gabi e Falco estavam presentes, o último desacordado sobre o colo de Hanji desde que ingerira, por acidente, um pouco do vinho com fluido espinhal de Zeke Jaeger. — O que houve com você?! — a Comandante indagou, surpresa com seus ferimentos.

— O Eren fez isso, não fez?! — Connie gritou, indignado. Já desconfiava do Jaeger há algum tempo, mas aquilo só o fazia ter certeza de que ele era mesmo um traidor. Jean, logo ao lado, não conseguia fazer nada além de uma expressão completamente sombria. Fúria e incredulidade mesclavam-se em seu rosto, e sua mente estava a mil. O que porra está havendo aqui?

— Calados! — Floch, que ainda observava tudo do lado de fora, exclamou com impaciência. Não era como se ele quisesse ser inimigo de todos ali, mas… não podia fazer nada. Lutar pela causa de Eldia era mais importante que tudo no momento, e estar ao lado de Eren era o que os faria vitoriosos. Aquela era a chegada de um novo império. Então, até que o Jaeger cumprisse seus objetivos, todos aqueles que eram contra isso seriam jogados na cadeia. — Levanta, Arlert!

E, sendo cutucado nas costas pelo cano da arma do rapaz, Armin apenas sentou ao lado de Hanji, balançando a cabeça numa negativa para o olhar interrogativo dela. Realmente não estava a fim de falar sobre aquele assunto. O golpe em seu coração ainda era recente demais, e aquela ferida em específico demoraria bastante para cicatrizar.

A próxima parada era Shiganshina...E ele não fazia ideia do que o aguardava, mas ainda assim sabia que a situação, independentemente das circunstâncias, não seria nada feliz.

* * *

Enquanto os outros não foram na frente, Eren permaneceu calado ao lado de Mikasa, sem olhá-la. Ela apenas aguardava o momento em que ficariam sozinhos naquela área aberta. Ou pelo menos quase sozinhos, já que uma carruagem ainda iria esperá-los a alguns metros. Pouco depois, Eren mandou que o rapaz que a segurava também fosse embora — sabia que ela não reagiria, no fim das contas — e só se virou para ela quando teve certeza de que ninguém poderia ouvi-los. A moça, por sua vez, o mirou intensamente, vasculhando o rosto masculino em busca de algum sinal de que Eren, o seu Eren, ainda estava ali. Tinha esperanças de que tudo aquilo fosse apenas um longo e terrível pesadelo.

A realidade era difícil demais de aceitar.

— Seu olhar me incomoda… Mikasa — ele disse finalmente, despertando-a de seus devaneios. Havia voltado a ser Mikasa agora que estavam a sós? A voz dele, rouca e arrastada, denotava o cansaço que o impregnava.

Ela o ignorou deliberadamente, mantendo seu olhar analítico sobre ele.

— Quando essa farsa vai acabar, Eren? — indagou, com súplica na voz. As sobrancelhas franziram-se e os olhos escuros tremeluziram com as lágrimas que ameaçavam escorrer, mas que foram seguradas firmemente. Estava tão confusa, tão preocupada… Ainda não conseguia acreditar em nada do que havia acontecido ao redor daquela mesa.

Eren soltou um riso nasalado, piscando os olhos lentamente.

— Você é mais inteligente do que isso — alfinetou, sem perder sua pose indiferente.

— Eu apenas sei que esse não é você! — Mikasa afirmou, nervosa. Sua respiração perdeu o compasso. Se estivesse com as mãos livres, elas certamente estariam apertando os braços dele, quase a ponto de sacudi-lo para que recobrasse a consciência. — Por que não me diz o que está havendo...? — Aproximou-se dele um passo, sem deixar de encará-lo. — É algo tão ruim para que você queira nos afastar dessa maneira? — O temor no olhar dela era tamanho que fez as pálpebras do Jaeger tremerem por um momento, ao mesmo tempo em que ele deixava escapar um leve“tch” de irritação. Mikasa sempre o afetava assim.

Baixou o rosto até o dela, os olhos estreitos, e questionou em tom ameaçador:

— Você ainda não entendeu a situação, não é? — Ela ficou quieta, mas o olhou duramente. — Não me surpreende — ele continuou. — Você é ingênua, Mikasa.

Ela sabia que não era. Eles haviam crescido juntos, eram melhores amigos há dez anos… Como poderia não conhecê-lo? Não era ingenuidade, eram fatos. Eren jamais agiria daquela maneira sem ter um bom motivo.

— Eu posso estar sendo tola, mas… — Mikasa parou por um instante, parecendo refletir. — Se eu sou alguém que vive unicamente pelos instintos, como você diz… Então, não estou errada — disse com convicção, usando o argumento dele a seu favor e pegando-o de surpresa.

Ele se deixou afetar por poucos segundos, no entanto.

— Gosta de estar atada a mim como uma escrava, não é? — Eren perguntou retoricamente, os olhos transmitindo um ódio nunca antes visto por ela. O intuito era feri-la ainda mais. Afastá-la. Acabar com qualquer noção de amizade que ela ainda parecia sustentar.

Mikasa engoliu em seco, contraindo a mandíbula tanto pela mágoa que começava a surgir em seu interior, quanto pela dor de estar silenciosamente deslocando a própria mão para livrar-se das algemas. Ainda que não quisesse se deixar levar por aquela máscara, não podia negar que estava profundamente abalada com tudo o que ele havia dito.

— O que foi, Mikasa? — o Jaeger escarneceu, arqueando uma sobrancelha. — A verdade sempre te deixa sem palavras assim?

O som do tapa que ecoou pelo vento foi a única coisa audível além da respiração deles. Alguns pássaros voaram para longe. O tempo pareceu parar por um milésimo de segundo.Um filete de sangue escorreu novamente pelo nariz de Eren — que já estava sensível desde o soco que ele levou de Armin —, e ele fitou Mikasa com um olhar indecifrável, enquanto secava o sangue com as costas da mão.

Mikasa jamais conseguiria feri-lo a sério, isso era verdade. Mas, desde que eram crianças, sempre batia nele quando julgava necessário, e agora não seria diferente. Estapeá-lo foi inevitável. Sua mão direita ficou vermelha e o pulso já começava a inchar, a dor lancinante da luxação incomodando ao ponto de fazê-la soltar um resmungo irritado. No entanto, se fosse comparar aquele tipo de dor física com a dor que apertava seu coração no momento, estava ciente do quanto ela era insignificante. Já havia suportado coisas muito, muito piores que aquilo. Afinal, estar constantemente à beira da morte fazia parte da vida de um soldado.

Mas nunca havia sofrido uma traição tão grande e lamentável quanto aquela.

Pensando nisso, não foi nem um pouco difícil para Mikasa segurar o pulso torcido com a mão esquerda — na qual a algema permanecia pendurada — e colocá-lo de volta no lugar, com os dentes trincados e um bramido de ódio.

— Nós poderíamos ter reconstruído o nosso lar, Eren. — Ela respirou fundo por conta da dor, abrindo e fechando a mão que latejava. — Eu pensei que quisesse isso também… Então, por que está seguindo esse caminho?

Eren a observava com o mesmo olhar que não entregava nada. Ela não percebeu, mas em nenhum momento ele deu sinais de que iria revidar a agressão como fez com Armin.

— Não se intrometa mais nos meus assuntos, Mikasa — ele ordenou, sério. — Como eu disse antes, eu sou livre.

— Que liberdade é essa que te faz machucar as pessoas que ama? Eu não entendo. — Ela o mirou com tristeza, deixando bem clara a sua decepção com as escolhas que ele parecia estar fazendo.

Algumas lembranças invadiram a mente de Eren, e seus punhos cerraram-se fortemente ao lado do corpo.

— Amor não tem nenhuma utilidade em um mundo como esse — ele afirmou, mas não sabia se era Mikasa a quem tentava convencer. — Tudo que eu ganhei por amar alguém... — As imagens de todas as pessoas que havia perdido se projetaram em sua cabeça — ...foi solidão — completou. — Amor é uma fraqueza, Mikasa. E fraqueza é algo que eu não me permitirei ter. Não mais. — Seus olhos verdes brilharam com uma determinação difícil de compreender. Amor era o sentimento que atrapalhava seus objetivos. Então, se livraria dele.

Os lábios de Mikasa ergueram-se num sorriso melancólico.

— Nisso nós concordamos. — Ela assentiu com a cabeça. — Amor é mesmo uma fraqueza. E é somente por isso que eu estou na sua frente agora, Eren.

Ele sabia que era verdade. Independente do resultado, ela poderia reagir sem preocupações se fosse qualquer outra pessoa ali. Mas não era.

O passo que ele deu na direção dela, quase acabando com o restinho de espaço que havia entre eles, foi involuntário, e sua mão começou a elevar-se devagar até o rosto feminino.

— O que você queria conversar comigo? — a Ackerman perguntou de repente, com um quê de seriedade e conformismo em seus traços asiáticos, e Eren se deu conta do que estava prestes a fazer. A mão dele recuou tão rápido quanto havia avançado, sem nem mesmo alcançar seu destino.

Ele parecia incrédulo consigo mesmo e um tanto irritado com sua falta de autocontrole.

— As consequências — ele falou de súbito, ignorando o próprio deslize, e Mikasa franziu o cenho, ainda mais confusa. — Irei lidar com todas elas. — Puxou-a com força e agilidade, prendendo os braços dela nas costas novamente. Com o impacto, tudo que ela conseguiu fazer foi soltar a respiração — que nem percebeu que havia segurado — com surpresa.

— Está valendo a pena? — a moça indagou com um ofego e não conseguiu mais evitar: as lágrimas reprimidas voltaram com força, vertendo de seus olhos sem mais impedimentos e deslizando pelo rosto já repleto de dor e cansaço.

Ela já não tinha mais forças para batalhar. Não naquele momento. Não com ele.

Eren se calou e, por um instante, a respiração dele era a única coisa perceptível em meio ao silêncio. Mikasa também pensou ter escutado o coração dele bater acelerado, mas ele realmente ainda tinha um? Talvez fosse tudo uma ilusão de sua cabeça.

— O tempo vai me responder — ele retrucou enfim. E, antes de receber uma pancada na nuca, Mikasa podia jurar ter ouvido algo como um “me desculpe”. Um sussurro levado pelo vento. Uma frase tão inaudível que talvez nem tivesse sido dita.

Seus olhos se fecharam para a escuridão.

E não havia saída. Ela devia estar mesmo delirando, porque, não, nada estava bem.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.