Four

Don't forget where you belong


Niall.

Havia momentos nos shows em que o loiro precisava se esforçar para ouvir a própria voz, sobrepondo-a aos gritos que dominavam os estádios. Mas naquele instante, durante alguns tórridos segundos –talvez minutos, não sabia ao certo-, ele não tinha voz.

O cartaz era de um verde quase fluorescente, com rechonchudas letras prateadas reluzindo “Zayn, we miss your voice”, como uma hashtag. A jovem que o segurava estava descabelada e a pele brilhava devido ao suor, erguendo-o com uma determinação cansada. Niall desviou o olhar para o próprio microfone sentindo o gosto de bile subindo-lhe pela garganta. Ouvia as vozes dos outros garotos, provavelmente fazendo palhaçadas para as fãs, porém não conseguia se concentrar nelas.

Sua atenção se voltava para aquilo que não ouvia. Zayn.

Dizia para si mesmo que vinha lidando particularmente bem com a turnê. Forçava-se ao máximo a esquecer o vazio que se estendia pelo palco, de maneira sufocante, junto com a sensação desconfortável adquirida quando cantavam as partes que antes eram os solos do moreno, e considerava-se bem sucedido. Estavam todos sorridente, no fim das contas. Não poderia estar melhor.

Ainda que seus olhos estivessem fixos no microfone e o mesmo tendo, devido as circunstâncias, se transformado no objeto mais fascinante do mundo, continuava sentindo aquelas palavras o fitando incisivamente, cutucando-o onde mais doía. Sentiu seu estômago embrulhar.

“Fala sério, quem eu quero enganar?”

Imaginou Zayn ao seu lado, o ligeiro sorriso de canto escondido por toda a agitação. Estaria encarando a plateia, tentando absorver os detalhes ao se perguntar o que diabos ele estava fazendo aqui, pensou. O moreno nunca se acostumara a fama, a bem da verdade. Enquanto para os outros quatro o tempo fizera da estéria e atenção eloquentes “normais”, ou tanto quanto fora possível, para ele continuava sendo tudo muito bizarro.

Nos últimos meses que antecederam a saída da banda, porém, o clima estava pior. Zayn não costumava reclamar em voz alta e sempre fora muito contido e reservado, mas todos podiam ver a insatisfação ou a infelicidade em quase tudo o que fazia. Fumava mais, também, ninguém podia negar. Lá no fundo sabiam que ele sempre tivera certa tendência ao desespero e a depressão, mas era absurdamente difícil admiti-lo. E vê-lo daquela forma, bom, era ainda assim chocante.

A fama com certeza não ajudava.

Niall não conseguia parar de se perguntar o que deveria ter feito pelo amigo, afinal deveria ter feito algo, qualquer coisa para ajuda-lo. Mas ao invés disso o deixara cair, escapando de seu abraço. Era quase como se ele mesmo o tivesse empurrado.

Às vezes era invadido por uma vontade arrebatadora de chorar, tamanha era a dor de tê-lo longe, ou de gritar. Talvez os dois. Seu coração pesava com tantos sentimentos que carregava.

Saudade era um deles. Saudade das horas de sossego que proporcionavam um ao outro, rindo como se não houvesse amanhã. Saudade de seus resmungos pesarosos ao ser acordado de manhã. Saudade de seu abraço firme porém caloroso, quando apertava seus ombros. Saudade dos olhares cúmplices durante as entrevistas ou mesmo nos shows, momentos efêmeros diante da vida que levavam, mas que transmitiam a força de que precisavam para continuar. Saudade de seus sorrisos reconfortantes mesmo quando ele mesmo não encontrava motivação para tal. Sentia falta até da fumaça de seu cigarro e de seu olhar vago e distante enquanto fumava.

Ao mesmo tempo uma certa raiva comprimia seu peito, lado a lado com a tristeza. Raiva por tudo que os levara àquele fim -a pressão, o jogo de mídia, a manipulação- e a tristeza ao constatar que de fato era um fim. Raiva pela situação em que estavam, desamparados e anuviados, e tristeza por não encontrar uma maneira de sair dela. Tristeza diante da visão dos amigos desesperados e raiva devido a sua impotência.

Mas, principalmente, sentia culpa. Ela martelava em sua cabeça como uma pesada barra de chumbo.

Não pôde ajudá-lo, e nunca se perdoaria. Zayn sempre estivera lá por ele, e quando o amigo mais precisara Niall não fora capaz de fazer o mesmo. Ficava até enjoado só de pensar.

Eu deveria tê-lo agarrado tão forte que nunca poderia se soltar.

Assustou-se ao sentir o braço de Louis sobre seus ombros. Piscou algumas vezes tentando focar a visão e percebeu seu olhar inquisitório por trás do anúncio da próxima música. Apenas balançou a cabeça e indicou o cartaz ao longe, envergonhado. Ele não demonstrara nenhuma reação, o rosto impassível e a respiração controlada. Mas Niall sentiu bem demais o aperto forte em seu ombro e não protestou. Quase via os pensamentos do outro se comprimindo, e entendia.

Então a voz de Liam preencheu o estádio fazendo-o se dar conta da realidade novamente. Ao longo da música inevitavelmente sua garganta fechara e a respiração ficou levemente irregular.

Os cinco estiveram nos quatro cantos do mundo, sem saber para onde iam. Nunca tinha certeza com relação ao que o futuro lhes reservava. O sucesso os tinha deixado tontos e desnorteados, claro. Foram sujeitos a tantas mudanças, tanto fisicas com psicológicas, e era difícil manter suas raízes em meio a todas aquela tempestade.

Mas sempre o fizeram.

E, apesar das controvércias, viveram um sonho incapaz de ser apagado. Se lhes fossem perguntado, nenhum deles voltaria atrás, Niall sabia. Podiam estar passando por tempos difíceis, mas contanto que mantivessem a esperança e soubessem aproveitar os bons momentos, estariam bem. Contanto que tivessem uns aos outros e nunca esquecessem de onde vieram e quem eram de verdade, tudo estaria bem. Queria poder cantá-la para Zayn, distante e intocável como estava, para que ele entendesse que, independente do que acontecesse, se soubesse o caminho de casa nada seria tão ruim. Ele nunca estaria sozinho, no fim das contas.

De certa forma o fez. Cantou para ele com todo o sentimento que reuniu em seu íntimo. Viu que Harry e Liam lançaram-lhe olhares inquisitivos e tinha certeza que qualquer um poderia perceber a diferença em seu comportamento, mas não se importava. O moreno precisava ouvir aquilo, e lá no fundo de seu coração sentiu que ele o escutava.

Don’t forget where you belong, Zayn –Murmurou baixinho para si mesmo quando os quatro se juntaram em um abraço, ao fim da música, a emoção comprimindo-lhe dolorosamente o peito.