Forget About Me

Capítulo 15 - Daylight


You and I drink the poison from the same vine

Layla aparatou na sua casa, na frente do portão de ferro. Tinha que tomar mais cuidado se não quisesse perder um membro. O choque se materializava aos poucos. De forma mecânica, entrou em casa e escreveu um breve bilhete para ser entregue a Fred, explicando que estava salva em casa. Torceu para que chegasse rapidamente, mas não conseguia se esforçar para um contato certo.

Foi direto tomar um banho. Demorou para perceber que estava molhando o cabelo. Ficou vários minutos embaixo do chuveiro, parada. Não usou seus produtos perfumados ou tentou esfregar alguma parte do corpo. Apenas aproveitou a água quente para esvaziar seus pensamentos. Secou o corpo, colocou um pijama e enrolou uma toalha nova no cabelo. Deitou-se na cama, mesmo sendo cedo demais para dormir. Virou de bruços, tentando relaxar. Seu pai e seu irmão foram a procurar, em momentos diferentes. Deu respostas monossilábicas. Conseguiu dormir duas horas, fracionadas em períodos menores que meia hora. Quando percebeu os primeiros raios de sol, decidiu o que ia fazer.

Abandonou a pantufa por chinelos confortáveis. Pegou uma capa larga e colocou sobre uma roupa qualquer. Aparatar novamente naquele estado não era uma opção. Saiu andando e viu a sua rua larga, arborizada e doméstica se transformar nas ruas históricas centrais de Berwick-upon-Tweed. Graças a falta de movimento, chegou sem ser atropelada. Os quinze minutos de caminhada promoveram um intervalo indesejado para racionalizar seus pensamentos. Talvez estivesse errada. Não poderia ser normal ver criminosos de guerra perigosos e sentir uma relação de parentesco. Muitas pessoas se pareceriam e não compartilhavam laços de sangue. Uma vez tinha sido comparada com a Helena de Tróia e nem por isso suspeitava que eram parentes distantes.

Estava na frente de um prédio de três andares na rua mais tradicional da cidade. O primeiro andar era ocupado por uma malharia. Os dois últimos andares eram o apartamento da sua madrinha. Ela subiu pela escada lateral e tocou a campainha. Katie atendeu a porta já com as suas roupas de trabalho.

— Layla! – Exclamou Katie, surpresa. - Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

A garota percebeu que estava sendo examinada. Katie procurava saber se ela estava sóbria. Era muito deprimente saber que ainda carregava essa fama e talvez nunca se livraria dela.

— Não estou morrendo, Katie.

— Bom saber. – Ela abriu espaço para a afilhada entrar na casa. – Achei que ia preferir morrer a me ver novamente.

Layla ignorou o comentário e explorou o andar. Apontou para um velho sofá marrom.

— O departamento de polícia deve te pagar o suficiente para você poder trocar essa coisa.

Durante um curto intervalo de tempo, os Harrison tinham morado naquele mesmo lugar. A mudança para a cidade tinha sido uma decisão de última hora após a oferta de emprego de Katie. Seu pai não tinha conseguido visitar casas e aquele era o único lugar que eles acharam. Layla se lembra de dormir em uma cama de casal com Brendon. Tudo era tão improvisado que parecia que estavam de férias, acampando em um lugar desconhecido. Não levou muito tempo para Peter comprar a casa deles. Katie continuou morando no apartamento, embora tivesse condições de arranjar um espaço melhor. Era irônico que ela era motivo pelo qual família tinha estabelecido raízes ali e ainda parecia pronta para fugir qualquer dia.

— Você me ignora por semanas e aparece aqui para ofender a minha mobília?

— Parece uma opção melhor do que ofender a sua namorada.

Layla mordeu os lábios de nervosismo, incapaz de segurar as suas palavras. Contudo, não desviou o olhar da madrinha. Apertava com força o colar que tinha ganhado da tia Candy de aniversário.

— Eu sinto muito que eu nunca te contei que eu... gosto de mulheres. – Katie queria dizer “lésbica”, mas não conseguiu formar a palavra. – Nunca quis que você soubesse daquela maneira. Eu sei que você pode ter as suas próprias opiniões sobre o assunto. Só quero deixar claro que eu me importo muito com você, independentemente de qualquer coisa. Não quero que sejamos estranhas uma para a outra.

— Céus, Katie. – Layla se aproximou da madrinha. - Você acha que eu estou te ignorando porque você é gay?

— Bem, sim. – Katie fez uma careta. – Você parecia bem incomodada com isso no clube.

— Eu estava incomodada com você ter um caso com Acheflour Ohalloran. Essa mulher em específico, que é casada e mãe da minha amiga.

— Ah.

— Eu não tenho outras opiniões sobre o assunto. Você tem o direito de amar quem ama.

Katie começou a chorar. Ela percebeu o erro terrível que tinha cometido e correu para abraçar a madrinha.

— Eu jamais abandonaria você por isso.

O choro se intensificou. Layla tinha passado por experiências traumáticas o suficiente para reconhecer que aquela não era a primeira vez que Katie tinha medo de ser abandonada. Assim como os Harrison, ela tinha vivido em lugares conservadores e intimidadores. Já havia pessoas abertamente gays em 1996, porém as duas sabiam que não era tão simples.

— Obrigada por isso, querida. – Ela se afastou do abraço para limpar o rosto. - Então, Acheflour é o único problema?

— Bem, eu fiquei preocupada se o meu pai sabia. Achei que ele era apaixonado por você.

— Seu pai sabe tudo sobre mim. Éramos amigos de infância, ainda na Escócia. Peter conheceu vários bruxos antes de perceberam que ele não tinha habilidades mágicas. Mantivemos a amizade. Eu tinha 14 anos, quando meus pais me viram beijando uma menina. Eles me expulsaram de casa, na esperança que eu fosse mudar. Candice tem um ponto fraco por crianças abandonadas. Ela me acolheu.

— Achei que tia Candy te odiasse.

— Isso foi depois que eu apaguei as memórias dela. Ela sempre soube que eu estava escondendo alguma coisa. A desconfiança estava certa.

— Tia Candy, a pessoa que te acolheu, passou 11 anos odiando você por segredo que meu pai fez você guardar. Isso é muito injusto.

— Eu sou uma mulher livre, Layla. Eu fiz o feitiço e guardei o segredo, porque eu quis. Ninguém me obrigou a nada.

— Se é o que você está dizendo.

Ela se recompôs e voltou a atenção para a afilhada. Eram seis horas da manhã e a garota tinha aparecido na sua porta de chinelo de dedo.

— Qual é o motivo da visita?

— Eu sou adotada.

Katie escondeu o rosto com as mãos, sentando-se em uma poltrona.

— Está muito cedo para isso.

— Sem mais segredos, Katie. – Layla suplicou, de uma maneira tão pouco característica. - Essa história não funciona mais.

— Imagino que não foi Peter que te contou.

Ela negou com a cabeça.

— Ele não teria me dito a verdade. Também não sei consigo ter essa conversa com ele.

— Layla...

— Não deveria ser um choque tão grande. Eu não tenho os olhos azuis, nem o rosto fino. - Tinha sido a primeira vez que verbalizava aquilo e era tão esquisito. – No dia que você devolveu as memórias da tia Candy, ela me deu esse colar que simboliza o legado da família. Ela disse que eu sempre seria uma Harrison.

— Você é uma Harrison.

— Mas não tenho o cabelo da avó Davina. Nem nasci da minha mãe. Era por isso que ela me odiava?

— Bonnie não te odiava. Ela amava você, mais do que tudo. Precisamos falar com o seu pai. Ele vai te explicar tudo. Vamos, eu te levo de volta para casa.

— Eu não quero ir para casa.

Ela respirou fundo. Sabia que aquela descoberta não mudava os seus sentimentos por sua família. Era admirável o esforço que Peter e Candice empregaram para que ela se sentisse pertencente e amada. Também duvidava que Brendon a veria com olhos diferentes por conta disso, mesmo que fosse o verdadeiro prejudicado por todo aquele malabarismo. Eles eram família e você não pode escolher parar de amar a sua família.

A principal mudança que sentia com essa confirmação era sobre ela mesma. A construção da personalidade de Layla Harrison - descontraída, irresponsável, arrebatadora – parecia ruída. Ela sempre sentiu liberdade para fazer o que queria por conta das certezas que tinha sobre seu futuro. Não importava as besteiras que fazia, no final, a sua essência era boa.

Agora, quando desconfiava que era filha de uma psicopata, o seu comportamento parecia indicar outra direção. O charme juvenil poderia ser apenas desprezo por normas sociais. Quem sabe sua imprudência fosse um transtorno de personalidade? Nem queria refletir o que poderia estar por trás da atitude paqueradora.

Sentia que passara a dividir seu corpo com uma desconhecida.

— Você não tem muita escolha, querida.

Katie a levou para casa, de vassoura. Peter e Brendon estavam na mesa da sala de jantar, aproveitando um generoso café da manhã.

— Layla, achei que você ainda estivesse dormindo. Parecia tão cansada ontem.

— Nós precisamos conversar, papai.

A torrada de Brendon fez um barulho alto ao ser partido. O cabelo do adolescente estava arrepiado por conta da noite.

— Fale o que precisa, filha.

O tom de voz de Peter era sincero, contudo Layla sabia que ele não esperava aquela conversa.

— Vocês podem terminar de comer primeiro. Não tem problema.

— Agora, ninguém vai conseguir comer em paz. – Brendon não era uma pessoa paciente. - Desembucha, Layla.

— Eu sei, pai.

— Sabe o que?

A garota se conteve para não revirar os olhos. Aquela era uma manobra de mentirosos. Evasão até ter certeza de que tenha sido descoberto.

— Sobre a adoção. Em algum momento, você vai ter que falar a verdade sobre o meu nascimento e a nossa infância.

Peter olhou para Katie, de forma acusatória. O pai tinha uma opinião bem decidida nesse assunto. Desejava que Layla jamais descobrisse a verdade. Era um fardo desnecessário. Eles não tinham nenhuma informação sobre o seu passado. A verdade apenas dava margem para interpretações erradas.

— Eu vou dar privacidade para vocês. – Disse Katie, fazendo menção de se retirar. Calado, Brendon parecia que ia seguir o mesmo caminho.

— Não. Eu quero que vocês fiquem. Sem mais falhas de comunicação.
— Meu amor.

— Pai, por favor. Eu não estou brava, só quero saber a verdade. E não foi culpa da Katie. Eu descobri sozinha.

Peter aceitou que não podia fazer mais nada para esconder aquilo. Não podia negar esse pedido da sua filha. Seu coração sangrava e sua voz falhava, mas tinha que revelar o que sabia. Contou a história em um tom de voz baixo, sem olhar nenhum dos filhos nos olhos.

Tornou-se pai no dia 27 de dezembro de 1978. Brendon nasceu no hospital mais moderno de Edimburgo. Ele nunca amou Bonnie tanto como naquele dia. Peter tinha várias dúvidas sobre seu casamento, entretanto, sentiu naquele momento que tinha feito as escolhas certas. O filho era um bebê complicado, no início. Chorava madrugadas inteiras e o casal não sabia como acalmá-lo. Bonnie era uma jornalista promissora. Ela tinha um dom com as palavras, ainda que a gentileza fosse a sua melhor ferramenta de trabalho. Após seis meses, voltou a trabalhar. Ele tinha explicado que aquilo não era necessário. Além da sua confortável herança, Peter já tinha um cargo muito bom. A guerra acontecia, mas não afetou em nada na vida deles, que estavam emergidos no mundo não mágico no momento.

No dia 2 de janeiro de 1982, ele foi pai pela segunda vez. Brendon já tinha 3 anos, a família estava de férias. Bonnie foi chamada para cobrir uma notícia, perto da fronteira do sul do país. Ele lembrava de ter insistido para ela não ir, argumentando que a viagem não valia a pena. A esposa teimou que iria de qualquer maneira. Ela acabou não fazendo a matéria. Enquanto ela dirigia, antes de chegar no destino, encontrou uma menina. Layla estava sentada no acostamento da rodovia, completamente sozinha. Coberta de neve e mal agasalhada, apenas com uma manta felpuda. Bonnie conversou com ela, ofereceu comida e levou-a até um hospital. Os médicos estimaram que Layla tinha andado a noite toda na neve. Era um mistério como tinha sobrevivido naquele frio.

Sua esposa não saiu do lado dela. Foi amor à primeira vista. Bonnie ligou para ele, dizendo que tinha encontrado a filha deles, que estava esperando a mãe ir buscá-la. Peter entendeu o que ela tinha sentido quando viu Layla pela primeira vez, algumas horas depois. A filha tinha grandes olhos curiosos, lindos cabelos cacheados e uma determinação de viver. Foi preciso convencer as autoridades locais e tomar medidas legais para conseguir a guarda da criança. Mesmo tendo comprometido a sua integridade, até então inabalável, Peter não se arrependia ter se aproveitado do nome e do dinheiro dos Harrison para facilitar o processo de adoção. A mudança no comportamento de Brendon foi imediata. Ele ficou encantado com a nova irmã e, ainda sendo um bebê, imitava o que ela fazia e tentava impressioná-la. Layla pertencia a eles três. Bonnie e Peter não pensaram muito sobre os parentes biológicos da filha. Não havia registro de criança desaparecida com descrição compatível e ninguém apareceu procurando por ela nos meses seguintes. Mesmo que existisse algum familiar próximo, eles não mereciam ter a sua guarda. Era necessário extrema negligência para que uma criança pequena passasse a noite congelando na neve.

Layla foi amada de todo coração pelos pais. Por esse motivo, Peter jamais foi capaz de entender o que aconteceu com Bonnie nos seus últimos meses de vida. A mulher que ele conhecia não maltrataria uma filha tão querida e desejada. Sua esposa era feliz, saudável, sem vícios ou histórico familiar de doenças psicológicas. A última coisa que queria era que Layla achasse que a mãe tinha agido daquela maneira porque ela era adotada. Dessa forma, pensou que seria melhor alterar as memórias dos filhos e dele mesmo. Katie também tinha apagado as suas memórias, incluindo a adoção de Layla. A mentira que tinha criado era doce e exatamente o que ele queria acreditar. Katie tinha sido a única que viveu com o peso da verdade, até o aniversário da filha. Na realidade, era o dia que eles decidiram comemorar o aniversário de Layla, por ser o dia em que Bonnie a encontrou. Eles tinham informações limitadas sobre a menina quando a conheceram. Ela sabia que tinha quatro anos, mas não tinha muitos detalhes sobre si. Perguntas fáceis que crianças da idade são capazes de responder, como sobrenome, nome dos pais ou cidade, não deram resultado. Os médicos fizeram exames neurológicos e, mesmo que tudo estivesse normal, a conclusão foi desanimadora. A menina poderia ter esquecido por não aguentar lembrar de eventos traumáticos ou simplesmente não saber informações básicas, o que também indicava falta de suporte familiar. Tudo era um mistério. Inclusive, demorou algum tempo para eles entenderem qual era o seu nome. Sua linguagem era adequada para a idade, contudo era difícil decifrar a sua fonética, uma mistura de sotaque inglês e escocês.

Peter detalhou o que sabia. Ficou com vergonha e temeu a reação dos filhos ao contar que tinha pedido para Katie tirar as suas memórias. Eles se mostraram contidos, durante longo da história.

A cabeça de Layla já não funcionava mais. Era pior do que ela imaginava. A sua identidade foi inteira inventada. Eles não sabiam o seu aniversário, a sua nacionalidade ou o que tinha acontecido para ela acabar sozinha no meio do nada. Como já tinha praticamente aceitado que a sua mãe biológica era uma pessoa horrível, não tinha esperança de que o restante da história fosse agradável. Por outro lado, a imagem de Bonnie tinha ganhado uma nova profundidade. A mulher amorosa que lutou para ficar com ela seria capaz de tê-la machucado? Nos últimos meses, tinha se convencido que sua mãe tinha sido violenta na sua infância. Tinha conversado com Brendon, que não foi capaz de confirmar ou negar as suas suspeitas. Aquelas lembranças voltavam aos poucos e mais pareciam pesadelos. Layla percebia que, desde criança, a sua memória não era a mais confiável e, ainda assim, era incapaz de esquecer as sensações que sentia. O desespero era real. Os piores vislumbres foram os que teve naquelas semanas em que perdeu o controle. Entrou em um espiral de bebidas caras e homens mais velhos para tentar parar de ouvir aquela risada cruel. Isso mudava tudo de perspectiva. Não tinha ideia de que a sua mãe tinha a amado daquela forma. Talvez estivesse errada.

— Você ficou surpreso quando descobriu que eu era bruxa?

— Foi inesperado. Você tinha 8 anos quando demostrou o primeiro sinal de magia. Como eu vim de uma família bruxa e sei do tamanho da população, acabei de me acostumando com a ideia. Foi bom que você e Brendon puderam compartilhar isso.

— Ninguém desconfiou que meus pais biológicos poderiam ser bruxos?

Ela já tinha várias respostas, por isso a questão que Layla achava mais bizarra era o intervalo nas duas histórias. Se aquela mulher era mesmo sua mãe biológica, o que aconteceu para ela ser abandonada no meio da neve? Não aceitava a possibilidade de que Peter e Bonnie estivessem envolvidos.

— Bem, é uma teoria. Contudo, você também pode ser uma nascida trouxa. Não havia como saber.

Layla concordou, com cautela. Conseguia ver como a alma de seu pai foi exposta naquela conversa. Também duvidava que seus pais - pessoas de normalidade razoável que vivam entre não bruxos - estivessem tão desesperados para ter uma filha a ponto de se envolver com alguém daquele nível.

— Eu realmente não me lembro. – Foi a primeira coisa que Brendon disse. – De antes de você aparecer.

— Para ser justa, eu também não me lembro.

— Eu não dou a mínima para essa merda. – Os olhos de seu irmão brilhavam com emoção. - Layla, nós temos o mesmo sangue. Você é a minha única irmã. Inteligente, corajosa e confiante. A maior Harrison que nós temos. Quem te deu à luz não interfere nisso.

A adolescente soltou as lágrimas que não sabia que estava segurando. Saiu do lugar e foi dar um abraço forte em Brendon. Eles aproveitaram aquele momento, até Layla se afastar e forçar Katie e Peter no abraço também. Ela tinha perdido o direito de ser rancorosa. Todos os segredos e mentiras realmente tinham o objetivo de protegê-la. Cada um tinha feito um sacrifício para que ela fizesse parte da família. Era um privilégio ser amada por eles.
O dia foi marcante para a família Harrison. Eles fizeram a tia Candice vir de Edimburgo para vê-los, aproveitando a atmosfera livre de segredos. Layla ficou feliz ao ver que toda a frieza de Candy em relação a Katie parecia ter sumido. Tinha uma recém-criada solidariedade pela solidão da madrinha. Peter, Katie e Layla compartilhavam o fato de terem sido abandonados pelos pais. Eles tinham se encontrado e sabiam que os laços eram mais fortes que sangue.

No dia seguinte, Layla decidiu confirmar as suspeitas que tivera no Departamento de Mistérios. Ignorou os recados que recebeu de Fred. Sob o pretexto de sair para fazer compras, foi até a biblioteca de Berwick-upon-Tweed. Ela não ia lá desde antes de entrar na adolescência, já que, mesmo quando teve que estudar para os exames finais, ficava satisfeita com a biblioteca da escola. Agradeceu que o movimento estava fraco, para fazer todas as pesquisas necessárias.

Na ala bruxa, a primeira seção que estudou foi a dos jornais. Como esperado, as manchetes noticiavam o reconhecimento oficial do Ministério da Magia do retorno de Voldemort. Ela folheou a matéria até achar o trecho que procurava:

Foram encaminhados para Azkaban onze dos comensais da morte envolvidos no confronto. Entre eles, estão alguns dos fugitivos que escaparam da prisão no início do ano, como Rodolfo e Rabastan Lestrange, Antonin Dolohov, Augustus Rookwood e Mulciber. Também foi capturado no Departamento de Mistérios, o Sr. Lúcio Malfoy, apontado como líder do grupo. A única criminosa não capturada foi Bellatrix Lestrange, considerada perigosa pelas autoridades.

Abaixo do texto, havia uma foto tirada na época da primeira prisão de Bellatrix. A mulher que Layla tinha visto estava em condições um pouco melhores, o que realçava as suas semelhanças físicas. O cabelo e o nariz eram idênticos. Os olhos tinham cores próximas, mesmo que os olhares fossem muito diferentes. Procurou registros mais antigos, da melhor forma que conseguiu sem pedir ajuda para a bibliotecária.

Encontrou a matéria que noticiava a fuga de Azkaban em janeiro naquele ano. A garota conjurou um pergaminho e pena para anotar suas considerações. Bellatrix era casada com Rodolfo Lestrange. Seria ele seu pai biológico? O casal, assim como o irmão de Rodolfo, foi condenado à prisão perpétua pela tortura e incapacitação de Frank Longbottom e Alice Longbottom em 1982. Layla localizou a notícia do crime e ficou horrorizada com os detalhes do caso. Quase desistiu da pesquisa naquele momento. Os Lestrange tinham torturado um casal de aurores até levá-los a loucura. Havia uma menção de que Frank e Alice tinham um filho pequeno.

O sobrenome Lestrange parecia conhecido e ela decidiu seguir para a seção de livros históricos. Lembrava de ter estudado sobre as Sagradas 28, famílias puro sangue com árvores genealógicas muito antigas e tradicionais. Se não estivesse enganada, seu amigo Thomas Mahmood tinha se gabado que sua mãe era parente direto de alguém mencionado no livro. Tinha sido um dos raros contatos que teve com o assunto de linhagens de sangue. Achou um listagem das vinte e oito famílias no final de um livro sobre História da Magia da Inglaterra, escrito na década de 1930. Além dos Lestrange, encontrou outros dois nomes interessantes: Malfoy e Weasley.

Fred nunca tinha comentado sobre isso. Ele poderia ser uma forte importante de informações que ela estava ignorando. O problema é que perguntar sobre Bellatrix Lestrange significaria ter que contar a seu namorado que poderia ser parente dela. Ele era engajado, deveria conhecer várias pessoas que os Lestrange tinham machucado. Afinal, só descobriu a mulher porque ela estava envolvida no ataque contra os irmãos mais novos de Fred. Tinha medo de perdê-lo. Decidiu que não contaria nada até ter mais certeza.
A biblioteca tinha materiais limitados sobre supremacistas de sangue e reportagens criminais de quinze anos atrás. As entradas e referências das suas pistas acabaram. Layla sabia que precisava fazer mais pesquisas. Era necessário ter dados recentes sobre os Lestrange. Queria saber sobre as relações com outras famílias, assuntos domésticos e impressões sociais. Algo que ajudasse a entender o seu nascimento. Nada disso estaria em livros. Agora, estava entrando na sua especialidade. Tinha que achar uma fofoqueira da alta sociedade. Quinze minutos depois, estava na porta da frente de Clementine.

— Oi! – Cumprimentou Layla, exalando simpatia.

Sua amiga usava uma bermuda preta e uma jaqueta de nylon branca com listras vermelhas. O cheiro de maresia apontava que tinha passado a manhã velejando. Ela não parecia impressionada com a aparição de Layla.

— Oi. Está meio cedo se veio tentar almoçar.

— Eu tenho comida em casa, Clementine. E uma cozinheira tão boa quanto a sua.

— Duvido. Não existe ninguém como Marlene.– Ela pareceu ainda mais desconfiada. – Vai me convidar para alguma coisa? Saiba que continuo com a mesma opinião sobre raves.

— Nada disso, Mimi. Preciso de informações privilegiadas e usar o escritório do seus pais.

Clementine se apoiou na moldura da porta.

— Eu gostaria que essa fosse a primeira vez que eu escutei essa frase.

— E a sua mãe não pode saber que estou aqui. – Disse Layla, olhando sobre o ombro da amiga.

— O pedido só melhora. Ainda está chateada que ela está transando com Katie escondido do seu pai?

— Não é escondido do meu pai. Mas já que você mencionou, o assunto não me traz felicidade. Isso é irrelevante. Vai me ajudar ou não?

— Se você me contar o motivo e prometer que não tem intenção de vender os segredos comerciais da minha família, eu ajudo.

— Eu prometo.

— Então, vamos subir. Acheflour está em uma reunião com a Associação Cristã Feminina.- Layla conteve uma risada sarcástica.

Quando viu o cômodo, percebeu que última vez que tinha entrado naquele escritório estava ocupada beijado Edward Zumach. Parecia outra eternidade, mas sequer fazia um ano. O espaço tinha tudo o que se esperaria dele, uma escrivaninha de madeira antiga, estantes cheias de livros nunca lidos e janelas grandes. Sem perder tempo, a convidada começou a disparar informações.

— Eu fui parar em um lugar estranho com Fred ontem. Ele parece estar envolvido com todos os acontecimentos políticos do Reino Unido. Tinha uma fugitiva ameaçando os amigos dele. Eu quero descobrir quem ela é.

Repetiu para si mesma que não disse nenhuma mentira. Mesmo considerando Clementine uma amiga, não iria depositar confiança irrestrita nela. Era mais seguro assim.

— Você sabe o nome dela?

— Bellatrix Lestrange.

O nome provocou uma reação instantânea.

— O lugar estranho era o Departamento de Mistérios? – Layla assentiu com a cabeça. Deveria ter adivinhado que ela leria o jornal. – O acontecimento era uma batalha. Tudo bem.

Clementine começou a folhear alguns cadernos de couro marrom com as iniciais do pai. Ela listou nomes de empresas. Layla arriscaria disser que ela estava se divertindo. A amiga perguntou sobre pessoas que ela não conhecia e verificou duas agendas antes de achar uma anotação relevante.

— Eu lembro desse negócio. Meu pai perdeu o meu aniversário para ir em uma reunião em Londres. Ele comprou um terreno e revendeu. A propriedade era de uma herança e ninguém sabia quem era o herdeiro. – Clementine estendeu o pergaminho, abrindo um sorriso convencido. – Tem certeza que isso é sobre o pobre Fred?

O coração dela parecia ter parado de bater e suas mãos ficaram geladas. Pelo visto, Clementine tinha descoberto sobre a ligação de Layla e Bellatrix. Com cuidado, pegou o papel. Era uma árvore genealógica, escrito Família Black no topo. Bellatrix constava como filha de Druella e Cygnus Black III, tio paterno de Sirius Black. Por isso, o ódio entre os dois era tão profundo. Explicava a rapidez com que Sirius a reconheceu na Toca. O casamento com Rodolfo Lestrange estava indicado. Ao lado do nome dela, havia outras duas filhas. Andromeda estava no meio, com um risco forte, mas era o último nome que chamava atenção. Havia uma estrela desenhada ao lado da palavra Narcisa. Um risco duplo ligava a Lúcio Malfoy. Quase esquecido, o último nome era Draco Malfoy. Seu primo.