Fora Da Realidade

Once Upon a Time: O universo interior


—Operação Cobra! Atenção! Atenção!—disse Henry ao pequeno walkie-talkie.

Emma, sua mãe biológica, com seu fusca estacionado há alguns metros dali, respondeu:

—Operação Cobra, o que houve, Henri?

—Não me chame pelo nome! Droga, precisamos de codinomes—lembrou-se de ainda não tê-los decidido. —Preciso te mostrar uma coisa! No lugar de sempre hoje a tarde?

—Tudo bem, garoto. Hoje a tarde, no lugar de sempre.

—Câmbio! —disse ele desligando o aparelho e o enfiando na mochila. Deu um sorriso para Emma que respondeu com um aceno gentil, de dentro do carro. O garotinho seguiu para a escola, com os pensamentos há mil.

Emma se sentia satisfeita naquela manhã. Ter se mudado para a casa de Mary Margaret parecia ter sido a melhor coisa que acontecera em sua vida desde seu reencontro com Henri.

Ela andou com o fusca até a porta da delegacia. Logo notou: o carro de Regina estava lá. Suspirou e entrou no que provavelmente seria uma manhã difícil.

—Bom dia—cumprimentou Regina com um imenso sorriso. —Como anda, Xerife?

—Bem, e você? —respondeu, com o seu olhar logo recaindo sobre o homem que estava um pouco atrás dela: ele ajeitou a gravata instintivamente e abriu um sorriso que não deixava de transparecer simpatia sincera.

—Deixe-me apresentá-la a John Smith. O mais novo cidadão de Storybrook—disse, respondendo à pergunta anterior apenas com um aceno educado com a cabeça.

Ele estendeu a mão e Emma a apertou, perfurando-o com o olhar, procurando por qualquer coisa que pudesse denunciá-lo como uma armadilha iminente. Exceto pelo fato de Regina o estar introduzindo, parecia não haver, de imediato, nada de estranho naquele homem. A prefeita continuou:

—John já trabalhou em um departamento de polícia. E acredito que ele seria um xerife muito melhor do que você. O que é uma pena, já que com aquela ridícula votação você foi nomeada por um tempo. Mas, — ela deu um risinho e acrescentou: —espere e as coisas vão mudar. Enquanto isso, ele trabalhará como o seu assistente. Já que até agora você não teve a capacidade de encontrar um por conta própria.

—Storybrook é uma cidade pequena. Tenho certeza que sozinha eu daria conta—desafiou Emma, esquecendo-se que era indelicada com o homem que estava ali.

—Bem, mas não fará mais isso sozinha—determinou com um sorriso triunfante e foi saindo da sala enquanto se voltou para John: — Espero que tenha um bom início! Bom dia para vocês.

John olhava de Regina para Emma, e de Emma para Regina, até que esta saiu de uma vez por todas da sala.

Quando a Xerife se percebeu sozinha com o seu ajudante na sala, se adiantou:

—Me desculpe, eu não quis dizer que não tem trabalho aqui. Tem muito, na verdade. Será ótimo ter um ajudante.

Percebendo a rivalidade entre as duas, logo disse:

—E eu não pretendo, de forma nenhuma, me candidatar a xerife. A prefeita insistiu nisso desde que nos conhecemos, mas isso iria completamente contra o meu objetivo aqui.

—E qual o seu objetivo? —perguntou, sentindo o tom mais descontraído que vinha para a conversa, enquanto John falava, e Regina ganhava mais quilômetros de distância.

—Ainda não tenho muita certeza, mas ser xerife com certeza não é.

Ela riu. Ele parecia meio doido com aquele topete grande e tantas expressões faciais:

—Faz tempo que conhece Regina? —disse enquanto, finalmente, conseguia encaixar o distintivo em sua cintura.

—Não, a conheci ontem à tarde, quando cheguei à cidade. Ela foi bastante receptiva.

—Bem, com alguém ela tinha de ser! —falou num momento de estranho desabafo.

Ele fez um sinal para que ela não ligasse para Regina:

—Pequenas cidades— completou em explicação.

Emma só pôde concordar.

— Vamos fazer uma ronda pela cidade. Aproveito para te mostrar os arredores, talvez você ainda não conheça.

—Fantástico! Ainda não conheço quase nada dessa cidade.

Os dois saíram da delegacia e entraram no carro. Emma começou a rodar pelas ruas de Storybrook:

—Então, de onde você veio?

—Washington.

—Você saiu de Washington para vir para Storybrook, e nem sabe direito que cidade é essa?

—É, foi o que eu fiz—confirmou ele.

Emma se surpreendeu por não notar nenhuma mentira em sua confirmação. Talvez se incomodara a toa com Regina daquela vez. Ele parecia realmente não ter grandes motivos para estar lá:

—E o que te fez sair de lá?

—Eu pedi transferência, na verdade. Trabalhava como policial. Mas, Washington acabou se tornando um pouco demais para mim. Não queriam me mandar para nenhuma cidade pequena, então acabei saindo por conta própria.

—Wow! É muita coragem largar o seu emprego dessa forma!

Ele deu um sorriso um pouco descontente:

—Foi uma fuga. Fugir quase nunca está relacionado à coragem.

A xerife estacionou em frente a uma lanchonete e os dois desceram:

—Numa hora dessas? —perguntou ele, surpreso. Não parecia já ser hora de donnuts.

—Uma coisa sobre cidades pequenas para você, novato: se quer saber das novidades, o último lugar onde elas vão chegar é na delegacia.

E os dois entraram. Algumas pessoas da cidade tomavam café da manhã, apesar de já ser um pouco tarde para aquilo. Cada uma delas observou John como se ele fosse um alienígena. Eles se sentaram no balcão e Rubi logo chegou para atendê-los:

—Bom dia Xerife, o que vai ser?

—Um bom e forte café.

—E para o bonitão? —perguntou ela, charmosa como sempre.

Um pouco distraído e incomodado pelas pacatas pessoas que comiam o encarando de tempos em tempos. Ele não percebera que Rubi falava dele, respondeu após ser cutucado por Emma:

—Ah, o mesmo que ela.

—Você é novo na cidade, nós nunca temos gente nova—comentou Rubi preparando a máquina de café. E acrescentou, tentando justificar os olhares curiosos dos seus clientes habituais: — Não se incomode com eles, ok?

—Eu não me incomodo—disse educadamente.

—Apesar de que talvez estrangeiros comecem a ser comuns por aqui. Sabe como dizem: dois raios não caem no mesmo lugar duas vezes. Pelo menos não à toa—falou enquanto enchia os copos descartáveis de café.

—O que quer dizer com isso? —perguntou Emma, intrigada.

Houve um som de vidro se quebrando na cozinha. Um pedido meio desajeitado de desculpas pôde ser ouvido. Rubi suspirou:

—Estou falando da garota que chegou há quatro dias aqui. Você não a viu?

—O que? Não! Quem é ela?

—A tal de Safira... No começo eu fiquei um pouco desconfiada—cochichou em segredo para Emma: — Já que Regina veio pessoalmente pedir que a empregássemos... Mas, ela está sendo uma ajuda muito boa. E, apesar da vovó reclamar, estávamos precisando mesmo de mais alguém na cozinha.

Rubi recebeu o pagamento adiantado, entregou o café para os dois e deu um sorriso, sumindo para o lado de dentro da cozinha para, provavelmente, ajudar com o vidro quebrado.

—Essa era a grande notícia que você procurava Xerife?

—John, nesta cidade, qualquer coisa é uma grande novidade—disse num tom meio de brincadeira, enquanto saíam da lanchonete.

—Não é possível que tão pouca gente venha para cá. Em época de férias algumas pessoas procuram por lugares tranquilos assim, não?

—Não em Storybrook. Você e a tal Safira são as primeiras pessoas a chegarem aqui depois de mim. E quando eu cheguei, disseram que nunca houve nenhum estrangeiro antes.

—Desde quando?!

—Desde sempre! —respondeu ela, elevando as sobrancelhas, como alguém que não consegue acreditar totalmente no que dizia, e entrou no carro.

John abriu a porta do lado do passageiro e olhou instintivamente para uma torre próxima. Sentiu-se imediatamente incomodado:

—Ei, desde quando aquele relógio está parado? —perguntou assim que entrou.

Emma deu de ombros, fazendo o caminho de volta para a delegacia.

.o.

John atravessara a rua para a pousada. Diferente de qualquer recém-chegado que acabara de conseguir um emprego fixo, não pensava na casa que teria de comprar, no carro, ou em qualquer aspecto da sua própria vida.

Tudo fazia sentido em sua mente. Sua vida fora uma sequencia de acontecimentos lineares que o levaram até aquele momento. Não pensava no emprego anterior, na família que perdera num acidente em Washington, ou na maneira como fugira.

Mas, se culpava.

Uma culpa que aprecia ter-se diluído como se tivessem passado oitocentos anos da sua fuga. Como se a dor da morte dos seus próprios filhos tivesse sido diluída num mar de outros acontecimento que o curaram. Não completamente. Nunca completamente. Mas, o suficiente para acordar todas as manhãs com entusiasmo para ver o mundo.

Aquilo não fazia sentido...

A sua fome pelo conhecimento, pela agitação e novidade pareciam incompatíveis com o estilo de vida que buscara em Storybrook. Então, interrompeu o seu passo antes de entrar no hotel.

Estranhamente, o seu pensamento ficou imerso quase que por todo o tempo na imagem do estranho relógio parado. Olhou para o seu próprio relógio de pulso. Nunca entendera o porquê da sua própria fixação por relógios.

Deu meia volta e caminhou pelas ruas até alcançar a torre. Olhava para cima, como se fosse possível alcançá-lo mais rápido se o fizesse.

Foi quando chegou naquela rua que percebeu que outra pessoa, parada na calçada, também olhava fixa para aquele relógio: a loira desceu o olhar e encontrou com o de John, de uma maneira um pouco mecânica.

—Boa noite—cumprimentou John aquela estranha com um sorriso corriqueiro.

—Boa noite—repetiu ela, voltando o olhar para o relógio e o desviando em seguida, como se tivesse antes parado ali à toa, e agora iria seguir o seu caminho.

—Você sabe desde quando? —perguntou ele.

—O que? —voltou-se para John novamente.

—Desculpe. Perguntei se você sabe desde quando esse relógio está parado.

Em uma situação comum, a garota acharia aquela a tentativa mais fracassada de paquera do universo. Mas, havia algo naquela cidade, naquele relógio, que a fez acreditar que ele realmente só tinha a intenção de perguntar sobre aquilo.

—Eu não sei. Mas, pelo menos quatro dias. Quando eu cheguei à cidade ele já estava parado.

Os dois olharam para o relógio, como que enfeitiçados. Entreolharam-se e riam: aquela situação estava ficando muito esquisita.

—Enfim—disse a garota, dando meia volta e indo embora.

Ele a observou até que virou numa rua. Parado no meio da noite, John não pensava no passado ou no futuro. Mas, de uma maneira única no universo, ele pensava sobre o tempo...

Começou a fazer o caminho de volta. A moça loira voltou à sua mente. Não com a impressão de um homem que via a mulher atraente pela primeira vez. Mas com uma sensação de perda, esquecimento e saudades. Como uma pequena dor pelo o que poderia ter sido, mas nunca acontecera.

Tentou afastá-la dos seus pensamentos. Não fazia sentido atribuir tantos pensamentos a uma pessoa que acabara de conhecer. A uma pessoa cujo nome não conhecia...

"Rose...", pensou. Se tivesse que adivinhar um nome para ela seria Rose. Os fios louros dos cabelos dela faziam parecer com que sua pele fosse mais rosa do que era.

Rosa e azul. Azul. Pensava muito em uma cor: "Azul TARDIS". Foi o nome que deu para azul marinho. Riu-se intimamente. Devia estar ficando louco.

Sentiu uma forte dor latejante na cabeça que o fez se sentar na calçada. Olhou para o relógio, já distante, mas ainda à vista. Uma estranha sensação de imensidão tomou conta de John, como se ele, mero humano que era, fosse capaz de mensurar sua infinitude.

Como uma marionete que conseguia cortar aos poucos as cordas que o separavam da sua liberdade de pensamento, sentiu um medo incompreensível de perder-se de si mesmo. Não ser mais John. Tornar-se algo maior, mas ao mesmo tempo, menor...

Ele não percebeu a luz suave de magia o rodear naquele momento. As lembranças que quase perdera a pouco retornavam vívidas à sua mente. Era John Smith, antigo cidadão de Washington, que fugira da sua terrível realidade.

Massageou um pouco as têmporas, como se fosse capaz de afastar assim a dor e as memórias que retornavam sem controle. Amarras de Storybrook criadas pelo Sr. Gold.

Viu a bomba diante dos seus olhos. Sentiu o cheiro do incêndio... A fumaça, a carne queimada. Sua família gritando. O fogo que ele próprio iniciara... O prédio que sacrificara, para salvar toda a cidade. Despedaçou o seu próprio mundo, para que os outros pudessem viver...

Levantou-se. A dor já era mais fraca. Era John Smith, antigo cidadão de Washington, que buscara uma cidade como Storybrook para viver. E, qualquer escapada de sua mente para qualquer outra realidade, só podia ser loucura!

Voltou para a pousada sem saber que por todo o tempo fora seguido pelo Sr. Gold.

.o.

Emma entrou no apartamento e logo tirou o suéter de uma maneira incomodada. Mary Margaret, lavando a louça na pia, a observou:

—Tudo bem?

—Tudo bem—respondeu a xerife, indo direto para a geladeira: a abriu, não conseguiu decidir o que pegar dali, a fechou.

Foi direto para o seu quarto e fechou a porta. Abriu-a e voltou para conversar com Mary Margaret:

—Eu acabei de me encontrar com Henri.

—O que aconteceu? —perguntou Mary, com uma sensibilidade materna vinda sabe-se lá da onde.

—Eu não sei... Provavelmente não é nada. Mas, eu não sei lidar com isso... Sabe o livro de histórias? Aquele que o fez acreditar que você é a Branca de Neve e tudo mais...

—Sim, sei—disse ela com um sorriso, se sentando no mesmo sofá que Emma.

—Ele veio completamente empolgado me contar que havia uma nova história naquele livro. E me disse que a história apareceu por causa do John.

—Como é? Aquele moço que começou a trabalhar com você hoje?

—Ele está certo de que John é um alienígena chamado Doutor de mais de novecentos anos que viajava numa cabine telefônica policial britânica.

Mary não conseguiu deixar de rir e sua filha também acabou rindo:

—Que doutor?

—Só Doutor.

—E que você disse para ele?

—Eu não sabia o que dizer! Não queria alimentar a fantasia dele, por outro lado, cortaria o meu coração vê-lo desiludido...

—Não se preocupe, amanhã converso com ele na escola. Tento descobrir no que ele está pensando.

Emma suspirou grata:

—Isso foi muito rápido. Quero dizer, antes ninguém vir para Storybrook era motivo para essa cidade ser uma caixa de contos de fadas. Agora que duas pessoas vieram morar aqui ele já arrumou um papel mágico para cada um.

—Você está falando da Safira?

—Safira?

—A moça que está trabalhando na lanchonete. Conheci-a hoje de manhã.

—Eu não sabia o nome dela. Mas, sim.

—E quem ela é?

Com uma expressão nada contente, respondeu:

—Para Henri, uma garota humana que viajava com o Doutor.

Mary suspirou, mudando de assunto:

—E esse John?

—Incrivelmente, parece uma cara normal. Parece que Regina só está querendo ajudar essas pessoas mesmo.

—Não foi isso que eu perguntei—provocou ela, um pouco maliciosa: — Quando eu vi vocês dois hoje, achei que você o achou...

—O que? Ei! Nada disso. Ele é um cara atraente, sim... Mas, não quero problemas. E homens quase sempre trazem isso!

Mary deu de ombros, como se aquilo fosse balela.

.o.

Regina fora até o seu jardim. Suas macieiras estavam lindas e ela se sentiu um tanto orgulhosa. Mesmo que faltasse mágica para que elas se tornassem perfeitas.

—A que devo a honra, Sr. Gold? —perguntou ela, percebendo aquela presença atrás de si.

—Como vai Regina?

Ela não respondeu, como quem não quer enrolar a conversa. Ele continuou:

—Não me diga que ainda não sabe a identidade dos novos cidadãos de Storybrook?

Ela bufou:

—Bem, quem lançou a magia que nos trouxe para cá foi você, não?

—A magia que se estendeu por todo o nosso mundo. Mas, não significa que eu conhecesse qualquer canto dele—respondeu, calmo e incisivo. —O que achou no livro de Henri?

—Não consegui encontrar o livro. Ele anda com aquilo o tempo inteiro. Um dia eu pedi, mas ele apenas ficou desconfiado de mim. Esqueça! —defendeu ela o filho adotivo: — Não é através dele que você vai conseguir alguma coisa.

—Estou vendo que você não está mais disposta a cooperar... Mas, eu tenho uma novidade que talvez a faça mudar de opinião: ontem a noite segui John pelas ruas e, por um momento, ele quase conseguiu se libertar do feitiço.

—O que está dizendo? Ninguém consegue se libertar do feitiço!

—A não ser através de algo muito poderoso.

—Não vá me dizer que...

—Ele encontrou com Safira. Depois teve o que só podia ser um início de consciência de si mesmo.

Regina pareceu alarmada, mas, logo teve a ideia que seria a solução para aquele risco:

—Bem, se é o amor que consegue fazê-lo se lembrar. Pode deixar que eu cuido da questão.

Sr. Gold acenou com a cabeça, satisfeito. Deu meia volta para ir embora, mas interrompeu o seu passo, como quisesse adicionar um alerta:

—Regina, o amor é sim a arma mais poderosa para anular qualquer magia. Mas, temo que talvez não seja só o amor que o faz se lembrar... Ele foi atraído pelo relógio. Como aquela garota. Talvez eles sejam diferentes.

—Diferentes como?

—Talvez eles não fossem exatamente humanos...

Regina cruzou os braços, sem saber bem o que pensar, enquanto o Sr. Gold ia embora.

.o.

Safira saia da lanchonete. Fora um dia um tanto duro no trabalho. Sentia que era muito difícil adequar-se a uma vida normal depois dos seus últimos anos...

Antes, tivera um emprego e namorava com o rapaz que tinha sido seu amigo de infância. Uma vida tranquila e comum. Até conhecer um homem cheio de vida que a fez ver o mundo de uma maneira muito mais colorida e divertida. Ela lembrava das viagens... E como! Ele a tirou de Londres para lhe mostrar o mundo! Europa, Ásia, América... Um passaporte repleto de carimbos. Nunca parecia que a viagem terminaria.

Ela se lembrava vagamente do momento em eu tudo mudou. Ele a levou para casa, mas ela se recusou a ficar. Num seguimento forçado da viagem, ambos brigaram. Acabaram se separando nos Estados Unidos.

Sabia apenas que não queria voltar para casa. Não ainda... Apesar de não se lembrar bem do seu parceiro, sentia a dor do abandono e do inconformismo. Sentia-se terrivelmente perdida.

—Boa tarde!

Safira olhou para o lado e viu o pequeno garotinho:

—Boa tarde—respondeu, achando engraçado aquele garoto vir conversar com tanta inocência.

—O meu nome é Henri, será que você poderia me ajudar?

—O que aconteceu, Henri? —perguntou, parando para lhe dar mais atenção.

—O cadeado da minha bicicleta ficou preso, não consigo tirar ela!

—Vamos ver, onde ela está?

Henri a levou até onde estava a bicicleta. Ela pegou a chave do garoto, parecia trincada, tentou mesmo assim, não teve sucesso.

Certamente não por coincidência, John passava pela rua. Henri sorriu: bem na hora!

—Policial, poderia me ajudar?

—Claro Henri, o que houve?

—O cadeado da minha bicicleta emperrou!

—Vamos ver—disse, olhando na direção de Safira. Ela sorriu para ele:

—Então o homem do relógio é policial na cidade?

—Sou John—apresentou-se, agachando-se e observando o cadeado: —mas, eu sou novo na cidade também.

—Também?

—Você me disse ontem que está aqui há cinco dias.

Ela se surpreendeu que ele se lembrava daquilo.

—Com essa chave trincada você não vai conseguir nada—voltou-se para Henri. —Mas, isso deve resolver—comentou, tirando sua screwdriver do bolso, ligando-a no cadeado. Ele abriu como mágica.

—Você usou isso! —surpreendeu-se Henri, quase berrando. —A sua sonic screwdriver! Você é o Doutor!

Ele riu, um pouco perdido:

—Isso é um aparelho de ressonância ultrassensível. Acabei ficando com um por causa dos tempos em que trabalhei na SWAT em Washington.

—Você fez mágica! —continuou Henri.

Safira olhou o garoto como e ele fosse a coisa mais doce da face do planeta.

—Não, é ciência—respondeu ele. —Agora, volte para a casa da sua mãe, antes que ela se preocupe pelo seu atraso.

Um pouco decepcionado pelo Doutor não ter percebido quem realmente é, subiu na bicicleta agradecendo e foi embora. A moça e o policial começaram a caminhar na mesma direção:

—Ele é uma graça! Você já o conhecia? —falou Safira.

—Ele é filho da prefeita. Eu o conheci quando cheguei aqui, há dois dias. Aliás, qual é mesmo o seu nome?

—Safira.

—Safira? Lindo nome. Algumas Safiras são cor-de-rosa. Prazer em conhecê-la Safira—disse enquanto atravessavam a rua. —CORRA! —gritou agarrando a sua mão e a puxou para correr, antes que o carro que virara a esquina os atingisse. —Tudo bem?

—Nossa! Sim! —respondeu um pouco assustada.

Eles não se sentiam distraídos ao ponto de atravessar a rua na iminência de um atropelamento. Soltaram-se as mãos quando perceberam que ficaram por tempo desnecessário com elas dadas. Voltaram a caminhar.

—Então, você disse que também é novo aqui?

—Sim! Eu cheguei nesta semana.

—O que te trouxe para cá?

—Bem, você sabe, mudança de ares. Nova vida.

—A vida não parece ser muito tranquila à sua volta—comentou ela, dando uma olhadela para a rua que ficara para trás.

Ele riu:

—Ok, tentativa de uma nova nova vida.

Ela riu.

—Eeeeeii! Uma lojinha! Eu adoro uma lojinha! —disse quando percebeu que passava na frente de uma loja de antiguidades. —Vamos lá!

Ele entrou e Safira acabou entrando também:

—Boa tarde em que posso—começou o Sr. Gold quando viu John entrando, mas quase travou a fala, mudando de entonação quando percebeu que a moça o acompanhava. —... ser útil?

—Ah, nada de especial. Apenas conhecendo a cidade—respondeu ele.

Olhando para todos os lados ao mesmo tempo, logo John riu e a cutucou:

—Olha só, parece um narguilé da Galáxia de Pompowpadoria!

Ela riu. O Sr. Gold se aproximou:

—Tenho certeza de que essa galáxia não existe.

Os dois encararam o Sr. Gold, se entreolharam, e logo começaram a gargalhar. Safira esclareceu:

—Galáxia de Pompowpadoria é um bar em Lewis!

—Oh... —entendeu o Sr. Gold a própria gafe.

—Ei, como isso veio parar aqui? —falou John, se aproximando do que parecia ser um capacete metálico.

—O que é isso? —perguntou ela.

—É uma máscara que terroristas usaram em pelo menos quatro Estados americanos, há cinco anos atrás. Eles se denominavam os Cybermans.

—E o que eles fizeram?

—Bem... —ele parou, não parecia que seria muito agradável para Safira ouvir que o grupo radical religioso acreditava na salvação através das máquinas e enxertos eletrônicos. Lógico, John nunca fora contra o avanço tecnológico, ele mesmo tinha o seu aparelho de ressonância ultrassensível. Mas, quando o grupo começou a ameaçar a sequestrar pessoas para fazer experimentos e a forçar o Estado através de atentados a liberar leis antiéticas, a coisa mudou completamente de figura. —... deixa para lá. Não é importante.

—Nossa, isso é estranho! —apontou ela, um cachorro feito lata eu estava em uma prateleira mais ao topo. —Espero que não seja coisa dos Cybermans. Cyberdogs?

—Não! Eu conheço isso. Trabalhei com um desses nas missões da SWAT. São robôs do esquadrão antibombas.

O Sr. Gold olhou para o K-9 desativado e se perguntou o que realmente seria aquilo. Estava pasmo: as coisas que sempre tivera, mas nunca soubera de onde vieram, agora eram explicadas por aqueles dois de maneira distorcida. Seja lá o que aqueles objetos foram antes do feitiço, só tinha uma certeza: eram do cotidiano daqueles dois. Mas, nada daquilo lhe dava uma pista de suas identidades reais.

Agradeceram a atenção do Sr. Gold e saíram da loja:

—Então você veio de Washington também? —estranhou pelo sotaque britânico, mas era a única explicação que alcançara para ela conhecer o bar em Lewis.

—Não! Eu vivia em Londres, mas estive viajando.

O som agudo do celular de John interrompera a frase de Safira. Ele fez um gesto de 'com licença' e o atendeu. Duas palavras, uma expressão um pouco alarmada, e ele desligou.

—Bem, vou ter que fazer o caminho de volta.

—Problemas na cidade, policial?

—Verei! Espero que não— respondeu guardando o celular. —Obrigado pela companhia!

Ela sorriu um tanto encantada com a simpatia dele. Acenou e continuou o seu caminho.

Ele esperou dois segundos, os dois segundos do tipo que se usa para reunir coragem, e a chamou, dando uma corridinha até ela:

—Ei! Fiquei pensando numa coisa.

—No que?

—Quer conhecer mais um pouco da cidade amanhã?

Sem deixar de expressar alegria pelo convite, adiantou-se:

—Com você? —enrolou.

—Poderia ser sem mim. O que deixaria a minha pergunta anterior bastante estranha.

—Sim, eu adoraria. Quero dizer, conhecer a cidade com você—respondeu ela rindo.

—Fantástico! Te vejo amanhã no mesmo horário?

—Combinado. Aonde?

—Ahn... —pensou ele. —Na frente do relógio?

—Na frente do relógio! —confirmou, sorrindo e seguindo o seu caminho.

.o.

Sem o carro da xerife demoraria mais tempo para chegar na casa da prefeita e atender ao seu chamado. John caminhava, sentindo-se mais pesado a cada passo. Tentou puxar o ar para seus pulmões, mas o tempo quente tornava-o repulsivo.

Tudo parecia errado naquela cidade: o tempo, o chão, o calor, até as cores. O universo era outro e a cada vez que se encontrava com Safira aquilo parecia mais e mais evidente.

Estranhou: não era a aproximação deles que o fazia se sentir miserável, mas a separação. Como se algo dentro de si gritasse alguma mensagem que repercutia por todo o seu corpo numa série de mal-estares. Uma voz que não era capaz de compreender.

Interrompeu o seu passo e, encostando-se na parede de um comércio qualquer, afrouxou um pouco a gravata.

Ouviu um estranho som na viela ao lado. Estranhou o ter notado com tanta clareza: todos os sons pareciam distorcidos e sem nexo até então. Deu alguns passos até ela.

Alguém o aguardava, virado de costas. Voltou-se a seu favor e fixou o seu olhar como se olhasse dentro da alma de John. E riu.

John se sentiu imensamente incomodado. Entre ele mesmo e o desconhecido, havia uma espécie de revolta e ódio ao mesmo tempo. Mas, nunca havia visto aquele homem, estava certo disso...

—Um Doutor nunca se esquece dos seus pacientes problemáticos, não é? —perguntou o homem com um sorriso malicioso. —Mas, aqui, de mim, você se esqueceu.

John não conseguiria descrevê-lo. Mas, a etnia, a estatura, a cor do cabelo, as feições... Nada daquilo era realmente importante. Não sabia porque, mas uma forte sensação lhe dizia que o corpo não era importante para aquela pessoa. Quase como se fosse descartável.

Havia dois pensamentos contra dizentes que o inebriavam no meio da sua confusão e mal estar: correr e ajudar. Antes que se desse conta do porquê, o homem andou em sua direção, mas antes de ir de encontro com John, sumiu no ar, como se fosse feito de fumaça.

"Uma ilusão", pensou o policial, "Estou ficando louco". Encostou-se na parede e deslizou até o chão. O universo era imenso! O universo dentro dele mesmo.

Elevou o olhar e viu Regina entrar na viela. Ela o olhava com a estranheza de quem via um ser desconhecido, e não um igual que passava mal.

Ajoelhou-se na frente dele:

—O que há de errado com você? O que diabos você é? —ela perguntou, sem nenhuma intenção de alento, apenas pura curiosidade.

Ela colocou a mão sobre o peito dele, agora quase incapaz de se mover, numa semiconsciência abobalhada: do espírito que se eleva para acordar, mas que é impedido pela forte magia de Storybrook.

Os dedos de Regina transpassaram as roupas e a pele de John. Sua expressão se asseverou quando não encontrou dentro do seu peito um coração.

Mas, algo pulsava! Deslizou sua mão para o lado esquerdo e o alcançou: forte, quente, centenário... Ela nunca tocou num coração como aquele. Removeu-o como quem movimenta algo valioso.

Regina se levantou, com o coração pulsante de John em suas mãos. Agora, o livre arbítrio daquele desconhecido era seu.

—Reconheceu algo nele? —perguntou o Sr. Gold.

—Desde quando você está aí? —perguntou Regina.

—Eu te disse que o estou vigiando de perto.

—Não, não reconheci. Mas, não importa... Ele não vai mais se lembrar. O seu coração estará congelado para todas as vezes que ele encontrar Safira.

—Vamos embora—chamou o Sr. Gold.

Regina observou John por mais um tempo. Aquelas ondas tão poderosas de magia que o envolviam, reconstituindo sua falsa memória, podiam ser vistas. Magia em Storybrook. Ela sentira falta daquela beleza...

Foram embora, abandonando John desacordado na viela deserta.

.o.

John se despediu de Emma. Fora um dia comum, sem grandes acontecimentos em Storybrook. Mesmo sem ter ideia do porquê acordara numa viela, sem nenhuma lembrança do que acontecera a ele, estava animado. Ignorou o estranho acontecimento e passou no banheiro da delegacia, ajeitando desnecessariamente seu cabelo.

Era um sentimento muito estranho, para alguém na idade dele, que vivera tudo o que viveu. Era viúvo, um homem destruído pela morte dos próprios filhos. Não havia lógica naquela leveza que sentia ao pensar em Safira. Não apagava o passado, até mesmo porque John nunca deixaria que isso acontecesse. Mas, trazia uma bela esperança de felicidade.

Chegou ao relógio minutos antes do combinado. Ela já estava lá, com uma maquiagem um pouco mais bem definida e cuidadosa, roupas coloridas e alegres, um grande sorriso de expectativa incontrolada.

Ele não sabia se fazia ou não algum efeito sobre ela. Muito menos se seria tão poderoso quanto a maneira como ela o fazia se sentir.

Do cumprimento um pouco demorado, passaram para a caminhada tranquila. Ela o fez saber de sua vida, agora de uma dimensão muito menor à daquele momento. Ele contou coisa ou outra, mais para vê-la sorrir que para fazê-la saber quem ele era.

Não se sentiam dois desconhecidos. Eram dois companheiros que trocavam experiências que nunca antes mencionaram. Safira não estava perdida com ele. 'Ao seu lado' foi o lugar o que universo designara para ela. John e Safira se sentiam como o Doutor e Rose.

As ruas, as lojas, as casas, qualquer carro ou bicicleta que passasse lhes remetia a alguma história que se sentiam ansiosos por partilhar. Não viram o tempo passar até alcançarem o bosque da cidade.

—Que lugar é esse? —perguntou ela. —Não achei que aqui teria um lugar desses. É lindo!

O sol caía e as cores se alteravam nos céus. Uma turva e distorcida apresentação de tons que trouxe um sentimento de saudade e de perda para ambos: o seu lar, tão distante sem que eles soubessem, pipocava como sombras de lembranças de suas viagens. A visão do fim do planeta Terra, a estranha Nova Nova Iorque, ou qualquer outra memória adormecida... Impossíveis de serem rememoradas.

Tudo estava distante. Toda a realidade se esvaíra para onde não poderia ser novamente alcançada... John pegou a mão de Safira. Ela olhou para ele, como se tentasse reconhecer naquele homem o motivo dos fortes sentimentos que explodiam no seu peito e, ambos souberam, que de tudo o que se fora, o mais importante ainda permanecia: tinham um ao outro.

Aproximaram-se, sabendo apenas ser John e Safira, mas com os sentimentos do Time Lord e de Rose. As cores sumiram em meio ao tempo que se perderam, de olhos fechados, um no outro. O toque dos lábios gerava mais que a sensação do beijo apaixonado: eram as engrenagens perdidas dentro de cada um que parecia magicamente encontrar o seu lugar correto.

Mesmo que o seu sentimento fosse de igual intensidade, Rose, apenas humana, não era capaz de se sobrepor ao poder de Storybrook. Do abraço que se afrouxou e dos lábios que se separaram para o olhar de ambos se encontrou mais uma vez: de Safira para John, do Doutor para Rose.

Então, de uma só vez todas as lembranças se tornaram claras na mente do Time Lord...

.o.

Uma semana antes:

O Doutor levantou uma alavanca e a boa e velha iluminação azulada da TARDIS retornou. Rose sorriu animada, mas percebeu com estranheza que ele não parecia igualmente animado. Uma voz anunciou "Protocolo de segurança 856, retorno a Terra em 3... 2... 1...". A TARDIS chacoalhou da sua forma usual e logo se materializou. Rose correu até a porta e a abriu. Era Londres: seu amistoso lar aguardava o seu retorno. Ela sorriu para o Doutor, mas ele não olhava para ela. Mexia no painel, voltando a modificá-lo.

O que há de errado? —perguntou ela.

Nada! Temos um tempo até eu arrumar tudo—disse apontando a porta com o olhar.

Você não vem?

Depois... —respondeu voltando sua atenção para a TARDIS de novo.

Ela não saiu da nave. Ele a encarou.

Você me quer fora da TARDIS porque ainda tem algo de errado com ela!

Eu estou consertando ela...

Você planeja me deixar para trás! —arriscou ela, com uma boa dose de inconformismo em seu tom de voz.

Ele não negou. Ela foi até uma das cadeiras e se sentou, cruzando os braços:

Eu não vou sair daqui.

Rose... —disse ele, indo até a frente dela. —Eu não consertei a TARDIS. Eu só acionei um protocolo emergencial, mas logo eu vou perder o controle dela de novo. Mas, eu consegui te trazer para casa. Você precisa ficar. Quando eu resolver tudo isso, eu volto.

Você está mentindo para mim! —percebeu ela, levantando-se, exaltada. —Você não sabe se vai voltar! Você não quer mais que eu viaje com você! Porque?

Inesperadamente, ele a puxou num abraço. Um abraço que queria dar-lhe há tempos...

Você morreu lá...

Você me trouxe de volta, Doutor. E você também morreu!

Exatamente—respondeu, afrouxando o abraço e a olhando nos olhos: — Sempre foi perigoso, mas nunca desse jeito. Eu sempre tive o controle da situação, mas se o que aconteceu lá tivesse acontecido em qualquer outro lugar onde a morte é definitiva... Rose... Eu não poderia ter te salvado. Até eu ter o controle total da TARDIS, você não vai mais viajar comigo.

Rose não sabia se ouvia bem uma ordem. Era como se o Doutor implorasse para que ela ficasse longe e segura. Mas, por mais que ela entendesse a doçura daquele pedido, ainda era Rose Tyler. Ela absorvera a energia do próprio Vórtex para salvar aquele homem, não o abandonaria em perigo tão facilmente.

Ela o abraçou forte, como que em despedida. Ele a abraçou de volta. Ela esticou o braço e puxou a alavanca que mantinha a TARDIS sobre controle.

A nave soltou um alto guincho, como se gritasse. As luzes ficaram vermelhas e antes que o Doutor percebesse o que havia acontecido, a TARDIS chacoalhou violentamente, foram sugados de volta para fora da realidade.

O que você fez?! —perguntou exaltado, quase furioso.

A TARDIS parou, as luzes se apagaram e as portas se abriram. Havia apenas um lugar para onde podiam ir, a nave não lhes dava outra escolha.

O que diabos você fez? Você estava em casa! Segura!

Ótimo! Você vive querendo salvar todo mundo, não é? E quem é que salva você? Suas chances não melhoram se você viajar sozinho!

Ótimo, Rose Tyler! Da próxima vez que eu conseguir voltar para a Terra, vou ter certeza que você fique lá, eu tendo ou não o controle da TARDIS! —vociferou, saindo da nave.

Ela o seguiu. Também estava nervosa por quase ter sido abandonada, mas também um pouco assustada. Nunca o vira furioso daquela forma!

Do lado de fora, estavam numa espécie de floresta. Não faziam ideia de onde e nem discutiram sobre. Estavam indignados demais um com o outro para puxar qualquer assunto.

Não demorou para que uma nuvem arroxeada se aproximasse com violência. A magia de Rumpelstinsk que se espalhava por toda a Terra dos Contos de Fadas e os arrancara de lá em direção a uma falsa memória, um falso lar e uma nova falsa vida.

.o.

As mãos do Doutor ainda envolviam Rose, que não fazia ideia de quem realmente era. Da sua expressão de estranhamento, veio a apreensão da garota:

—O que foi?foi a pergunta mais branda que poderia fazer. Se não obtivesse resposta, só poderia imaginar que o beijo não fora bom para ele.

Ele não pôde responder, soltou-a no momento em que sentiu uma tremenda dor no lado esquerdo do peito. Regina, há poucos metros, após observar que apenas a sua vontade não era capaz de manipular o coração daquele homem, apertou-o em suas mãos o órgão que pulsara tão forte segundos antes, e agora virava pó, deslizando pelos seus dedos.

O Doutor caiu, como tendo um ataque cardíaco e permaneceu muito quieto. Regina deu as costas e escapou, acreditando ter findado de uma vez por todas o seu problema.

Apesar de tudo, ele ainda respirava e o seu outro coração, no seu lado direito, pulsava vigoroso.

.o.

Regina andava de um lado para o outro em seu escritório. Como alguém podia viver sem o coração? E ela sabia que o havia destruído. Já fizera aquilo milhões de vezes antes. Não havia dúvidas.

—Regina—cumprimentou Sr. Gold, com um sorriso meio cínico no rosto. —O que deseja de mim?

—Quem é John?

—Você estava atrás dessa resposta, não eu.

—Sim, mas depois de todo esse tempo você deve ter uma ideia! Você TEM que ter uma ideia! —exaltou-se.

Ele a observou:

—Regina, você passou no hospital hoje cedo, não?

—Sim—confessou. —Não apenas John está vivo, como aquela sonsa da Safira não sai de perto dele!

—Mas, os médicos te disseram alguma coisa?

—Que ele teve um ataque cardíaco, mas estava se recuperando.

O Sr. Gold riu:

—Você saiu de lá muito cedo. O nosso desconhecido, minha cara, tinha dois corações.

—Dois... Dois corações? —perguntou espantada.

—Eu também não previ isto. E tem mais, o Dr. Whale me adiantou que um dos corações realmente enfartou, mas o outro está em boas condições. Apesar disso, o nosso John parece incrivelmente debilitado.

—Ele não vive bem com apenas um coração!

—Aparentemente, não.

—Hum... —percebeu com alívio: — Então, não temos mais com o que nos preocupar. O outro coração dele não vai melhorar de uma hora para a outra.

—Não vai, mas existe outro detalhe.

—O que mais? —irritou-se.

—No seu estado de inconsciência ele chamou por um nome: "Rose".

—E?

—Acredito, é bastante óbvio, que este é o nome real de Safira.

—Ele se lembra?

—De alguma forma, o encantamento se quebrou para ele.

Regina mordeu o lábio inferior, preocupada:

—Não posso entrar no hospital e arrancar o outro coração dele sem ser descoberta.

—Existe uma saída... Safira mantém o encantamento longe dele. Então, você precisa tirá-la de perto dele. Mergulhá-la em um profundo sono, talvez...

—Você sabe muito bem que as minhas maçãs aqui não tem poder.

O Sr. Gold tirou de dentro do casaco um pequeno frasco:

—Estive guardando isso para um momento de necessidade. Não é vantajoso esperar para saber quem eles foram. Precisamos cortar este risco pela raiz.

Ela pegou o frasco:

—Essência de maçã?

—Tem propriedades mágicas o suficiente para derrubar uma pessoa, à moda antiga.

Regina sorriu. Era hora de cozinhar.

.o.

O Doutor abriu os olhos. Uma cama de hospital... Levantou de supetão e sentiu uma fisgada no peito. Percebeu logo que um dos seus corações não estava funcionando.

Sozinho no quarto deu uns socos rápidos no próprio peito, mas não conseguiu reanimá-lo. Levantou-se, cambaleou um pouco até perceber como poderia se movimentar com apenas um coração. Mas, antes de conseguir sair, o Dr. Whale entrou:

—Ei, ei, ei! Sem agitações Sr. Smith! —pediu ele, fazendo o Doutor se deitar de novo.

Aquilo era ruim. Precisava encontrar Rose e sair daquela dimensão. Já estavam há tempo demais lá. Percebeu que a atendente da lanchonete, Rubi, entrou logo em seguida.

—Onde está Ros... Safira? —perguntou ele para ela, ignorando o médico.

Rubi deu uma risada maliciosa:

—Então não foi só ela que ficou impressionada com você, heim? Ela estava aqui até há pouco, mas saiu.

Ele pareceu mais calmo. Com Rose estava tudo bem. Só precisaria descobrir uma maneira de fazê-la se lembrar de quem era. Se é que ainda não havia se lembrado. Rubi continuou:

—Ela já estava ficando cansada, não saiu do seu lado desde que você teve o ataque no bosque— ele não conseguiu deixar de sorrir ao ouvir aquilo, ela continuou: — Ainda bem que Regina passou por aqui, as duas saíram juntas para que Safira descansasse um pouco.

As lembranças sobre Regina retornaram como uma torrente. Ele se levantou de súbito: aquela mulher arrancara o seu próprio coração!

—Ei! —gritou o Dr. Whale o empurrando de novo na cama. Na tentativa de reagir, veio a resposta rápida do experiente médico: a agulha penetrou no braço do Doutor liberando um forte tranquilizante. Adormeceu de imediato.

.o.

—É um pouco estranho falar sobre isso, na verdade... —comentou Safira, diante de Regina.

Sentia-se desconfortável na casa daquela mulher. Mas, não podia responder mal educadamente ao convite da prefeita. Afinal, ela não só a acolhera na cidade como parecia oferecer uma amizade sincera.

—Não há nada de errado em falar sobre o amor. Um amor à primeira vista, faz tempo que eu não ouço algo assim. Até parece um conto de fadas...

—É muito estranho. É como se eu conhecesse há anos. Eu sabia tudo o que ele ia me dizer. Quero dizer... Não o assunto, mas as palavras que ele usaria para se expressar. Qual a pressão que ele usa para apanhar a minha mão. O jeito do sorriso...

Regina sorriu:

—Você está apaixonada, não há nada de errado nisso. Não se preocupe! O Dr. Whale é extremamente bem qualificado! Logo John estará bem e conosco.

A prefeita se levantou e apanhou dois pedaços generosos de torta:

—Coma comigo!

—Não precisa se incomodar. Na verdade, eu já estava de saída.

—Não diga isso! Vamos, como algo antes de ir! É torta de maçã: minha especialidade.

Safira pareceu um pouco sem jeito. Bem, mas estava mesmo ficando faminta. Pegou o garfo e se serviu de uma boa mordida.

.o.

O Doutor abriu os olhos. O mesmo quarto do hospital. Rubi ainda estava lá e o médico já havia ido embora.

—Por quanto tempo eu dormi?

—Duas horas—respondeu ela, um pouco incomodada. Aceitara trocar de turno para que Safira saísse um pouco, mas não imaginava que ela fosse demorar tanto.

Percebendo uma movimentação na janela, disse para Rubi:

—Você pode chamar do Dr. Whale?

Ela se levantou de imediato, acreditando que John estivesse sentindo algo sério:

—Volto logo com ele! —respondeu, saindo apressada.

O Doutor pulou da cama e foi até a janela e a abriu. Do outro lado, Henri esperava:

—Você não pode ficar aí por mais tempo! A Rainha Má pegou Rose!

—Rainha má?

Pulou a janela e percebeu, radiante, que o garotinho trazia consigo um terno marrom, camisa, gravata...

—Como você sabia? Como você sabe quem eu sou?

—Essa foi a parte fácil, difícil foi fazer você se lembrar de quem é! Vamos logo! —insistiu o garotinho.

Eles correram para longe do hospital. Num beco deserto, o Doutor pôde trocar o avental de hospital pelas suas roupas habituais:

—Sério, como você soube sobre mim? Rose te contou?

—Não, ela ainda pensa que é Safira. Eu tenho um livro que me conta tudo o que é verdade. Essa cidade não é real.

—Onde está Rose?

—A minha mãe, a Rainha Má, envenenou ela! Eu a vi carregando Rose com a ajuda de alguém. Acho que sei para onde foram!

Os dois correram por poucas ruas até alcançarem o bosque.

—Henri, preciso que você volte daqui. Obrigado por me ajudar.

—Eu quero ir com você!

O olhar severo do Doutor fez o garoto entender. Ele deu um passo para trás e ficou-o olhando se embrenhar na mata até quando não era mais capaz de vê-lo.

As batidas descompassadas no peito do Doutor eram compensadas debilmente pelas descargas de adrenalina. Mesmo assim, sentia o quão era difícil se movimentar estando quase semi-morto. Há certa altura, ligou sua screwdriver e seguiu pela direção correta: um pouco mais adiante, numa caverna pequena, mais parecida com uma câmara.

O Doutor correu até a mulher que dormia, disposta sobre uma rocha plana, um sono eterno.

—Rose? —chamou ele. Ela sequer piscou. Ele apanhou a sua mão gelada e observou a sua face pálida. A sonic screwdriver não encontrava vida em seu corpo. —Rose, Rose, Rose, Rose Tyler. Não faça isso—pediu, um pouco perdido, com os olhos marejando. E a abraçou, sabendo que doía mais a perda que seu coração cujas batidas se silenciaram. —Eu sinto muito—disse baixinho em seu ouvido. —Eu sinto muito memo.

E a deitou de novo na rocha. Era lá que o destino dos dois findaria, tão longe de casa, tão longe do que é realmente palpável. Sorriu um pouco ao lembrar-se que há horas atrás acreditara ser John Smith, o humano que podia amar aquela mulher. Pensou no toque quente da mão de Rose. No seu beijo...

Pousou sua testa sobre a dela. A dor do adeus, em sua dimensão, maior que uma Supernova. No destroçar da sua alma, o Doutor chorou, passando os dedos pelos cabelos loiros como o Sol, sem mais possuir o brilho da vida. Como o suspiro de um espírito despedaçado, murmurou:

—Rose Tyler, eu... —e interrompeu-se embrenhado na sua própria comoção. Fechou os olhos só para senti-la junto a si, Rose Tyler: a companheira humana por quem o Doutor se apaixonou.

Abriu os olhos, sem querer ir embora, mesmo que todos os anos da sua vida lhe mostrassem que o adeus sempre vinha. Que ele sempre teria que se despedir.

Juntou as migalhas de coragem que conseguira reunir para se distanciar. Mas, não assim, não sem antes demonstrar, não como John Smith, mas como ele mesmo, o Time Lord de mais de novecentos anos, fragilizado diante dela, que a amava. Que a amava acima dos planetas, das constelações, do próprio universo... E, postou sobre os seus lábios, o beijo da bela declaração e do doloroso adeus.

O relógio da torre se moveu. Todos na cidade, sentiram como que um terremoto de realidades distorcidas, dentro de si mesmos. Mas, o poder da magia reestabeleceu o controle sobre a cidade. A profecia não era para o Doutor, mas para Emma. Apenas ela teria o poder de libertar Storybrook. Mas, naquela pequena caverna destacada de toda a cidade, naquele pequeno espaço, o amor verdadeiro rompeu não só o feitiço da Rainha Má, mas correntes do encanto de Rumpelstinsk.

Os pulmões de Rose se encheram de ar. Seus olhos se entreabriram e encararam um Doutor completamente confuso e estupefato:

—Doutor, o que aconteceu?! —perguntou.

—Rose! —exclamou ele, envolvendo-a num abraço.

Ela o abraçou de volta, sem ter certeza se as lembranças que tinha de outra vida, na qual a chamavam de Safira, de fato aconteceram, ou se era o simples fruto de um sonho.

A TARDIS se materializara na pequena caverna, como que por encanto. Mas, para a surpresa de Rose, ele não se movera. E, no desejo tolo de contos de fadas do Doutor, estendeu o tempo daquele abraço para o infinito...

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[ ;) um infinito finito, já que a história continua! Vejo vocês no próximo e – possivelmente – penúltimo crossover dessa história ]

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.