Fogo Celestial

Çatalhüyük


Jace escutou a história toda pela terceira vez, enquanto Clary contava tudo novamente, para Izzy. No entanto ele escutou no automático, ele ouvia a voz de Clary, algumas interrupções de Isabelle e a maldita respiração do outro presente no quarto, mas seus pensamentos estavam em outras coisas, mais especificamente em uma horas antes.

Ele estava em seu quarto, tendo uma horrível noite de sono, se revirando na cama e lutando para manter os olhos fechados por tempo o suficiente para que o sono chegasse quando ele ouviu os gritos de Clary. Sem pensar em nada, ele pegou a adaga que ele sempre mantinha consigo e correu para o quarto dela.

Quando ele chegou lá, não havia ninguém a atacando. Pelo menos não visivelmente. Mas gritava e se debatia na cama como se estivesse sendo torturada. Ele imediatamente agarrou-se em seus braços e a chamou, chamou e chamou. Ele deve ter chamado-a por uns dez minutos, e quando ele estava prestes a sair para pedir ajuda ela abriu os olhos e o agarrou tão fortemente que por um momento ele ficou sem ar.

Ele devolveu o abraço, porque ele podia sentir o panico dela, por sua respiração e pelo modo como seu corpo todo tremia. Desde que Clary havia voltado — nem quando ela estava desacordada ou envenenada — ele não a havia visto assim tão vulnerável, e isso trouxe a ele uma furiosa ânsia de acalma-la, protege-la e afasta-la de tudo ou qualquer coisa que pudesse machuca-la.

Por um momento Jace se perdeu na sensação de tê-la em seus braços novamente, a tanto tempo ele sonhava com isso, no entanto agora tudo era tão diferente. O que não era diferente era sua nessecidade de pritege-la.

Quando sua respiração se normalizou e os tremores de seu corpo cessaram, ela se afastou e estava visivelmente bem. Mas aquela ânsia de Jace ainda estava lá, por isso ele não podia se permitir afastar-se dela completamente, e manteve as mãos ainda segurando seus braços.

Quando ela falou, com a voz não mais alta que um sussurro, Jace teve uma vontade assassina de causar muito dano a qualquer coisa que tivesse feito isso com ela, mesmo ele suspeitando que tenha sido apenas um pesadelo, porém como ele bem sabia todo pesadelo tem uma raiz na realidade.

E quando ela terminou de contar o que havia acontecido, ele se sentiu frio. A última vez que Sebastian esteve com Clary teve um resultado desastroso, e um sonho pode ter muitos significados, e não é porque é um sonho que não machuca de verdade. E foi por isso que ele concordou em ir com ela até o garoto. Jace estava mais do que disposto a ajuda-la e descobrir tudo sozinho, mas ela ia para o garoto, Jace sabia disso, de alguma forma ele sabia que os dois tinham uma ligação — ligação que ele não entendia — mas existia.

Então já que ela finalmente estava se abrindo e confiando nele para contar o que estava acontecendo, ao menos em parte, — não que ele conseguisse explicar como no inferno depois de tudo era ele quem tinha de conquistar a confiança dela — ele estava disposto a suportar um pouco da presença do garoto — muito pouco talvez.

E tudo ia razoavelmente suportável até o garotinho dizer todo orgulhoso que foi ele quem ensinou a Clary a maldita técnica Randorin que quase a matou. Neste momento aquela ânsia de proteção voltou a ele novamente e novamente ele não pode pensar em nada que não fosse afasta-la do perigo e no momento o perigo era o Haikai.

Agora, pensando melhor Jace não se arrependia, de maneira alguma, mas via que o que ele fez não fazia sentido algum. Clary era muito bem capaz de se proteger sozinha e além do mais, por mais que lhe doesse admitir Jace estava começando a achar que ele teria saído perdendo deste embate se Izzy não tivesse interrompido.

E depois de tudo o garoto ainda pediu desculpas. De onde essa cara saiu mesmo?

Todo arrogante e orgulhoso dizendo o que fez e depois todo educado e humilde pedindo desculpas. Isso só fazia com que Jace quisesse ainda mais arrancar a garganta dele. E não ajudava que ele tivesse razão no que disse.

E ajudava menos ainda que o garoto o tivesse culpado pela partida de Clary. Ele não era culpado, não mesmo!

Esses pensamentos estavam todos embaralhados em sua mente, e havia também uma imagem que sempre vinha a sua cabeça quando ele se sentia confuso nos últimos tempo e que agora parecia preso em sua retina, fogo. Um fogo que brilha tanto que lhe dor de cabeça.

— Bom, se ninguém aqui sabe que lugar é esse há uma pessoa a quem nós podemos recorrer que com certeza saberá descobrir muito rápido. — Jace ouviu Izzy dizendo, o que quer dizer que já haviam acabado de contar os fatos. Hora de voltar a prestar a atenção, e assim que ele o fez pode ouvir Clary e Isabelle dizendo ao mesmo tempo:

— Simon!

***

Depois de acordar Alec e dar um resumo dos acontecimentos, todos partiram para a casa do vampirinho mais procurado do momento, no caminho Alec fez questão de ligar para Magnus. Jace estava feliz que os dois tinham se acertado, mas vamos lá não é, parece que eles estão querendo recuperar cada segundo que ficaram afastados durante esses meses todos. Se eles estão acordados estão juntos, e só não estão juntos quando estão dormindo porque Maryse coloca Magnus para fora. Não que Alec não possa ir para o apartamento de Magnus, o que é estranho que ele não esteja fazendo realmente, mas considerando...

— Você tem certeza de que não é melhor avisa-lo de que estamos chegando?

As palavras de Alec interromperam os devaneios de Jace.

— Não tudo bem, já estamos chegando mesmo e Jordan ainda não está em casa.

O resto do caminho foi percorrido com um silêncio pesado, Clary acima de tudo parecia muito aborrecida, o que Jace não entendia, era ele quem deveria estar puto com tudo que tinha descoberto hoje e ainda mais com o que ela não estava contando e com certeza o garotinho ao lado dela sabia.

Com isso Jace não conseguiu não comparar o garoto com Simon o mundano. Jace realmente havia implicado com Simon quando o conheceu, mas não porque ele não fosse um mundano legal, mas pela relação que ele tinha com Clary, nem ele mesmo sabia disso na época. Os dois eram muito unidos, sempre um ajudando o outro, sem segredos sem complicações que os afastassem e era bem obvio o quanto um gostava do outro, principalmente da parte de Simon é claro.

E agora ela parecia ter a mesma relação com o tal Haikai — tudo bem, não a mesma relação, mas os dois estão muito juntos e o deixando de fora, o que é quase a mesma coisa. — depois de tudo lhe causava um arrepio em pensar em Clary confiando em uma outra pessoa e não nele.

Antes fosse Simon, com esse ele já estava acostumado, e o vampirinho até que era bem esperto.

Quando eles bateram a porta de Simon o sol já havia nascido, mas ainda era muito cedo, o vampiro que sai ao sol tem um horário de sono que ninguém intende, toda hora é hora de dormir o que não o impede de ficar acordado de dia ou de noite. Porém ao que parece eles o tiraram da cama.

Ele tinha o cabelo uma confusão só, as roupas todas amassadas e parecia estar em um estado ainda de sonolência. Jace sabia o que eles haviam ido fazer ali, que era essencialmente pedir ajuda ao vampiro, mas isso não o impediu de maneira alguma de agarrar o pescoço de Simon e o atirar na parede mais próxima o segurando ali com seus narizes quase se tocando e dizer em um rosnado:

— Eu só vou dizer uma vez, e é bom você entender. Se você machucar Isabelle, de qualquer forma, se você fizer ela sofrer e principalmente se você fizer alguma coisa que ELA não queira, eu mato você. Não importa se eu vou ter que te cortar em trezentos pedaços e queimar um por um, eu mato você.

— JACE!! — Isabelle disse e correu para separar as mãos de Jace que agarravam firmemente o pescoço de Simon, que para sua sorte não precisava de ar como... bem, como alguém vivo. — Você está louco?

— Só um recado que eu tinha que dar. Sua vez Alec!

Alec ficou no meio do corredor sem saber o que fazia, se seguia o exemplo de Jace ou se o recriminava como Isabelle. Neste momento Magnus entra pela porta e o salva de ter de tomar a decisão.

— Por favor, Isabelle não é nenhuma dama com a honra em perigo que precisa de cavalheiros para protege-la.

— Eu não sei se isso foi um elogio ou uma ofensa Magnus, mas é mais ou menos por ai.

Magnus se limitou a dar um de seus sorrisos enigmáticos e virando-se para Clary prosseguiu.

— Agora eu acho que me tirarem da cama do meu preciosissimo sono as... sei lá que horas da madrugada só pode ser culpa sua, então que tal você explicar!

— Não me importa quem, desde que alguém me explique alguma coisa! — Simon que ainda não tinha proferido uma unica palavra, pareceu ter se recuperado do susto. — O que vocês estão fazendo na minha casa? E quem é você? — A última pergunta foi dirigida diretamente para Ben.

Todos se dirigiram a sala de Simon e arrumaram uma maneira de sentarem-se enquanto mais uma vez a história era contada.

— Então você é o Haikai? — Pergunta Simon para Ben que o observava de uma maneira curiosa.

— Sou. E você é o mundano amigo de Clary que se tornou um vampiro por culpa dela. — Não foi uma pergunta Jace reparou, apesar deles nunca terem se visto, o garoto sabia exatamente quem Simon era, o que quer dizer que Clary contou a ele, Jace estava pensando o que mais ela deveria ter contado quando percebeu o silêncio que se estabeleceu na sala. E percebeu também que esse Haikai era cheio de colocar culpa nas pessoas.

Quem quebrou o silêncio foi Clary.

— Eu digo a você que estou sonhando com Sebastian onde ele basicamente me tortura e que o sonho foi muito real e que eu preciso encontra-lo e o que te chama a atenção é que Benjamin seja um Haikai, o que você nem sabia o que significava até a alguns segundos atrás?

— Eu sei mais do que você imagina. — Simon murmurou, não gostando de ser, mesmo que indiretamente, chamado de ignorante.

— Como por exemplo? — Clary perguntou ainda parecendo irritada com o Anjo sabe o que.

— Como por exemplo onde Sebastian está. — E dizendo isso o vampiro levantou-se e se dirigiu para o seu quarto.

Não muito tempo depois Clary o seguiu.

***

Antes que Clary pudesse dizer qualquer coisa quando entrou no quarto de Simon ele começou.

— O que você tem com esse cara Clary?

— Como é?

— Não me venha com ‘como é?’ você entendeu.

— Acho que eu não te devo satisfação da minha vida e...

— Eu nem sequer tive noticias suas por nove meses, quem sou eu para quer satisfação da sua vida. Mas você quer uma coisa de mim, e eu quero saber o que você tem com esse cara.

— Você esta barganhando comigo? — Clary estava incrédula. — Desde quando você faz isso Simon? Eu preciso saber onde Sebastian está.

— É? E você vai fazer o que? Aquela droga de interrogatório que te apaga? Vá em frente então. Eu não digo nada até você falar primeiro.

— Simon? — Clary ainda não acreditava no que ela estava ouvindo do seu mais antigo amigo, de onde havia vindo isso afinal? — Por que você quer saber sobre Benjamin?

— Porque eu não gosto dele. Porque Jace não gosta dele, isso já é bastante coisa.

— Jace também não gostava de você.

— Exatamente.

Clary suspirou fortemente e foi para a janela, afastou a cortina e ficou olhando as árvores que perdiam suas folhas e eram carregadas para todos os lados pelo vento de outono.

— E então? — Simon perguntou, esperando que ela despejasse a história toda. Mas Clary não era mais assim, ela não permitia que as pessoas a pressionassem, seja quem for.

— Não Simon. Benjamin não é importante, saber onde Sebastian está é. Por isso pare com essa brincadeira e me diga o que você sabe ou eu terei que arrancar isso de você, e não se engane, eu farei.

Simon não vacilou perante as palavras de sua melhor amiga, ele sentiu apenas uma tristeza muito grande e também uma determinação. Ele gostava demais dessa garota para deixa-la assim, ele a conhecia, ela estava sofrendo, e ele não sabia como ainda, mas agora que ela estava ali, tão perto, ele traria a antiga consciência de sua amiga de volta.

— Se ele não é importante eu não vejo porque você não pode falar. — Agora ela olhou para Simon e se aproximou um passo.

— Porque eu não tenho tempo a perder. Me diga o que você sabe!

— Arranque de mim!

— Eu vou fazer Simon! — Clary quase gritou as palavras e com isso ela pode ouvir uma agitação na sala. Arrumar uma briga agora não era a melhor estratégia. Ela suspirou.

— O que aconteceu com você Clary? É triste vê-la assim.

— Triste é ter que ouvir estas palavras de todos que eu encontro que achavam que me conheciam.

— Eu não achava, eu te conhecia, e ainda conheço. Você não está bem, essa sua busca por Sebastian está te corroendo e não vai melhorar.

Clary deu mais um passo em sua direção, aspirou algumas vezes lentamente e suavemente disse:

— Não vai melhorar Simon, não até eu o encontrar, não até que isso acabe, é por isso que eu não tenho tempo, é por isso que eu tenho que saber onde ele está, antes que ele suma bem diante aos meus olhos novamente. — Ela baixou a cabeça. — Eu estou cansada disso Simon, você quer saber quem é Benjamin? Ele é a pessoa que me manteve inteira quando eu estava despedaçando. Ele foi para mim lá em Londres o que você sempre foi aqui. A pessoa que me fazia ver o perigo.

Simon olhou por alguns instantes para Clary, ali no meio de seu quarto dizendo aquelas palavras, ela parecia mesmo cansada, abatida. Ele queria ajudar, e ele iria, queria ele com está barganha que Clary se abrisse com ele, e parece que teve algum efeito afinal.

— Hum, agora eu quase tenho dó dele, você sempre correu para o perigo mesmo conhecendo ele. É de enlouquecer qualquer um tentar cuidar de você.

Clary levantou sua cabeça olhou nos olhos de Simon e sorriu, um sorriso triste, mas sincero. Simon caminho por seu quarto até um pequena comoda ao lado de sua cama e pegou seu notebook.

— Venha, eu vou dizer o que eu sei. — E assim ele caminhou novamente para a sala deixando Clary atrás de si, por isso ele não viu o sorriso triste e sincero se transformar em um sorriso de triunfo, e menos ainda podia ele saber dos pensamentos de sua um dia tão conhecida amiga.

Clary naquele momento pensava que um interrogatório Randorim é usado unicamente quando não há outras opções, e ela conhecia muitas maneiras de obter informações, trabalhar no psicológico das pessoas era o mais eficiente deles, principalmente se a pessoa for alguém com quem você já manteve uma relação.

Foi fácil, esse foi o pensamento dela antes de entrar na sala e ouvir o que Simon já se preparava para falar.

— Pela descrição de seu sonho, eu sei exatamente onde Sebastian está Clary. — Ele pausou por um momento, e prosseguiu — É claro se for mesmo real.

— Foi real. — Afirmou Ben que estava estranhamente serio e carrancudo desde que Simon e Clary retornaram do quarto.

— Então, acreditando nisso, há apenas um lugar com essa descrição que ele pode estar. — Simon virou seu notebook onde ele havia mexido quietamente, e agora mostrava a todos uma imagem, uma imagem que fez um arrepio atravessar a pele de Clary. — Çatalhüyük – Turquia, eu sei é estranho, pronuncia-se ʧɑtɑl højyk. Esta é a cidade mais antiga do mundo, recentemente descoberta e escavada, data do período neolítico e bem, fica na Turquia.

Na imagem viasse casas e mais casas feitas de tijolos crus com as portas em seus tetos, escadas de madeira que iam do teto ao chão nas casas que ficavam nas margens, os caminhos e pequenas pontes nos tetos, toda a areia e a montanha atrás das casas, exatamente como em seu sonho.

Clary sentia o sangue correr mais rápido em suas veias com a possibilidade. Benjamin explicou que o sonho interativo é tão exaustivo quanto o interrogatório Randorim, e uma pessoa sem muita capacidade para suportar como Sebastian deve passar pelo menos dois dias incapacitado. Clary imaginava que com os dados que ela tinha levaria isso somente para descobrir que lugar era aquele e então Sebastian já haveria partido, mas agora Simon dava a ela com apenas algumas horas desde o sonho a localização exata de Sebastian, ela se sentia quase culpada pelo o que fez com ele a poucos minutos. Isso dava uma chance ínfima, mas ainda existente de ela conseguir alcançar Sebastian e acabar com esse tormento.

— É esse o lugar. — Ela disse pouco depois. — É exatamente este o lugar.

E com isso Clary deu as costas e ia em direção a porta, antes de sair ela ouviu:

— Onde você vai? — Jace perguntava, logo atrás dela.

— Para a Turquia. — Ela respondeu e saiu pela porta, em caminho ao seu destino.